A SBE - Sociedade Brasileira de Espeleologia - divulga manifesto em defesa do patrimônio espeleológico (cavernas, grutas, abismos), ameaçado por um projeto que altera o Decreto nº 99556/1990, colocando em risco mais de 70% das cavernas brasileiras. A minuta foi enviada para a Casa Civi pelo Ministério do Meio Ambiente e é considerada um retrocesso pelos ambientalistas.
O Decreto nº 99556/1990, que garante a proteção das cavernas brasileiras, está ameaçado por proposta de alteração, em análise pela Casa Civil, por ser considerado um obstáculo aos grandes empreendimentos, caso das hidrelétricas e de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal. As alterações propostas que estão em análise na Casa Civil da Presidência da República vêm sendo consideradas graves pelo movimento ambientalista. O que se sabe por enquanto é que o texto propõe separar as cavernas por grau de relevância e as que não sejam consideradas excepcionais poderiam ser destruídas. O manifesto da SBE explica, abaixo, quais são esses graus.
Até agora, a legislação brasileira sobre cavernas tem impedido por exemplo, que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) conceda a licença prévia para a construção da usina hidrelétrica de Tijuco Alto, no Vale do Ribeira (SP). Há duas cavernas na região no meio do caminho da Companhia Brasileira de Alumínio, do Grupo Votorantim, que há mais de 20 anos batalha para construir a hidrelétrica. O manifesto da SBE condena, entre outros itens, a forma como a proposta de alteração está sendo feita, sem a participação da sociedade civil.
Leia abaixo o documento
Manifesto contra o retrocesso na legislação espeleológica brasileira
A Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), entidade ambientalista fundada em 1969, filiada à Federação Espeleológica da América Latina e Caribe (FEALC) e à União Internacional de Espeleologia (UIS), que congrega espeleólogos e grupos de espeleologia dedicados ao estudo e conservação de cavernas em todo o Brasil, participou ativamente do desenvolvimento da legislação relativa ao patrimônio espeleológico brasileiro, em especial da elaboração do Decreto 99.556/1990, um avanço para nossa sociedade.
O Decreto 99.556/90 protege as cavernas brasileiras e impede sua destruição há quase duas décadas, mas, tomamos conhecimento que, para liberar algumas grandes obras, a Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia, sem qualquer participação da sociedade civil organizada, defendem a alteração deste decreto permitindo a destruição que pode atingir mais de 70% das cavernas brasileiras.
Esta tentativa de alteração prevê:
A classificação das cavernas em quatro níveis (máximo, alto, médio e baixo);
A autorização para a destruição de cavernas seguindo o processo de licenciamento ambiental, independente da importância social do projeto;
Cavernas de grau de relevância máximo: serão apenas as que têm características únicas e notáveis;
Cavernas de relevância alta: poderão ser destruídas desde que o empreendedor preserve outras duas de igual importância;
Cavernas de relevância média: poderão ser destruídas desde que o empreendedor apóie ações de conservação;
Cavernas de relevância baixa: poderão ser destruídas sem nenhum tipo de compensação ambiental;
O MMA terá 60 dias para elaborar os critérios de relevância ouvindo os demais órgãos do governo.
Considerando que:
Não há nenhum indício de que as cavernas estejam dificultando o desenvolvimento de qualquer setor da economia brasileira. O setor mineral tem aumentado sua produção a cada ano e o setor energético já dispõe com alternativas mais econômicas e eficientes de aumentar a oferta de energia sem a construção de novas barragens.
O patrimônio espeleológico é um dos poucos recursos naturais protegidos pela legislação vigente de forma completa e ampla, mesmo fora de unidades de conservação. Sua importância perante a nossa legislação pode ser igualada às áreas de mananciais hídricos. As cavernas "cobrem" uma área muito pequena do nosso país e são formações únicas e extremamente relevantes para o entendimento da evolução geológica do planeta, da vida e até da nossa sociedade.
Não há consenso de que seja sequer possível classificar cavernas de acordo com seu grau de relevância. Apenas começamos a conhecer o patrimônio espeleológico brasileiro, além disso, muitos dos aspectos envolvidos não são quantificáveis numericamente, ou são subjetivos e mudam de acordo com a evolução da sociedade e o avanço da ciência.
O processo de licenciamento ambiental atual não é eficaz para garantir a conservação da natureza. No atual sistema o empreendedor interessado na liberação de seu projeto contrata diretamente os estudos necessários podendo influenciar para que o resultado lhe seja favorável. Além disso, estes estudos são avaliados apenas pelos órgãos ambientais, hoje fragilizados pela ótica desenvolvimentista do governo, sem garantias de respeito às necessidades e anseios da sociedade civil.
A destruição de cavernas não é uma medida aceitável para angariar recursos a fim de preservar as cavernas que restarem. Cabe ao Estado e à Sociedade garantir a conservação deste importante patrimônio, além disso, o governo não pode dispor de nossas cavernas como forma a conseguir recursos para cumprir suas obrigações.
Entendemos que esta tentativa de mudança do decreto 99.556/90 é nefasta e que qualquer iniciativa que permita a supressão de cavernas representa um grande retrocesso para nosso país.
Solicitamos que a legislação brasileira continue a proteger o patrimônio espeleológico integralmente.
Solicitamos que fique garantida a participação da sociedade civil organizada em qualquer processo de revisão da legislação e que seus anseios sejam respeitados.
Devemos incentivar e promover o uso sustentável do patrimônio espeleológico, não sua destruição, permitindo a conservação da natureza, o desenvolvimento do conhecimento científico e a difusão de uma consciência ambientalista para toda a sociedade e para as gerações futuras.
Emerson Gomes Pedro
Presidente da SBE
Gestão 2007-2009
Campinas SP - Brasil, 25 de outubro de 2008
(ISA, 30/10/2008)