Os corantes são empregados em numerosos alimentos e bebidas com o intuito de compensar a perda da cor durante o processamento industrial e a estocagem, para uniformizar e colorir produtos originalmente incolores, tornando-os mais atrativos ao consumo.
Para o consumidor, salsicha e embutidos têm que ser vermelhos; alimentos com sabor abacaxi, amarelos; os que lembram morango, rosa; e por aí vão as imagens coletivas de consumo, que a indústria criou e que agora precisa manter à custa de adição de corantes em geral artificiais. Existem os inócuos, mas muitos deles provocam alergias ou são suspeitos de desenvolverem propensão ao câncer. Impotente, o consumidor dá de ombros. Afinal, no dizer popular, “o que não mata, engorda”.
Entretanto, a crescente divulgação dos efeitos nocivos dos corantes sintéticos contribui para a sua substituição por produtos naturais. Em 1990, a Food and Drug Administration (FDA) proibiu a utilização de alguns corantes sintéticos nos Estados Unidos. Também na Europa houve restrições ao uso de produtos artificiais.
Além de tudo, as pessoas progressivamente conscientizam-se, passam a ler rótulos e embalagens, prestam maior atenção no que comem e procuram desenvolver hábitos alimentares mais saudáveis. A indústria de alimentos tem procurado atender aos anseios e as pressões desse novo público, que se revela cada vez maior, oferecendo produtos diferenciados e que, embora em geral mais caros, apontam na direção da segurança alimentar e constituem promessa de condições de vida mais saudáveis. A indústria se beneficia agregando valor a alimentos diferenciados e também, por isso, de maior preço. Já há várias iniciativas de indústrias extrativas que estabeleceram associação com produtores rurais para incrementar culturas que constituem fontes de corantes naturais.
A progressiva rejeição aos corantes sintéticos por motivos de saúde faz crescer a busca por corantes naturais que possam substituí-los adequadamente. Além disso, vários deles apresentam ainda efeitos benéficos, pois são constituídos por carotenóides que previnem algumas neoplasias e doenças cardiovasculares. Estas foram algumas das motivações que moveram a farmacêutica Vanessa Aparecida Marcolino a desenvolver pesquisas que culminaram em tese de doutorado apresentada à Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, orientada pela professora Lucia Regina Durrant.
O trabalho objetivou a formação de complexos entre corante e ciclodextrinas com o intuito de melhorar a estabilidade e a solubilidade de três corantes naturais de interesse: a bixina, extraída da semente de Urucum; a curcumina, proveniente do tubérculo Curcuma longa, presente no curry, conhecido tempero indiano; e a betamina, encontrada na beterraba. Eles são responsáveis respectivamente pelas cores laranja, amarela e roxa, que se situam entre as mais utilizadas em alimentos como chips, queijos, iogurtes, sopas, embutidos, sorvetes, pudins e bebidas. Os corantes artificiais são utilizados nesses casos e em certos medicamentes para crianças.
A pesquisdora esclarece que “a ciclodextrina é uma molécula de açúcar que tem formato de um cone e que a idéia foi colocar o corante dentro desse cone de modo que sua molécula ficasse protegida e tivesse aumentada a solubilidade face às características da substância envoltória. Nosso primeiro problema foi descobrir a forma de colocar a molécula do corante dentro desse cone, o que não é muito fácil, e provar depois que efetivamente a molécula está dentro do cone e não fora dele. Este foi o início”. No passo seguinte foram determinadas as proporções estequiométricas para obtenção dos complexos, o que se conseguiu fazer em relação à bixina e à curcumina.
Com efeito, as análises mostraram que, dentre os vários métodos utilizados, o da co-precipitação apresentou maiores indícios de formação de complexo para os corantes curcumina e bixina, mas mostrou-se inviável para a betanina. Os índices estequiométricos foram de 1:1 no caso da bixina e de 1:2 para o complexo corante-curcumina. As analises térmicas de caracterização dos complexos também comprovaram uma maior estabilidade para os complexos obtidos pelo método de co-precipitação.
