Já circula pela internet a versão online de um abaixo-assinado em repúdio à minuta do projeto de decreto presidencial cujo escopo é inserir modificações no Decreto 99.556/90, que efetiva a tutela das cavernas brasileiras, fazendo valer o princípio ambiental da precaução.
O abaixo-assinado é uma iniciativa do portal eco-subterraneo e da lista de discussões homônima, de responsabilidade dos espeleólogos Adriano Gambarini, Eleonora Trajano, Ericson Cernawsky Igual e Maria Elina Bichuette.
Para eles, o Governo Federal, "unilateral e equivocadamente”, editou uma medida sem a devida participação social, que insere “modificações bruscas em um sistema jurídico protecionista que há anos vem sendo construído democraticamente”.
Na prática, a proposta do Governo interfere nos critérios de relevância das cavernas, flexibilizando seu uso – a rigor, possibilidades de destruição -, numa medida que teria se baseado em clamores dos setores produtivos, sobretudo das áreas de mineração e de hidrelétricas.
“Perceba-se que a ação do Estado Federal põe à margem do processo anos de debates e sérios estudos científicos, produtos de consistentes pesquisas que deveriam nortear a legislação pelos próximos anos”, analisam os espeleólogos na mensagem do abaixo-assinado, a ser encaminhada ao presidente Lula, aos ministros Carlos Minc e Dilma Roussef – respectivamente do Meio Ambiente e da Casa Civil -, e aos presidentes do Ibama e do Instituto Chico Mendes – respectivamente Roberto Messias Franco e Rômulo José Barreto Mello. Até ontem,o abaixo-assinado contabilizava quase 1800 adesões (para ler e/ou assinar a moção de repúdio, clique aqui).
Além desse movimento, o grupo de espeleólogos antecipou a AmbienteBrasil que pretende levar o assunto ao Ministério Público Federal e buscar o apoio da imprensa para fomentar o debate em torno do decreto – e das conseqüências de sua aprovação.
Ao portal, Adriano Gambarini, Eleonora Trajano, Ericson Cernawsky Igual e Maria Elina Bichuette avaliaram que a flexibilidade que se pretende imprimir na proteção das cavernas traz risco de “destruição indiscriminada de sistemas subterrâneos, sem uma avaliação apropriada, uma vez que não há consenso acerca dos critérios para estabelecimento de relevância das cavidades”.
“Todas as propostas divulgadas são inadequadas, com bases técnico-científicas questionáveis - para dizer o mínimo - e enviesadas”, colocou o grupo a AmbienteBrasil.
“Princípios básicos norteadores de qualquer proposta séria de conservação, como os da precaução e prevenção, são sumariamente ignorados, e conceitos ecológicos e evolutivos, bases do conhecimento da biodiversidade - que inclui não apenas a riqueza de espécies, como a de processos e padrões biológicos -, são negligenciados”, prosseguem os espeleólogos.
Segundo eles, aspectos metodológicos fundamentais, como o de amplitude espacial e temporal das amostragens, também vêm sendo sistematicamente desconsiderados. “A base científica dessa nova proposta é nula. Finalmente, a noção utilitarista de bens naturais - útil versus inútil - é altamente prejudicial e deve ser combatida em nome do futuro do planeta”, defendem.
No final do mês passado, de 24 a 27, portanto logo após a eclosão da polêmica, aconteceu em Curitiba (PR) o Workshop Manejo e Conservação de Cavernas. A proposta do Governo foi a “bola da vez”.
“A comunidade está chocada, revoltada não só pelo teor na nova proposta, como também por sua tramitação na calada da noite, que representa uma traição a todos aqueles que estão engajados no processo de discussão sobre o tema”, disse a AmbienteBrasil o espeleólogo Ericson Cernawsky Igual, que participou do evento. “Mais uma vez, a ganância atropela o bom senso e a legítima preocupação pelo presente e futuro do país, com aval de seus governantes”.
Estima-se que grandes áreas com potencial espeleológico estejam fora de Unidades de Conservação. São pouco conhecidas pela comunidade espeleológica, mas intensamente prospectadas pelas empresas de mineração, que dispõem de recursos e tecnologia para grandes levantamentos de eventuais jazidas minerais.
“Caso esta minuta seja aprovada, áreas anteriormente ‘escondidas’ a sete chaves pelas mineradoras, por conterem alto gradiente de cavidades subterrâneas, serão rapidamente prospectadas e mineradas”, adverte Ericson. “Efetivamente, uma infinidade de cavernas não conhecidas será destruída sem que ninguém saiba”.
A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE) também está divulgando um manifesto contrário à proposta governamental. “Entendemos que esta tentativa de mudança do decreto 99.556/90 é nefasta e que qualquer iniciativa que permita a supressão de cavernas representa um grande retrocesso para nosso país”, diz a entidade.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 03/11/2008)