O ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento Reinhold Stephanes apresentou na última quinta-feira (23/10) as projeções feitas pelos técnicos do ministério sobre o mercado de carne. De acordo com sua a previsão, o Brasil deve responder por 70% do mercado de carnes de todo o mundo em apenas dez anos.
Hoje, o Brasil tem aproximadamente 40% de participação no mercado internacional da carne, com cerca de 2,5 milhões de toneladas em um total de 6 milhões. Para Roberto Smeraldi, diretor da organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira e autor do relatório "O Reino do Gado", sobre a pecuária na Amazônia, a expansão apresentada pelo ministro parece pouco provável.
"O problema é que isso implicaria um aumento em rebanho de aproximadamente 70 milhões de cabeças. Para isso acontecer, o país deveria ter um aumento em produtividade absolutamente excepcional e sem precedentes, triplicando a taxa de lotação por hectare média atual, o que parece pouco provável (mesmo o confinamento não levaria a isso, pois aí você tem de aumentar a área de grãos de forma expressiva)", diz.
Para Smeraldi, outro motivo para que esse aumento da participação do Brasil no mercado internacional da carne não ocorra é o crescimento da produção de cana-de-açúcar. "Mesmo com este ganho improvável em produtividade, isso significaria uma expansão de mais de 250 mil quilômetros quadrados de área com pecuária, o que parece um pouco fora da realidade se levarmos em consideração que isso representaria o dobro de tudo o que se projeta expandir com cana. Ou seja, num mundo onde se cogita que a cana ocupe parte da área da pecuária, parece curioso pensar que a pecuária poderia crescer mais que o dobro da cana, ou até seis vezes a cana, se forem consideradas as taxas de lotação atuais", explica.
Já o chefe-geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Acre, Judson Ferreira Valentim, utiliza os mesmos cálculos de aumento de quantidade de animais por hectare para defender que esse crescimento é possível, mesmo com a expansão da produção de grãos e biocombustível. Essa possibilidade, defendida por Valentim, virá a partir da tecnologia.
Na análise do representante da Embrapa, existe hoje, em média, uma cabeça de gado por hectare. Valentim acredita que cerca de 50 milhões de hectares que hoje são de pastagem vão dar lugar à soja e aos biocombustíveis. Ainda assim, se implantada uma tecnologia que permite a criação de mais animais por hectare, a expansão é possível. "Com uma criação de gado de maior produtividade, com duas ou três cabeças de gado por hectare, podemos produzir um rebanho de cerca de 300 milhões de cabeças. Isso sem expandir as áreas de pastagem, apenas aumentando a produtividade e o uso de melhores técnicas agropecuárias", explica.
Amazônia
As principais críticas a respeito da expansão da pecuária são as de que esse crescimento aconteceria na Amazônia Legal. De acordo com o relatório "O Reino do Gado", praticamente não houve crescimento do rebanho fora desta região desde 2003. "Foi o aumento da produção amazônica que permitiu ao Brasil se isolar, a partir de 2004, na liderança mundial na exportação de carne bovina. Em 2007, o Brasil exportou mais carne que o segundo e o terceiro colocado juntos", diz o relatório.
Para diretor geral do Instituto Peabiru João Meirelles Filho, a perspectiva de que o Brasil terá 70% de participação do mercado de carne internacional é muito ruim para a Amazônia. Segundo ele, no atual modelo econômico brasileiro, a expansão da pecuária se dará na região. "Em 40 anos, assistimos à chegada de 75 milhões de cabeças de gado para a Amazônia. A expectativa é de que em 15 anos sejam 200 milhões".
Meirelles acredita que a expansão da pecuária é a pior decisão que o Brasil pode tomar. "O Brasil está dizendo ao mundo que a fronteira vai continuar aberta", diz, lembrando que 80% do que já foi desmatado na Amazônia é resultado direto ou indireto da pecuária.
Segundo o diretor do instituto, os problemas vão desde a substituição da floresta e da biodiversidade pelo pasto até as péssimas condições sociais. "Em termos biológicos, estaríamos substituindo uma das maiores biodiversidades, de milhares de espécies, por um ambiente mais pobre, de apenas duas espécies: o boi e a grama. Além disso, a pecuária é a pior geradora de empregos e de renda da Amazônia", analisa. Segundo ele, essa cultura gera apenas um emprego, em média, para cada mil hectares.
Valentim discorda desse ponto de vista e acredita que é possível se ter produção agropecuária sustentável na Amazônia. Segundo ele, é possível reduzir a pressão nas áreas de florestas com políticas voltadas para a maior produtividade. "A política mais inteligente seria a que premiasse, com isenção de impostos e acesso ao crédito, os produtores que têm maior produtividade, maior quantidade de animais por hectare", argumenta.
Para o chefe-geral da Embrapa, um grande problema que impede isso é a dificuldade de acesso dos pequenos e médios produtores à informação. Valentim explica que a quantidade de pequenos e médios produtores na Amazônia é grande e que eles já fazem parte da cadeia produtiva. "Para a maioria desses produtores, a pecuária é uma 'caderneta de poupança': o produtor, em momentos de emergência, pode vender o gado rapidamente. Mas, além disso, ele já faz parte da cadeira produtiva, fornecendo bezerros para criadores de gado de corte", explica.
Segundo ele, os pequenos produtores não têm informação de técnicas para aprimorar a produtividade de uma área, recuperar as áreas degradadas. "É possível tornar a produção mais rentável e ambientalmente mais desejável. O grande desafio é fazer chegar essa informação aos pequenos e médios produtores, que são os que têm mais dificuldade de acesso à informação".
Consumo
Outra questão que especialistas apontam para diminuir a destruição da Amazônia é o controle, pelo consumidor, da carne que ele está comprando. A carne da Amazônia é, hoje, uma das carnes mais baratas. De acordo com a Federação da Agricultura do Estado do Acre (Faeac), a carne bovina acreana é a mais barata do país, graças à utilização de extensos pastos e sem o uso de tecnologias como o confinamento.
Essa carne vem parar nos supermercados e açougues, disponíveis para o consumidor, principalmente em grandes centros urbanos como São Paulo, Manaus e Rio de Janeiro. De acordo com Meirelles, o consumidor cidadão tem que saber de onde vem a carne que ele está consumindo. "Não é uma questão de parar de comer carne, é de saber de onde ela vem. O cidadão precisa ter condições de saber de onde vem a carne no supermercado e cobrar para que a carne que está consumindo não venha de desmatamento", conclui.
(Amazonia.org.br, 31/10/2008)