O pesquisador e membro do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, da sigla em inglês) Martin Parry convocou o Brasil a assumir uma posição de liderança na Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas e defender o percentual de 80% como meta de redução da emissão de gases pelos países, inclusive os Estados Unidos e a China, até 2050. A declaração de Parry foi feita nesta quarta-feira (29/10) em audiência pública que discutiu as mudanças climáticas na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA).
O percentual a ser aprovado pela conferência - que será realizada em dezembro de 2009 em Copenhague, na Dinamarca - será adotado no novo acordo sobre emissão de gases que provocam o efeito estufa. Esse acordo substituirá o Protocolo de Kyoto a partir de 2012. Na opinião de Parry, é necessário o estabelecimento da meta de 80% - e não a de 50%, como tem sido discutido por alguns países - para evitar os impactos mais prejudiciais ao ser humano, como a severa restrição de acesso à água.
Parry afirmou que, de acordo com pesquisas do IPCC, o aquecimento global é inequívoco. Por isso, ressaltou, é importante haver adaptação às novas condições advindas das mudanças climáticas. Ele informou que o gelo do Pólo Ártico e a neve das montanhas em áreas tropicais e equatoriais estão diminuindo mais rápido do que o previsto pela comunidade científica e que as emissões de dióxido de carbono continuam em crescimento, o que resultará no aumento da temperatura entre 1,5 e 4,5 graus centígrados até 2100.
O pesquisador informou ainda que o aquecimento global causará impactos significativos na oferta de água no planeta e no equilíbrio dos ecossistemas, inundações em locais costeiros e aumento da freqüência e intensidade dos ciclones tropicais e furacões. Parry ressaltou que impactos climáticos graves podem acontecer mesmo nas nações mais ricas e citou o furacão Katrina, que atingiu Nova Orleans, nos Estados Unidos.
- Nós precisamos implementar as reduções imediatamente. Cada dez anos que adiamos o início das reduções de emissões significam meio grau a mais de aumento da temperatura. Mesmo nos cenários que consigamos reduzir, há impactos inevitáveis e precisamos fazer as adaptações imediatas - disse Martin Parry.
Questionado pelo senador Inácio Arruda (PCdoB-CE), autor do requerimento para a audiência, quanto à relação entre desenvolvimento e redução de emissão de gases, Parry destacou que há segmentos que não são sustentáveis e que os países devem começar a "desenvolver trilhas de desenvolvimento para garantir a vida no futuro", como as matrizes energéticas limpas e renováveis.
Já o também membro do IPCC Antônio Rocha Magalhães, que foi consultor do Banco Mundial no Brasil e é autoridade brasileira no assunto, destacou as conseqüências do aquecimento global no Nordeste brasileiro. Ele defendeu a adoção de novas políticas públicas para aquela região que contemplem as mudanças climáticas.
De acordo com estudos do IPCC, informou Magalhães, o Nordeste terá aumento do período de secas intensas e diminuição dos recursos hídricos, e o semi-árido poderá sofrer processo de desertificação. Ele disse que, apesar de o Brasil estar investindo há 150 anos em políticas para amenizar os efeitos da seca, a região ainda não alcançou a condição de conviver com a estiagem.
Com o objetivo de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, Antônio Magalhães sugeriu a integração de políticas de desenvolvimento sustentável no Nordeste, o fortalecimento das instituições para evitar a descontinuidade de políticas pelas mudanças de governo, e a adoção da "democracia participativa", com a criação de alianças em torno das políticas para que sejam permanentes e estáveis.
O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Carlos Afonso Nobre disse que o Brasil ainda não tem pesquisas que demonstrem como as mudanças climáticas vão afetar o país. Ele atribuiu o desconhecimento e o "atraso do desenvolvimento científico" à dificuldade de acesso aos dados de pesquisas científicas. E sugeriu que lei específica determine a disponibilização das informações, como acontece nos Estados Unidos.
Carlos Afonso Nobre disse que as políticas públicas devem estar focadas tanto na redução das emissões de gases como na adaptação às novas condições climáticas. Ele citou como exemplo a produção de culturas adaptadas à seca para cultivo no Nordeste e políticas de prevenção de doenças como dengue e leptospirose, que devem ter maior abrangência com o aumento da temperatura global.
Na opinião do senador Cícero Lucena (PSDB-PB), a participação dos parlamentares com a ajuda técnica de pesquisadores brasileiros poderá traçar as responsabilidades em relação ao desenvolvimento sustentável.
Já o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) defendeu que o Brasil mantenha 80% da floresta amazônica intacta e utilize os 20% já desmatados para desenvolvimento econômico. Ele ressaltou que os países em desenvolvimento devem comprometer-se a reduzir suas emissões de gases causadores do aquecimento global.
(Por Iara Farias Borges, Agência Senado, 29/10/2008)