Com a decisão da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), publicada no último dia 22, o zoneamento ambiental da silvicultura terá que obedecer a critérios propostos pela Fundação Zoobotânica do Estado (FZB) até que o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) delibere novamente sobre o assunto ou, então, que seja finalizada a ação civil pública número 70025340027 proposta pelo Ministério Público do Estado (MP-RS) contra os critérios deliberados em abril deste ano pelo próprio Consema. Estes critérios geraram a Resolução 187/2008 do Conselho.
A relatora da decisão, desembargadora Agathe Elsa Schmidt da Silva, observa que, ao tomar conhecimento da ata da reunião do Consema em que foi aprovado o zoneamento, “chamou a atenção como ocorreu, fiquei chocada com a forma como o Consema aprovou o licenciamento”.
No dia 04 de abril, a votação do zoneamento foi adiada por pedido de vistas da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), quando o então secretário do Meio Ambiente e presidente do Conselho, Carlos Otaviano Brenner de Moraes, concedeu vista coletiva da íntegra das conclusões das Câmaras Técnicas de Agropecuária e Agroindústria, de Biodiversidade e Política Florestal e de Assuntos Jurídicos, debatidas nos 12 meses anteriores.
Poucos dias depois, em 9 de abril, a Agapan ingressou com mandado de segurança na 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital para pedir a suspensão da votação, marcada para aquele dia. A argumentação foi de que a Resolução nº 064/2004 do Consema prevê prazo de 15 dias para manifestação sobre matéria que deverá ser submetida ao plenário do Conselho – no caso, havia decorrido apenas cinco dias entre o pedido de vistas e a nova submissão do zoneamento à votação. Contudo, no início da noite do dia 9/04, o presidente do TJ-RS, desembargador Arminio José Abreu Lima da Rosa, suspendeu a eficácia da liminar proferida naquela manhã, baseando-se em argumento de que a não-votação implicaria corte de investimentos (mais de R$ 6 bilhões) em função da demasiada demora na definição da matéria ambiental.
O zoneamento foi então aprovado sem expressar limites objetivos ao plantio, embora, poucos dias antes da votação (4/04), especialistas da FZB tenham entregue ao presidente do Consema um documento técnico no qual, como então participantes da Câmara Técnica de Biodiversidade do Conselho, expressam sua discordância quanto a decisões tomadas naquela câmara, em reunião de 18 de março deste ano. Segundo eles, a proposta aprovada e votada, mas não decidida por consenso, naquela ocasião – a qual substitui os percentuais de ocupação por Unidade de Paisagem Natural (UPN), bem como o tamanho e a distância entre os plantios – “não estabelece critérios adequados”, pois “faltam parâmetros reguladores explícitos de ocupação e distribuição que assegurem que a expansão da silvicultura nas diversas regiões do Rio Grande do Sul ocorra dentro de limites ambientalmente seguros”.
Conforme os técnicos da FZB, a decisão adotada em 18 de março pela Câmara Técnica de Biodiversidade “imprime um alto grau de subjetividade ao planejamento e ao processo de licenciamento dos plantios, justamente pela falta de parâmetros de referência que orientem e até certo ponto uniformizem a tomada de decisão em cada região, deixando a definição da proporção e distribuição das áreas de plantio a critério de cada licenciador, em uma abordagem caso a caso”.
Omissão
Segundo o representante do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Paulo Brack, “este documento [com recomendações da FZB] nunca foi encaminhado ao Consema, mesmo tendo sido protocolado”. Brack afirma que o Ministério Público do Estado considerou o teor do documento tão relevante a ponto de incorporá-lo à ação civil pública. E a Justiça, da mesma forma, baseou-se nele para determinar, no último dia 22, que o licenciamento obedeça ao estudo da FZB.
“A Resolução [187 do Consema, que determina critérios para o zoneamento da silvicultura] suprimiu do zoneamento que a comissão mista – com uma visão mais macro do Estado do Rio Grande do Sul – colocou percentuais máximos de ocupação por unidade de paisagem natural, fazendo com que o zoneamento fosse aprovado de forma diferente da que propôs, sem limites objetivos”, afirma a desembargadora relatora da decisão, Agathe Elsa Schmidt da Silva. Ela observa que, no julgamento, não se entra no mérito se os critérios propostos pela FZB são ou não os melhores, mas sim que são critérios fundamentados em estudos e que “não há outros melhores”, pelo menos até que o Consema reexamine a matéria. A magistrada ratifica que, enquanto o processo prosseguir, todos os novos licenciamentos deverão obedecer à decisão. Ela não descarta, porém, a realização de um acordo entre Ministério Público, FZB, Fepam e Consema, de modo a que se chegue a outros critérios.
Diferenças
Pela proposta da FZB, as 45 Unidades de Paisagem Natural estabelecidas pela Fepam são classificadas como de baixa, média e alta restrição ao plantio de eucalipto, sendo que nas de baixa restrição, seria permitido o plantio em até 50% da área; nas de média, de 15% a 30%; e nas de alta, em até 10%.