Os testes mostraram ainda que a bixina complexada resiste bem mais à decomposição pela ação da luz do que quando isolada. Por outro lado, para a curucumina percebeu-se que a luz não é o único fator que influencia a decomposição do produto. Os testes instrumentais de cor comprovaram a maior capacidade colorante dos complexos frente ao corante puro, quando comparados nas mesmas concentrações, o que pode ser explicado pela maior homogeneização face ao aumento da solubilidade.
As análises instrumentais de textura demonstraram que a inclusão do complexo na formulação de certos produtos testados não altera suas características iniciais. Com relação à aplicação dos corantes em alimentos, os estudos de análise sensorial demonstraram uma ótima aceitação para o queijo tipo minas frescal e relevante para o requeijão. A pesquisadora pondera, entretanto, que o corante de beterraba foi o único que não apresentou dados satisfatórios quanto a possível formação do complexo, o que atribui em grande parte ao seu forte caráter hidrofílico.
Pesquisadora quer trabalhar com alunos de pós e iniciação científica
Vanessa explica que a formação do complexo corante-ciclodextrina visa conferir ao corante maior estabilidade e solubilidade, uma vez que os corantes naturais as têm menor que os produtos sintéticos correspondentes. Mostram-se mais passíveis de modificação face à presença de oxigênio, à ação do pH, da luz e da temperatura. A pesquisadora Vanessa reside em Maringá, onde é professora universitária e graduou-se pela Universidade Estadual de Maringá. Dedicou cinco anos à pesquisa: nos dois primeiros viajou semanalmente para cursar na Unicamp as disciplinas obrigatórias, desenvolver o projeto e sua parte preliminar; nos três seguintes dedicou-se à parte experimental que realizou em consórcio com a UEMaringá, deslocando-se, quando havia necessidade de outros equipamentos de análise, para a Universidade Estadual de Londrina. Arcou com todos os deslocamentos e permanências e, vez ou outra, também com os custos de análises que as universidades não tinham condições de cobrir, pois não pode pleitear financiamento por exercer paralelamente atividade remunerada como docente. Casada, nesse período ainda arranjou tempo para ter um filho, mas confessa que teria desistido não fosse o apoio e o incentivo do marido.
Constata que não a moveram motivações financeiras, mesmo porque não considera significativa na universidade particular a diferença de salário entre os docentes com mestrado e doutorado. A propósito afirma: “Foi uma motivação particular, o desejo de uma realização pessoal, alavancada pelo fato de ter sido aprovada em primeiro lugar na seleção para o doutorado na FEA da Unicamp”. Mas por que a Unicamp? “Ela é nível sete, o máximo. É a melhor do país ou uma das melhores. Tinha que ser em uma universidade de ponta, cujo diploma tem valor. Propunha-me a um trabalho longo, exaustivo, que somente se justificaria se realizado em uma instituição com credibilidade, e cujo título de doutorado poderia ser utilizado com sucesso no financiamento de projetos pela minha universidade, que se iniciará na pós-graduação no próximo ano”.
A partir de agora ela vislumbra a possibilidade de trabalhar com alunos de iniciação científica e de mestrado para continuar na área de pesquisa, pois com o doutorado em uma universidade de ponta se credencia a isso. Acha gratificante a possibilidade de trabalhar na pós-graduação e considera que esse é o benefício que pode advir como fruto do seu trabalho.
Ela espera que a pesquisa que iniciou continue porque há muita coisa a fazer na área, como, por exemplo, chegar a bons resultados com a betanina, que não conseguiu estabilizar, e ao desenvolvimento de outras opções de corantes naturais. Pretende publicar o trabalho em meados do próximo ano em revista de prestígio internacional.
Acredita que chegará o dia em que a indústria manifestará interesse pelos resultados da pesquisa básica realizada na universidade de forma a se estabelecerem cooperações entre universidade e empresa, do que poderá resultar benefício múltiplo: para a indústria que se beneficia da pesquisa, e para o pesquisador, que terá oportunidade de registrar patentes, o que lhe poderá render “merecido e justo retorno financeiro”.
(Por Carmo Gallo Netto, Jornal da Unicamp, 30/10/2008)