O Ministério Público Federal advertiu o Ibama que poderá questionar a probidade administrativa de seus diretores caso seja concedida licença ambiental às obras da usina de Jirau sem realização de novos estudos. Em ofício enviado na semana passada ao presidente da autarquia, Roberto Messias Franco, o procurador Mário Lúcio de Avelar afirma que a mudança do local de construção da hidrelétrica traz "impactos ambientais, sociais e econômicos não devidamente mensurados" e avisa que a ausência de estudos complementares poderá resultar em ação com base na Lei 8.429/92, que disciplina a conduta dos gestores públicos.
Para o procurador do MPF em Cuiabá, com as alterações propostas pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), faltam explicações em relação ao impacto das novas áreas alagadas sobre as comunidades ribeirinhas, as faunas terrestres e de peixes (ictiofauna) e a qualidade da água. O Enersus alterou o projeto da usina de Jirau para o Caldeirão do Inferno, ponto nove quilômetros distante do original no Rio Madeira, em Rondônia.
No ofício, Avelar demonstrou preocupação e contrariedade com a sugestão feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ao Ibama para uma licença preliminar de instalação, que permitiria ao Enersus abrir seus primeiros canteiros de obras e colocar no local as estruturas de construção não-permanentes. O consórcio aproveitaria, dessa forma, a janela hidrológica (período de estiagem) que termina no fim de outubro ou início de novembro. O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, alega que isso é fundamental para o consórcio colocar a usina em operação em janeiro de 2012 e evitar a emissão de 600 mil toneladas de gases por causa da queima de diesel pelas termelétricas.
"De forma temerária", segundo Avelar, a Aneel "desborda de sua atribuição legal e se imiscuiu em considerações de ordem política - antecipando futura decisão que deveria ser técnica - para defender a construção do empreendimento hidrelétrica outro - fora do objeto da licitação e destoante daquele aprovado".
"Essa atitude não é somente temerária", acrescenta o procurador. "Ela encerra uma evidente violação à probidade administrativa porque desconsidera as conseqüências da instalação de um empreendimento cujos impactos sequer foram avaliados pelo órgão ambiental e aprovados pela área técnica da própria agência de energia. Tal atitude implica numa evidente afronta aos ditames legais que regulam a matéria", afirma Avelar.
Alegando que a mudança do eixo da barragem pode ter severas conseqüências, o procurador pressiona Messias Franco a adotar as "providências necessárias" para a execução de "novos estudos ambientais prévios" - isto é, a elaboração de outro EIA-Rima.
O presidente do Ibama informou que o Enersus enviou à autarquia os esclarecimentos pedidos pela diretoria de licenciamento e relativizou a pressão do MPF. "Isso não me preocupa. Sem base técnica e científica, eu nunca faço ato nenhum. Estamos fazendo os estudos técnicos com todo o rigor."
Kelman preferiu não comentar. Na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que um funcionário público hoje conta "mil vezes até dez" antes de assinar uma autorização, por temer ações do Ministério Público.
(Por Daniel Rittner,
Valor Econômico, 28/10/2008)