Na proposta aprovada, em substituição aos percentuais de ocupação por UPN e ao tamanho e distância entre os plantios, propunha-se que o planejamento dos plantios deveria priorizar a formação de mosaicos entre os elementos naturais da paisagem e o ordenamento silvicultural; que os estudos exigidos para o licenciamento da atividade de silvicultura deveriam indicar parâmetros de ocupação e distribuição das plantações florestais em cada bacia hidrográfica e UPN, considerando conflitos de uso e potencialidades de cada região. Já pela proposta da FZB, cada UPN teria um percentual máximo de permissão de plantio, estando quatro delas excluídas do zoneamento (duas pero de Rio Grande, na região da Lagoa dos Patos, uma a sudoeste e outra em região da fronteira Oeste), devido a suas fragilidades. A FZB também propôs regras para tamanho e distanciamento entre maciços florestais, considerando as características de cada unidade de paisagem natural.
Sem previsão
Para o Consema novamente deliberar sobre o zoneamento, todo o processo de discussão deverá ser reiniciado nas Câmaras Técnicas. Segundo Paulo Brack, a próxima reunião da Câmara Técnica de Biodiversidade e Política Florestal será no dia 10 de novembro. Porém, o assunto deve passar por outras câmaras (como a de Assuntos Jurídicos) para depois ir ao plenário do Consema. Brack acredita que, provavelmente, o tema da silvicultura só volte à pauta em 2009. “Deveria ter entrado em discussão há mais de três meses”, lamenta. “Tememos que ocorra, de parte do governo, uma nova tentativa de atropelar o processo”, diz. Ele ressalta que “qualquer tentativa de mudança desses parâmetros terá que ter justificativas técnicas, o que não vimos até agora da parte contrária”.
Bioma
Conforme o representante do Ingá, é acertada a cautela inerente à decisão judicial, tendo em vista as expressivas perdas de campos naturais registradas no Estado. Ele lembra que as taxas anuais de conversão de campos nativos por interferência antrópica – atividade pastoril ou algum outro tipo de manuseio – são da ordem de 136 mil a 140 mil hectares, segundo conclusões de um workshop realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2006. No documento “Estado Atual e Desafios para a Conservação dos Campos”, organizado pelo professor Valério De Patta Pillar, do Departamento de Ecologia da UFRGS, consta que “cerca de 4,7 milhões de hectares de campos, nos últimos 35 anos, foram convertidos em lavouras e, mais recentemente, em florestas plantadas”. E mais: “Desde 1970, portanto, foram completamente transformados aproximadamente um terço dos habitats campestres, sem falar nos campos degradados pelo cultivo, mau manejo pecuário e invasão de espécies exóticas. O mais grave é que esse processo aconteceu sem que limites tenham sido até hoje efetivamente estabelecidos e aplicados nem pelo poder público nem pela sociedade”.
Em suas conclusões, o documento indica a necessidade de “concluir e efetivar o Zoneamento Ambiental para a Silvicultura no Estado do Rio Grande do Sul como primeira etapa de um zoneamento ambiental (ecológico-econômico) para a região dos campos no estado do Rio Grande do Sul, com vistas a estabelecer limites para a instalação de novos empreendimentos e garantir a proteção dos ecossistemas campestres”. Brack destaca que, pelos levantamentos dos pesquisadores da UFRGS, 60% dos 17 milhões de hectares do Bioma Pampa já foram convertidos em áreas de agricultura, pecuária ou outras atividades não destinadas à preservação.
Pendências
A determinação da Justiça proferida no último dia 22 aplica-se a novas licenças, não afetando empreendimentos já com aval da Fepam. Contudo, com os efeitos da crise econômica mundial alterando cronogramas de investimentos de grandes projetos – como é o caso do projeto da Aracruz em Guaíba –, as licenças já concedidas acabam com um prazo útil reduzido, uma vez que o início dos projetos é jogado para adiante. A engenheira florestal Maurem Alves, especialista em Gestão Ambiental da Aracruz, informa que a empresa já tem 40 mil hectares de área pré-aprovados para cultivo em 21 municípios do Baixo Jacuí, distribuídos em 40 ou 130 propriedades – este arranjo ainda não está definido, pois depende de processos de aquisição.
De acordo com a engenheira, a decisão judicial não afeta as Licenças Prévias (LPs) e de Instalação (LIs), cujos prazos são, respectivamente, de dois e cinco anos de vigência. “Mas para a execução, são necessárias LOs [Licenças de Instalação] para cada área, ou seja, são muitas LOs que dependerão de discussões”. Com isto, ela prevê que a Fepam levará mais tempo com os processos. Explica ainda que, considerando-se os critérios da FZB, todos os empreendimentos florestais da Aracruz, no Estado, obedecem às taxas de ocupação das respectivas UPNs, bem como os tamanhos máximos dos maciços florestais e a distância entre eles, recomendada pela Fundação.
(Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 04/11/2008)