A mortandade generalizada de sapos, rãs e outros anfíbios mundo afora, que constitui uma das maiores crises ambientais dos últimos anos, ganhou um novo e letal vilão. Estamos falando da atrazina, um herbicida amplamente usado na agricultura cuja ação devastadora contra esses bichos está sendo elucidada por pesquisadores americanos. A atrazina faz com que, ao mesmo tempo, os principais parasitas dos anfíbios se multipliquem e o sistema de defesa do organismo deles fique debilitado. O resultado? Uma hecatombe.
É muito difícil interpretar de outro jeito os dados de campo e experimentais que estão na edição desta semana da revista científica "Nature" . A equipe capitaneada por Jason R. Rohr, do Departamento de Biologia da Universidade do Sul da Flórida, estudou anfíbios do interior dos Estados Unidos, mas é bastante provável que suas conclusões se apliquem a outras áreas do mundo. "Levando em conta a falta de regulação efetiva do uso de herbicidas em muitos países tropicais, é bastante provável que até os anfíbios de áreas aparentemente virgens estejam sofrendo", declarou Rohr ao G1.
Rohr descreve, com razão, o papel da atrazina como uma "pancada dupla". O primeiro golpe está relacionado à infecção por trematóides -- vermes aparentados aos causadores da esquistossomose, a popular "barriga d'água", em humanos. Em anfíbios como sapos, rãs, pererecas e salamandras, seu efeito é ainda mais dramático: malformações grotescas dos membros, danos nos rins, inchaços severos e morte. A hipótese do grupo era que a atrazina estava ajudando os trematóides a se multiplicar mais do que o normal.
Comida à vontade
O mecanismo é relativamente simples. Esses vermes precisam passar por certos caramujos ao longo de seu ciclo de vida. Os caramujos, por sua vez, comem certos tipos de algas, as perifíticas, que ficam grudadas em superfícies debaixo d'água. A idéia é que os herbicidas conseguem matar outros vegetais aquáticos, mas não as algas perifíticas. Mais algas significa mais caramujos e, portanto, mais vermes matadores de sapos.
Em 18 pântanos do estado americano do Minnesota, a coisa funcionou exatamente como esse raciocínio indica: quando mais atrazina, mais rãs da espécie Rana pipiens (que está em declínio nos EUA) com o bucho lotado de parasitas. Pior: esses bichos também apresentavam sistema imune do organismo debilitado, com menos células de defesa, ou seja, eram naturalmente mais suscetíveis a ficar doentes.
Não contentes com essa indicação, os pesquisadores se puseram a simular em laboratório o ecossistema dos bichos, criando os chamados mesocosmos -- tanques de 1.100 litros que receberam folhas, ovos de caramujo, insetos e quatro espécies de anfíbios (duas rãs, uma perereca e uma salamandra). Alguns tanques receberam doses de atrazina, outros ficaram sem o herbicida.
O resultado foi exatamente o esperado de acordo com os dados de laboratório: algas perifíticas em alta (sem outras plantas microscópicas para atrapalhar, elas recebiam mais luz e cresciam mais), assim como caramujos e anfíbios doentes.
Dá para encarar
Rohr diz não ter dúvidas dos efeitos generalizados do herbicida. "A atrazina é um dos pesticidas mais móveis e persistentes conhecidos. Resíduos já foram achados em áreas distantes e não-cultivadas, comos os pólos", afirma. Para o pesquisador, é possível que a substância esteja interagindo também com outras doenças que andam dizimando anfíbios, como o fungo Batrachochytrium dendrobatidis.
Para quem quer uma boa notícia depois de tanta tragédia, Rohr lembra que os europeus baniram o uso do herbicida sem nenhum efeito para a produtividade agrícola, o que indica que dá para acabar com ele em outros lugares também. E é bom não subestimar sapos e companhia como bichinhos sem importância -- muito pelo contrário, diz ele.
"Os anfíbios têm funções muito importantes na maioria dos ecossistemas. Podem alterar a dinâmica de algas, os sedimentos de água doce e a decomposição das folhas. São predadores importantes e também fontes de alimento para muitas espécies. Comem várias espécies de artrópode que consideramos pragas, como mosquitos e moscas. Uma espécie de salamandra americana tem a maior biomassa entre todas as espécies de vertebrados do nordeste dos EUA -- o sumiço dela certamente alteraria todo o ecossistema. E, é claro, substâncias do organismo dos anfíbios têm muito interesse para a medicina -- embora diversas espécies provavelmente vão se extinguir antes de conseguirmos estudá-las", conclui.
(G1, 29/10/2008)