Paris - Na teoria, parece o plano perfeito. Objetivo, relevante e “viável”, conforme boa parte dos ambientalistas, estudiosos e da sociedade civil da França. Não por acaso, se firmou como uma das principais bandeiras do governo de Nicolas Sarkozy. Uma estratégia verde que, aos poucos, leva a atual presidente da União Européia à frente da luta contra o aquecimento global – pauta discutida à exaustão nas conferências climáticas do continente. Desde o lançamento, o Grenelle do Meio-Ambiente - referência aos acordos de Grenelle assinados durante as greves e os conflitos de maio de 1968 - é levado a sério.
A revolução “ecológica” francesa começou antes mesmo de Sarkozy ganhar o Palácio do Eliseu. O tema meio ambiente foi dominante na campanha dele e da também candidata Segoléne Royal. Fato inédito na história nacional, de acordo com Dominique Campana, diretora da Ademe - agência para assuntos ambientais criada pelo presidente. “Para se ter uma idéia, em 2002, nem durante o período eleitoral, falou-se em agenda verde. Enquanto que, ano passado, era objetivo comum transformar os conceitos da sociedade neste sentido. Um grande avanço”. Para Campana, Sarkozy foi o presidenciável mais ecológico que a França já teve. “Principalmente quando ele assinou o pacto de Grenelle – e o mundo parou para ver o que tinha a dizer. Hoje o Ministério do Meio Ambiente é um dos mais ativos na França”.
A vice-ministra para questões ambientais, Nathalie Kosciusko-Morizet, sustenta que o país tem, neste momento, responsabilidade dobrada. “Até o fim deste ano, a França preside a União Européia. Por isso vai liderar a luta contra as mudanças climáticas”. A redução das emissões de gás carbônico e do efeito estufa é uma das obsessões da Grenelle do Meio Ambiente – entre mais de 250 resoluções. Para isso, as ações estão concentradas, principalmente, na reformulação dos meios de transporte.
Uma das mudanças foi a implementação, no início do ano, do sistema “bônus-malus”. Ganha o bônus de 200 a 1.000 Euros o comprador de carros que respeitem o meio ambiente e emitam abaixo de 130 gramas de dióxido de carbono por quilômetro rodado (g/km). Fica com o malus – paga entre 200 a 2.600 Euros a mais – quem compra veículos com emissões acima de 160 g/km. Em suma: quem insiste pela compra de um “possante” poluente, vai pagar caro.
Diante disso, o consumidor vai mudando de atitude: a venda de carros menos poluentes aumentou cerca de 15% em 2008, comparado ao mesmo período do ano passado. Outra prioridade no tratado ambiental da França é a mudança nos padrões de consumo energético. De acordo com outro diretor da Ademe, Matthieu Orphelin, os novos empreendimentos imobiliários estão, agora, alçados ao conceito de energia positiva – ou seja, os prédios deverão produzir toda a energia que consumirem. “Até 2020 vamos observar uma transformação sensível nesta direção, quando todos os edifícios em construção deverão obedecer a esse padrão”.
Lento e gradual
Orphelin explica que os investimentos em projetos na área ultrapassam 800 milhões de Euros. “O setor imobiliário é o maior consumidor de energia na França! As indústrias ainda consomem muito também, é uma loucura. Mas estamos estudando os dispositivos que melhorem esses números”. O diretor da Ademe destaca o impacto social do projeto. “Vamos aumentar muito o número de empregos para dar conta desses novos prédios”. E garante haver um consenso neste estágio da caminhada. “É um objetivo global: dividir por quatro o consumo, em mais de 25%, até 2050. Mas as coisas andam muito mais devagar do que gostaríamos”.
Especialista no setor, o jornalista do “Le Monde” Michel Busat observa que a França está cada vez mais consciente em relação à crise de recursos energéticos. “Aumentou a tensão interna por causa disso. O país se apoiava em base nuclear – apenas. Agora está aprendendo a usar outras fontes”. Atualmente, o consumo está divido da seguinte forma: 80% em energia nuclear; cerca de 20% em hidráulica e 10% em energias renováveis, gás e biomassa.
“Queremos manter e desenvolver a estrutura da matriz energética”, afirma Kosciusko-Morizet. “Sabemos que não podemos ir tão longe com a energia eólica, pela interferência das paisagens. Estamos apostando na solar. E ainda investimos na pesquisa aplicável. A França é muito conectada em relação à paisagem. E tem tradição quando o assunto é biomassa. Nos interessamos por esse tipo de pesquisa, assim como boa parte da Europa”.
Questionada sobre o uso de biocombustíveis, Kosciusko-Morizet afirmou: “Estamos avaliando a utilização da segunda geração de biocombustíveis para ver se não entra em conflito com a produção de alimentos. Estamos em meio a uma reflexão sobre os impactos ambientais disso”. A vice-ministra para questões ambientais salienta que o rigor aumentará, também, na preservação das espécies. “Nas áreas de conservação, estamos fazendo regulamentações mais severas, com medidas de proteção sobre o mar e às algas marinhas – em áreas onde há muita pesca. Também estamos estudando a criação de dois novos parques nacionais. E não tiramos o olho da migração das espécies”.
O exemplo parisiense
Em meio à chamada revolução ecológica, o governo quer insistir nas parcerias estratégicas. “Queremos estreitar cada vez mais os laços - principalmente com a América Latina. Ano que vem será o ano da França no Brasil. Já estamos conversando sobre acordos relacionados às mudanças climáticas, aquecimento global, poluição e desenvolvimento sustentável. Queremos uma cooperação mais ativa neste sentido”, explica Campana, da Ademe, que assinala a importância das iniciativas locais.
Paris é um belo exemplo. Reeleito em março deste ano, o prefeito Bertrand Delanoë vem transformando o tráfego nos últimos anos. Fez corredores especiais para ônibus, restringiu a circulação de carros para estimular a passagem de bicicletas e pedestres. Completou o ciclo com a distribuição de mais de 30 mil bicicletas por mil pontos da capital parisiense. Ativado desde outubro de 2007, o serviço “sobre duas rodas” ajudou diluir o trânsito, e se tornou mais uma alternativa para a locomoção dos turistas.
Segundo Anne Hidalgo, da prefeitura de Paris, o sistema só trouxe excelentes resultados. “Com a Velib – nome dado ao projeto das bicicletas – o tráfego de carros caiu mais de 20% até agora”. O arquiteto brasileiro Roberto Andrés está de férias em Paris e, praticamente, deixou de usar metrô e ônibus. “Prestando atenção nas regras e no trânsito, na tem erro. Você só se diverte, curte mais a cidade”. A maioria dos franceses compartilha a opinião, a exemplo do jornalista Renato Galliano, residente na capital francesa há 20 anos. “Para quem não tem carro também é ótimo. E ainda ajuda o meio ambiente”.
Uma das questões cruciais para a prefeitura de uma das cidades mais visitadas no mundo é intensificar o debate ecológico com os próprios parisienses. “Uma discussão que se estendeu para o país inteiro. Grenelle veio para estabelecer todos os limites”. Na opinião de Anne Hidalgo, será fundamental conscientizar a população – não basta apenas reformular o conceito de edifícios públicos e privados, por exemplo. “Como não podemos deixar as pessoas de fora durante esta mudança, temos que fazer algo dentro das casas, com a população. E, mais importante ainda: nosso desafio é fazer com que ser “ecologicamente correto” seja acessível a todos os níveis. Ecologia não é um luxo. Deve ser uma obrigação”.
(Por Fernanda Martorano Menegotto, OEco, 30/10/2008)