Do Norte ao Sul do país crescem os receios sobre o impacte resultante da plantação maciça de olival intensivo, tecnologia que chegou a Portugal há dez anos pela mão de empresários espanhóis. Técnicos agrários e investigadores universitários já lançam o alerta para os malefícios que tal prática acarreta para os solos.
Num colóquio realizado no sábado sobre Olival e desenvolvimento local, durante o certame RuralBeja - Feira de Outono, que decorreu em Beja, José Velez, professor na Escola Superior Agrária de Beja (ESAB), deixou patente o impacte no meio ambiente provocado pela monocultura de oliveiras, quando focou o que se está a passar em Espanha. Nas áreas onde foi instalado este tipo de cultura "não há ribeiras nem rios, nem peixes, nem rãs, nem cágados".
Os sistemas de rega implantados para o olival conduzem à artificialização das linhas de água e à destruição de galerias ribeirinhas, como se pode constatar, com maior incidência, em várias explorações agrícolas em Beja, Ferreira do Alentejo, Vidigueira, Serpa e Moura. José Velez questiona o uso excessivo dos aquíferos numa das zonas mais férteis da região alentejano, os barros de Beja, e José Soeiro, deputado comunista na Assembleia da República, partilha das preocupações expressas pelo professor da ESAB, frisando que a região assiste, sem qualquer intervenção do ministério do Ambiente, à "utilização dos aquíferos sem qualquer controlo".
Laura Torres, professora catedrática da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, associa o seu uso excessivo e sem controlo aos sinais anómalos que estão a surgir nos ecossistemas, destacando "os comportamentos aberrantes dos peixes", revelando que já foram referenciados exemplares "bissexuados" e outros com comportamentos "aberrantes". "Não sabemos o que é feito e como é feito" no tratamento dos olivais, mas fazer olival moderno em Trás-os-Montes é usar mais pesticidas, fungicidas, erbicidas, insecticidas e abusar dos fertilizantes", sintetiza Laura Torres, que enumera um conjunto de receitas "para provocar doenças e pragas no olival". Incisiva, classifica os insecticidas como "os narcóticos da natureza". A nova agricultura intensiva "passou a estar dependente de drogas", disse.
Laura Torres refere que são conhecidos 255 inimigos da oliveira, mas 90 por cento "não causam problemas" por limitações impostas pelos ecossistemas. Destruindo as defesas naturais, surgem novas pragas e doenças que eram desconhecidas até aqui. Há o hábito nefasto de limpar os solos ocupados por oliveiras de todo tipo de ervas, um factor que contribui igualmente para a erosão dos solos.
No Alentejo "perde-se um centímetro de terreno arável por ano", alerta José Velez, realçando um fenómeno que pode ser observado nalguns locais no Alentejo, onde as árvores "descerem entre 20 e 30cm", em resultado da erosão dos solos.
Ministério da Agricultura criou grupo de trabalho para analisar impactes nos solos
Uma década depois de vários empresários espanhóis terem iniciado a plantação de novo olival no Alentejo e quando, neste momento, a área ocupada por esta monocultura já atinge quase 40 mil hectares, conforme dados fornecidos ao PÚBLICO pelo Ministério da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, tutelado pelo ministro Jaime Silva, este organismo alega, para já, desconhecer quais as reais consequências ambientais resultantes da reconversão "crescente" do olival tradicional em contínuo intensivo.
O ministério reconhece que a plantação, em grande escala, de uma tão extensa área de olival regado na região do Alentejo poderá infligir impactes negativos nos recursos naturais e em particular nos solos. Para superar esta lacuna, o Ministério da Agricultura publicou, no passado dia 23 de Outubro, o Despacho 26873/2008, que institui um grupo de trabalho do olival para analisar os impactes deste tipo de plantação nos solos.
Este grupo de trabalho deverá igualmente proceder à realização das "análises consideradas necessárias ao acompanhamento constante da evolução das características e estado da fertilidade dos solos", e também à apresentação de um relatório com as respectivas conclusões, até ao final do primeiro semestre de 2009.
(Por Carlos Dias, Ecosfera, 30/10/2008)