Sem fundamento. É como os ambientalistas avaliam as manifestações de apoio e elogios à implantação da Baosteel em Anchieta, por membros da missão enviada à China, em expedição que durou 12 dias, sendo apenas um destinado às questões ambientais. O grupo retornou ao Estado apontando somente impressões positivas da empresa, como queria o governo estadual.
Os membros do grupo defendem que a siderúrgica não só está apta a se instalar no sul do Espírito Santo, como não causará prejuízos à região. Em reunião com o governador do Estado, Paulo Hartung, na tarde desta terça-feira (28), com o objetivo de discutir o que foi visto na China, a maioria dos membros da comissão ressaltou que os chineses construirão aqui uma planta industrial das mais sustentáveis do mundo.
As colocações contradizem a opinião de parte do grupo, que afirma não ter os questionamentos respondidos pela Baosteel durante a viagem, apontando inclusive a negação do presidente da empresa, Li Yasong, de informar a previsão dos índices de poluentes que pretende lançar no ar da região.
No grupo estavam o vice-governador, Ricardo Ferraço, João Felícia Scárdua (Sebrae), Wilmar Barroso Filho (Findes), João Lúcia (Arquidiocese de Vitória ), José Lino Sepulcri (Fecomércio), Júlio Rocha (Faes) e Wagner Chieppe (Fetransportes).
Em algumas de suas declarações, Ferraço chegou a afirmar que a empresa adota rigorosas medidas de proteção ambiental e que a Baosteel já opera com índices de poluentes abaixo dos exigidos no Brasil. Além disso, garantiu que não há risco de criação dos bolsões de miséria. Informações durante criticadas pela ambientalista Ilda Freitas, do Programa de Apoio e Interação Ambiental (Progaia), de Anchieta. “Tudo não passa de uma grande mentira”, enfatizou.
Para ela, o vice-governador tenta, assim, passar a impressão para a população de que tudo está devidamente planejado, mesmo não informando onde os milhões de trabalhadores serão reaproveitados depois. Lembra que o mesmo foi divulgado durante a implantação da 3º usina da Samarco, que é consideravelmente menor que a Baosteel, e o resultado foi vergonhoso, e tanto a empresa quanto o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) reconheceram isso, depois que o caos já havia se instalado no município.
“Na construção da 3º usina da Samarco, que é algo muito menor que a Baosteel, foi falado em 3 mil trabalhadores, que se transformaram em 6 mil. Alguns vieram com famílias e, por isso, o número pode chegar até a 7 mil, distribuídas em Anchieta e, principalmente, Guarapari. Depois, vimos surgir os primeiros sem tetos, uma infinidade de prostitutas, o crescimento da prostituição infantil e, ao mesmo tempo, o aumento de taxas de matrícula nas escolas”, pontuou.
A população, que já vive as conseqüências de grandes indústrias como a Samarco, tem convicção de que a situação só irá se agravas na região. Isso porque reclamam que não são informados dos acontecimentos, e que quando são, não é com a transparência cobrada pelas entidades da sociedade civil organizadas da região.
Avaliação que contradiz outra declaração de Ricardo Ferraço, de que pretende dar total transparência ao empreendimento. “Queremos ouvir atentamente a população e tomar as decisões que estejam de acordo com a vontade dos capixabas. Este é um processo democrático e de total respeito à nossa busca pelo desenvolvimento que gere oportunidades e seja sustentável”.
Os moradores do sul do Estado, além de rejeitarem o projeto, já tentaram por diversas vezes obter informações sobre o empreendimento, sem sucesso. Em encontro com o secretário de Desenvolvimento, Guilherme Dias, tiveram inclusive a maioria de suas dúvidas sem resposta.
Tal postura é praxe do governo estadual, como lembra Ilda, ao contar que a Samarco, por exemplo, nunca informou o número de trabalhadores que foram para a região durante a construção de sua terceira usina. Essa falta de transparência resultou, por exemplo, em uma super lotação nos postos de saúde no município. Receosos de serem demitidos ou cansados com a demora, os trabalhadores procuravam os postos públicos, ao invés do posto montado pela Samarco para atender os trabalhadores.
Nem o sistema implantado para cadastrar, selecionar e encaminhar os trabalhadores das empreiteiras funcionou. Isso fez com que muitos trabalhadores de fora ocupassem cargos que poderiam e deveriam ser destinados à população local.
Com a Baosteel as previsões são as mesmas, porém, com proporções ainda maiores, garante a ambientalista. A empresa informou que trabalharão na fase de instalação da siderúrgica cerca de 18 mil trabalhadores. Os ambientalistas esperam que pelo menos o dobro de pessoas mude para a região para trabalhar. No município, há mais de seis meses, já é registrada a chegada de trabalhadores de todos os cantos do País, o que tem preocupado a população.
Eles ressaltam que nada foi feito para suportar o inchaço populacional. Do poder público, afirmam que só se houve afirmações de que tudo está sob controle e que o município só tem a ganhar.
“Se não conseguimos controlar a Samarco, mesmo com condicionantes, comissões para controle e acompanhamento, entre outros. Imagina como será controlar a Baosteel, que é chinesa e é infinitamente maior que uma usina da Samarco”, comparou Ilda.
A ambientalista chegou a ser convidada para ir à China, mas se recusou. Segundo ela, não há lugar para uma siderúrgica do porte da Baosteel no município, não apenas pelos danos ambientais que ela promete não causar, mas principalmente, pelos problemas sociais.
“Mesmo que a Baosteel provasse que não polui, o que é impossível, ela não caberia em Anchieta. Vamos lá, mesmo que ela por um milagre purificasse o ar, a região estaria condenada do mesmo jeito. O município não comporta sua demanda de trabalhadores, moradia, educação, saúde, água, entre outros. Ela irá triplicar o que a Samarco já gerou aqui”, desabafou.
Além da missão enviada pelo governo do Estado à China, a secretária estadual de Meio Ambiente, Maria da Glória Abaurre, e a diretora Técnica do Iema, Suely Passoni Tonini, embarcaram nesta quarta-feira (29) para o país, com a justificativa de conhecer as instalações da usina siderúrgica da Baosteel, em Xangai.
Para que as obras da siderúrgica comecem, o que deve durar três anos, falta o licenciamento ambiental. O projeto da usina deve ser apresentado até o final do ano ao Iema. Em seguida, vem o pedido de licenciamento, que deve ser feito pela Baosteel. A informação é de que o processo será analisado em tempo recorde, até junho de 2009.
(Por Flavia Bernardes,
Século Diário,29/10/2008)