Relatório de entidades contrárias à transposição do rio aponta que produção de agrocombustíveis vêm trazendo prejuízos avassaladores à região
As demandas internacionais por matérias-primas, produtos agrícolas e manufaturados, agrocombustíveis e commodities lucrativas significam um risco fatal para a Bacia do Rio São Francisco e para as comunidades que dependem dela. A conclusão faz parte do Relatório-denúncia “'Aceleração do Crescimento na Bacia do Rio São Francisco: O Traçado de Conflitos e Injustiças Sociais e Ambientais", lançado no dia 18 de outubro em Sobradinho, na Bahia, durante a 5ª Romaria das Águas. O documento foi elaborado pela Articulação Popular pela Revitalização do São Francisco, que reúne mais de 300 entidades contrárias à transposição do rio e que lutam pela sua revitalização.
De acordo com o relatório, o momento é o mais oportuno para a apresentação de um relato sobre a atual situação da Bacia já que, somados aos antigos projetos, surgem novos empreendimentos econômicos, de infra-estrutura e de exploração dos bens naturais e das populações locais. "Projetos agrícolas, principalmente para produção de agrocombustíveis, pecuários, de mineração e reflorestamento (eucalipto), e de infra-estrutura, como hidrelétricas, ferrovias, minerodutos e de transposições, estão sendo implantados, incentivados pelos Governos Federal e Estaduais, com altos financiamentos públicos e privados, voltados para exportação sem salvaguardas sociais e ambientais", afirma o documento.
Impacto dos agrocombustíveis
O texto aponta que os agrocombustíveis, por exemplo, vêm trazendo prejuízos avassaladores à região. No Alto do São Francisco, por exemplo, observa-se o crescimento do desmatamento ilegal, das queimadas e contaminação das águas e do solo por agrotóxicos e chorume, além da destruição de lagoas, que afetam as populações de peixes.
A preocupação com a água também se reflete no alerta quanto a seu uso indiscriminado para irrigação dos plantios de cana de açúcar. Como exemplo, é citado o Programa do Governo da Bahia, o BahiaBio, tem 510 mil hectares de cana irrigada na Bacia - 300 mil no Oeste Baiano, 20 mil no Projeto Salitre, 60 mil no Canal do Sertão, 40 mil no Projeto Baixio do Irecê, 60 mil no Médio São Francisco, e 30 mil no Rio Corrente. Calcula-se que, somente para irrigar estes 510 mil hectares, são necessários 510 mil litros por segundo, já que cada hectare consome, em média, um litro por segundo. Um litro de etanol produzido a partir da cana irrigada, portanto, pode consumir até 3.600 litros de água.
Atividades de extração
As entidades denunciam, ainda, os impactos das atividades de extração. Segundo o relatório, a mineração causa enormes prejuízos à Bacia, já que "na retirada do minério a vegetação é suprimida, os solos retirados, os lençóis freáticos rebaixados, causando poluição, erosão e assoreamento". Dados oficiais indicam que, em 2006, foram produzidos no Brasil 35,125 milhões de m³ de carvão, sendo 49% originários de matas nativas. Já a demanda crescente por carvão, principalmente em Minas Gerais, vem deslocando os interesses das empresas carvoeiras para o Cerrado e para a Caatinga da Bahia, ameaçando os estados do Piauí e do Maranhão. Além da devastação, o relatório da Articulação Popular aponta que as carvoarias, principalmente as ilegais, são redutos de péssimas condições de trabalho, muitas vezes análogas à escravidão.
O plantio de eucalipto, considerado um dos setores que mais crescem em função da demanda mundial por celulose, também aparece como ameaça ao São Francisco. São apontados, no texto, os passivos causados por este tipo de atividade, chamada inadequadamente de "reflorestamento", já que não promove o plantio de florestas, e sim de monocultivos. "As empresas implantaram enormes maciços de eucalipto não respeitando as comunidades locais e os limites ambientais, como áreas de preservação permanente e áreas inaptas para esse tipo de atividade. O passivo ambiental deixado é enorme e os conflitos tendem a se agravar".
Usinas hidrelétricas
O relatório revela, também, o impacto das usinas hidrelétricas na Bacia do São Francisco. As sete barragens na região, que correspondem a 17% da capacidade instalada no país, expulsaram milhares de famílias de suas terras, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Apenas em Moxotó, Sobradinho e Itaparica, na Bahia, foram deslocadas 23.877 famílias. Apesar de colaborarem para a geração de energia, "as barragens contribuíram para a alteração dos ciclos naturais de cheia e vazante do Rio, comprometendo as lagoas e interrompendo o ciclo migratório dos peixes que ali se reproduziam, pondo em crise as principais atividades econômicas do povo ribeirinho, como a agricultura de vazante e a pesca", avalia o documento.
Para um verdadeiro processo de revitalização do rio, as entidades propõem, entre outras medidas, a moratória do Cerrado e a preservação da Caatinga, por meio de aprovação e cumprimento da PEC 115/150, que tornam esses biomas em patrimônios nacionais; a suspensão da atividade de carvoejamento da mata nativa; controle rígido e limitante da expansão do eucalipto, da mineração, da psicultura e do turismo na Bacia; suspensão imediata do projeto de transposição; tratamento do esgoto coletado em toda a Bacia; e programas de incentivo e fortalecimento da Economia Popular Solidária e da Soberania Alimentar, voltadas para o mercado local, como estratégia central, e não periférica.
O relatório afirma, por fim, que essas propostas, sem dúvida, implicam em “modelos de vida e produção e relações que são mais de “envolvimento” do que de “desenvolvimento”, mesmo que este se diga “sustentável”. Vêm de baixo para cima, envolvendo pessoas, famílias e comunidades, em seus territórios, a partir de suas necessidades reais e através das suas organizações autônomas, o Estado a serviço delas.”
(Por Patrícia Benvenuti, Brasil de Fato, 28/10/2008)