Os agricultores de Anchieta, no sul do Estado, foram surpreendidos com uma notícia de última hora: o governo do Estado construirá duas barragens no Vale de Corindiba, que inundarão cerca de 260 hectares onde vivem duas comunidades de agricultores da região. Ao todo, cerca de mil pessoas serão atingidas. O objetivo das barragens é abastecer o Pólo de Ubu.
A informação foi divulgada em reunião com os agricultores. As barragens serão construídas no rio Corindiba e outra no Rio Joéba, próximas à comunidade do Alto Joéba.
Segundo o presidente da Associação para o Desenvolvimento Rural de Alto Joéba, Mateus Vetorazzi, os agricultores foram na reunião achando que o assunto em questão tratava-se de um debate sobre a conservação das nascentes. Entretanto, foram surpreendidos pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) e uma empresa de consultoria, que informaram sobre a construção das barragens.
“Chegaram lá com um estudo, preços, localização, imagens de satélite, tudo! Falaram que vão fazer duas barreiras em Anchieta e cinco em Alfredo Chaves, atingindo ao todo sete comunidades. Quando questionamos se não haveria o que fazer, responderam que não. Que como somos descendentes de italianos e no passado também tomamos terras dos índios, agora iram fazer o mesmo conosco”, denunciou Mateus Vetorazzi.
Ao todo, afirma Mateus, mais de mil pessoas de duas comunidades rurais produtoras de alimentos perderão suas terras com a inundação. Disse, ainda, que a Secretaria de Agricultura de Anchieta também não sabia das intenções. A secretária, Isabel Frade, não foi encontrada para esclarecer o assunto, até o fechamento desta edição.
Segundo a ambientalista Ilda Freitas, do Programa de Apoio e Interação Ambiental (Progaia), em Anchieta, o armazenamento da água será realizado para abastecer o pólo industrial que será construído na região, pelos chineses da Baosteel e a Vale. Ele informa que o projeto não passou pelo Comitê Estadual de Recursos Hídricos (CERH) e não houve nenhuma audiência pública com as comunidades rurais da região.
Já o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica (CBH) do rio Benevente, Joel Duarte Benísio, afirmou que as barragens fazem parte de um programa da Secretaria Estadual de Agricultura (Seag), para estudo de reserva de água e desenvolvimento regional.
Joel disse que além da bacia do rio Benevente, também estão sendo realizados estudos na bacia hidrográfica do rio Itaúnas, no norte do Estado. “O governo diz que o estudo irá verificar a viabilidade de água das bacias e que as barragens seriam de uso múltiplo. Estamos ajudando a mobilizar o debate, mas não temos uma posição definida, porque ainda não sentamos para discutir isso com todos os colegiados do comitê. Isso será feito até dezembro”, apontou.
Enquanto isso, alertou Ilda Freitas, a comunidade continua de mãos atadas, já que não há a quem recorrer. “Aqui não tem promotoria, aqueles que vêm para o município são provisórios, o que acaba nos deixando vulneráveis. Todos de passagem e as mobilizações em torno do pólo prosseguem, mudando leis e instalando uma ditadura das multinacionais”, frisou.
A ambientalista afirmou que irá recorrer ao Ministério Público Federal (MPF-ES), para intervir no problema. Na avaliação de Ilda de Freitas, a partir de agora, com o fim do processo eleitoral, serão revelados os verdadeiros planos para a região, que vinham sendo tratados por “baixo dos panos”. Ela ressalta que o estudo apresentado na reunião com os agricultores não foi debatido com a sociedade e foi guardado em segredo.
“O governo PH insiste em ignorar as conquistas da cidadania brasileira e se tornou um aluno do sistema chinês, onde nem a legislação ambiental existe e onde o povo é mantido em total submissão às autoridades”, ressaltou ela em seu artigo publicado nesta terça-feira (28) no
blogEla destaca que em todas as reuniões sobre o pólo industrial, os questionamentos sobre o que estava definido eram respondidos com: “Isso ainda não sabemos” ou “por enquanto nada está definido”. Entretanto, é do conhecimento dos ambientalistas da região que a ONG Espírito Santo em Ação já atua no sul do Estado, no sentido de adaptar leis que possam impedir a implantação do Pólo.
Diante da grave ameaça de destruição da região com a implantação da siderúrgica chinesa Baosteel, Ilda de Freitas cobra a implantação urgente do Conselho de Meio Ambiente em Anchieta e a presença dos órgãos e entidades de defesa da legalidade como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-ES) e a Transparência Capixaba, nos debates sobre o futuro de Anchieta.
“Não somos uma sociedade de bonecos ou de zumbis. Somos cidadãos que vivem num país de direito mesmo que as autoridades do Espírito Santo insistam em ignorar isso. Não entregaremos nossos direitos, nossa integridade física e moral, nossos bens, nossa história, nosso patrimônio e o destino da região e das gerações futuras às multinacionais e seus mercenários”, disse Ilda, finalizando seu artigo.
(Por Flavia Bernardes,
Século Diário, 29/10/2008)