Concluído mais de dois anos depois da invasão da Câmara por um grupo de sem-terra, parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União afirma que ato promovido pelo MLST (Movimento de Libertação dos Sem Terra) teria sido financiado por dinheiro público repassado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
O procurador Marinus Eduardo Marsico consultou cadastros oficiais para descartar outras possíveis fontes de recursos, além dos convênios assinados com o Incra, e considerados irregulares por auditores do tribunal. E concluiu "ser bastante provável que o financiamento das invasões das instalações do Ministério da Fazenda e da Câmara dos Deputados se deu, em todo ou em parte, com recursos públicos".
No parecer a que a Folha teve acesso, o procurador considera difícil que seja recuperado para os cofres públicos R$ 5.842.206,74, o valor corrigido das verbas repassadas pelo Incra por meio de três convênios para a Anara (Associação Nacional de Apoio à Reforma Agrária), entidade presidida pelo líder do MLST Bruno Maranhão.
O parecer do procurador, anexado ao processo que será votado no plenário do TCU, defende a imediata decretação da indisponibilidade de bens de Bruno Maranhão e da Anara. "Com o passar do tempo, se torna mais difícil um satisfatório retorno ao erário do débito apontado nesse processo", alega Marsico.
Convênios
Os três convênios analisados pelo TCU foram celebrados no período de um ano, entre abril de 2004 e abril de 2005, mês da primeira invasão promovida pelo MLST em Brasília, no prédio do Ministério da Fazenda. No ano seguinte, em 6 de junho, integrantes do MLST chegaram de ônibus a uma das entradas laterais do prédio da Câmara dos Deputados.
No confronto com policiais, os manifestantes empurraram porta adentro um Fiat Uno que estava estacionado nas proximidades. Depois da invasão, os manifestantes destruíram o que encontraram no caminho: luminárias, computadores, portas de vidro e um busto de bronze do ex-governador de São Paulo Mario Covas (morto em 2001). A invasão deixou um saldo de 41 pessoas feridas, mais de 500 pessoas presas e um prejuízo estimado na época em R$ 102 mil na Câmara.
Ao longo do parecer, o procurador do Ministério Público endossa conclusão de auditoria do tribunal de que não foi possível comprovar que o dinheiro público repassado pelo Incra foi destinado aos objetos dos convênios. Exemplo: o TCU não obteve nenhum exemplar da cartilha que teria sido confeccionada para famílias de assentados, apesar de o Incra afirmar que 11 mil exemplares foram impressos.
Outra irregularidade apontada na celebração dos convênios foi o endereço oferecido pela Anara nos documentos: um estacionamento público no Parque da Cidade, em Brasília. "Portanto, o Incra atuou de maneira temerária ao destinar expressiva quantidade de recursos públicos a uma associação cujo patrimônio não lhe permitia sequer constituir sede em condições normais."
Com base no trabalho feito pelos auditores do TCU, o procurador destaca a falta de propostas e planos de trabalho nos convênios assinados com a Anara, "com objetos e ações de tal forma genéricos que colocam em dúvida como realmente seriam utilizados os recursos públicos". O TCU vai analisar proposta de multa de até R$ 32.885,68 a vários dirigentes do Incra pelas irregularidades detectadas nos convênios.
(Por MARTA SALOMON, Folha de SP, 01/11/2008)