Entre as camadas mais pobres da população - só em São Paulo são dois milhões de pessoas morando em favelas - há um grande contingente de crianças e adolescentes com baixa estatura, indicando desnutrição crônica, e também excesso de ganho de gordura corporal, que no futuro pode resultar em obesidade, problemas cardíacos e diabetes, entre outras doenças.
Criado pelo Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP a partir do entendimento que o tema é bastante relevante no contexto brasileiro, o Nutrição e Pobreza é um grupo multidisciplinar que envolve professores de várias universidades e de vários campos do saber (serviço social, nutrição, pesquisa básica, economia, psicologia), juntamente com profissionais da sociedade civil, ONGs, e membros do governo, numa mobilização conjunta na busca de soluções para a realidade descrita.
“Nossa preocupação nesses primeiros anos do grupo foi a de colocar profissionais diversos e diferentes atores sociais para conversar, debater idéias, fazer publicações, mostrar resultados e, principalmente, propor políticas públicas para sanar este problema”, afirma a coordenadora do grupo e professora da Unifesp, Ana Lydia Sawaya.
Especialista em fisiologia da nutrição, Ana Lydia desenvolve estudos sobre o efeito em longo prazo da desnutrição no Brasil, país em que os problemas nutricionais associados à pobreza têm uma prevalência muito alta.
Outro integrante do grupo é o professor Luis Gaj, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP, definido por Ana Lydia como o “estrategista”, já que tem ajudado o grupo a direcionar sua estratégia de atuação: os temas para discussão, e a conexão entre governo, membros da sociedade civil e academia para discuti-los.
Completam a equipe Anna Peliano, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); Gisela Maria Bernardes Solymos, diretora geral do Centro de Recuperação e Educação Nutricional (Cren); Mariângela Belfiore Wanderley, diretora do Instituto de Estudos Especiais e professora do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Semíramis Martins Álvares Domene, professora da Faculdade de Nutrição da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas); e Mathias Estevão Rath, coordenador técnico da Fundação Orsa.
Moradias insalubres
Segundo Ana Lydia, a desnutrição crônica entre as pessoas pobres é causada principalmente por uma má alimentação associada a uma condição insalubre de moradia: falta de água encanada, banheiro, esgoto e coleta de lixo. Isso gera grande presença de infecções na infância, o que prejudica o crescimento, já que há perda de energia e deficiência de nutrientes em geral.
“Se você fizer uma média nacional, num país como o Brasil, dada a desigualdade social, você não vai conseguir enxergar direito o que acontece. Para estudar um problema específico é preciso focalizar sua ocorrência de acordo com a renda e com a condição de vida do grupo estudado”, explica.
Nas famílias mais pobres, que moram em favelas - e que é onde as doenças nutricionais são mais comuns - há no momento uma coexistência de desnutrição e obesidade, que não era conhecida até 10 anos atrás. De acordo com a professora, ao contrário do que o senso comum imagina, a obesidade em pessoas de baixa renda é causada mais pelo baixo gasto energético do que pelo consumo excessivo de alimentos. “Um estudo realizado em Maceió, por exemplo, mostrou que as mulheres obesas, com baixa estatura - ou seja, que foram desnutridas no início da vida e não cresceram adequadamente -, 50% delas portadoras de hipertensão, consomem apenas 65% do que precisariam para uma dieta adequada".
Conhecimentos como esse, divulgados nos eventos e publicações científicas do grupo, são o ponto de partida para que se possa pensar em soluções eficazes de combate às conseqüências nutricionais da pobreza.
Bom exemplo
Há mais de 10 anos a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), juntamente com uma ONG internacional, a Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI), coordena um projeto que envolve a urbanização das favelas e palafitas de Novos Alagados em Salvador, e também o fornecimento de serviços de educação e inserção da população no mercado de trabalho (intervenção social). Tendo atendido trinta mil famílias, a partir de um orçamento de sessenta milhões de dólares, o projeto é um exemplo de sucesso de uma parceria entre governo e sociedade civil.
Para esse programa, a AVSI foi destinatária do maior financiamento do Banco Mundial já realizado para uma ONG, e um acompanhamento nutricional realizado nas regiões atendidas indicou uma melhora significativa nas condições nutricionais da população da área.
Segundo Ana Lydia, que cita o projeto em um de seus artigos, um dos fatores cruciais para a sua eficácia é que todo o desenvolvimento partiu da avaliação e conhecimento detalhados da comunidade. “Um dos principais problemas que temos no Brasil para a construção de políticas públicas eficientes é a falta de conhecimento. O gerador de políticas públicas deve participar do que está acontecendo na realidade em que quer atuar.”
Ela também destaca que poucos projetos de urbanização preocupam-se com a questão econômica e com a melhoria da qualidade de vida como um todo da população. “Não basta a construção de casas; são necessárias medidas sócio-educativas e de geração de renda para os moradores”, finaliza.
(Por Luiza Caires, Agência USP, 30/10/2008)