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manguezais
2008-10-28

O governo da província argentina de Corrientes não consegue cumprir uma sentença do máximo tribunal do distrito, que há quase um ano ordenou a demolição de uma barreira de 30 quilômetros que está afetando o valioso ecossistema de Esteros del Iberá (água que brilha, em língua guarani). A construção, com 1,5 metro de altura e seis de largura, foi erguida pela empresa Florestal Andina, sem autorização nem estudo de impacto ambiental, no Iberá, uma reserva natural de 1,3 milhão de hectares de banhados, florestas, lagoas de baixa profundidade, pastagens e palmeirais.

A área é hábitat de mais de uma centena de espécies de peixes, 40 de anfíbios, 60 de répteis e cerca de 345 de aves, além de mamíferos como o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), ou “raposa grande” em guarani, a lontra (Lontra longicaudis), parente do ratão-do-banhado, e o veado campeiro (Ozotoceros bezoarticus). A reserva é compartilhada entre o estado provincial e proprietários privados. As autoridades controlam sobretudo as águas, enquanto a maior parte da terra firme está privatizada e dedicada à exploração pecuária e florestal, à agricultura e ao turismo.

Moradores da Paraje Yahaveré, afetados pela barreira, levaram o caso aos tribunais em 2005, com assessoria legal financiada pela Conservation Land Trust, uma fundação do ecologista e milionário norte-americano Douglas Tompkins. Após sucessivas apelações, ganharam o processo. Em novembro de 2007, o Superior Tribunal de Justiça de Corrientes ordenou a demolição do muro, projetado para ganhar terreno ocupado pelas águas. Quando foi dada a sentença em primeira instância, tinha apenas um 1,5 quilômetro.

Os juízes disseram que “não se pode beneficiar quem desobedeceu a ordem cautelar” em primeira e segunda instâncias, porque se criaria o precedente de que, em questões ambientais, “sempre convém entrar em litígio com base em direitos consumados, pois retroceder implicaria um prejuízo maior”. A justiça estabeleceu que, se a empresa não fizesse a demolição, o trabalho seria realizado pelo governamental Instituto Correntino da Água e do Ambiente (ICAA), que tem poder de controle e de polícia na reserva. Porém, executar a sentença não é tão fácil.

"O caso está em fase de execução”, disse ao Terramérica a advogada dos queixosos, Patrícia McCormack, mas há “dilações” no trâmite. Uma vez que o Tribunal se pronuncia, o cumprimento não é automático. “A sentença está firme, mas é preciso definir como e quando será demolido, e para isso se volta à primeira instância, e aí não existe prazo”, explicou. A Justiça agora está “examinando os recursos” da empresa e do ICAA “em salvaguarda do devido processo. Os tempos da Justiça são lentos, mas se não cumprirmos todas as formalidades podem pedir a nulidade de todo o processo”, alertou McCormack.

O advogado Juan Delsín, gerente jurídico do ICAA, assegurou ao Terramérica que o órgão provincial “tem vontade de cumprir a sentença. Já temos os pedidos para uma contratação direta das obras de demolição e estamos esperando que o Executivo autorize o gasto”, afirmou. O custo da demolição é de cerca de US$ 500 mil, que serão cobrados da Florestal Andina, disse Delsín. De todo modo, o trâmite para iniciar a demolição pode demorar 90 dias, depois de estabelecido quem a executará. A Fundação Ambiente e Recursos Naturais, a Vida Silvestre e outras entidades ambientalistas, além da Direção de Florestas do governo nacional acompanharam, no fim de semana, uma cavalgada de moradores de Yahaveré para exigir o acatamento da sentença.

Essas entidades convocaram pela Internet que fossem enviados correios eletrônicos ao Ministério da Produção de Corrientes, do qual depende o ICAA. A campanha se chama “Não aos muros. Salvemos o Iberá”. Apesar de tudo, a ordem judicial constitui um precedente na jurisprudência ambiental, segundo McCormack. “É a primeira vez que a Justiça dá uma ordem deste tipo”, ressaltou. Andrés Nápoli, da Fundação Ambiente e Recursos Naturais, concordou que a sentença é inédita. “É a primeira vez na América Latina que uma sentença judicial ordena a demolição de uma obra ilegal por causa de seu impacto ambiental”, assegurou.


(Por Marcela Valente*, Terramérica, Envolverde, 27/10/2008)
* A autora é correspondente da IPS.


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