São plantas microscópicas, que pululam nos oceanos, nos lagos e nos rios. Elas crescem em decorrência do processo de fotossíntese e, para tanto, não precisam de quase nada, apenas de sol, de água e de gás carbônico. Sobretudo, elas são ricas em lipídios. . . Por todas essas razões, as microalgas talvez constituam a principal reserva existente dos biocombustíveis que serão utilizados no futuro.
Os biocombustíveis de primeira geração, que são extraídos dos vegetais terrestres - milho, trigo, beterraba e cana-de-açúcar para a produção do bioetanol; colza, soja e girassol para o biodiesel - já não gozam mais do prestígio que tinham pouco tempo atrás. Isso se deve ao fato de que eles entraram em concorrência com as culturas de gêneros alimentícios, além de constituírem uma das causas principais dos desmatamentos e da deterioração dos solos.
Já, os biocombustíveis de segunda geração, que valorizam a totalidade das plantas - madeira, folhas, palha, resíduos agrícolas -, prometem ser mais vantajosos. Contudo, no que diz respeito à categoria mais avançada desta geração, que visa a produzir bioetanol a partir da celulose e da linina da madeira (uma substância orgânica também chamada de acromatina que impregna as células, as fibras e os vasos da madeira), os rendimentos que foram obtidos até agora permanecem reduzidos; além disso, os seus custos seguem elevados e as tecnologias empregadas, complexas.
Com isso, a alternativa mais promissora poderia provir das microalgas, que já foram qualificadas pelos cientistas como fonte de biocombustíveis de terceira geração. "A produção em grande escala de biodiesel a partir de algas vai acontecer muito mais rapidamente do que imaginam", prevê Juan Wu, da sociedade de consultoria em biotecnologias Alcimed. Este especialista acredita que a sua comercialização seja possível "dentro de três a seis anos, e com um preço competitivo em relação ao diesel produzido a partir do petróleo".
Já, o responsável do programa de pesquisas francês Shamash - do nome da divindade solar do império da Babilônia -, Olivier Bernard, do Instituto Nacional de Pesquisas em Informática e em Automatismo (cuja sigla em francês é Inria), com sede em Sophia Antipolis (sudeste), se mostra mais prudente a respeito do biocombustível a base de algas. "Em teoria, o potencial das microalgas é enorme e justifica os meios importantes que lhes são dedicados no plano da pesquisa. Contudo, nós ainda não passamos do estágio do laboratório", pondera. "Ainda falta muito para que uma produção em grande escala possa ser iniciada. Isso só irá ocorrer dentro de pelo menos cinco anos, e mais provavelmente dentro de dez anos".
Petrosun, o pioneiro americano
Muitos pesquisadores e industriais estão voltando as suas atenções para esta nova jazida de energia. Uma centena de projetos já foi deslanchada não só nos Estados Unidos, como também na Austrália, na China ou em Israel. Na Europa, cerca de quinze programas de pesquisas estão sendo desenvolvidos. Um dos pioneiros, a companhia americana Petrosun, anunciou no segundo trimestre deste ano a criação, em Rio Hondo (Texas), de uma fazenda de microalgas marinhas, instalada numa superfície de 450 hectares de lagoas de água marinha, e de outra fazenda similar, perto do golfo do México, de 1.100 hectares.
A sociedade israelense Algatech, que vem elaborando desde 1999, no deserto do Neguev, derivados de algas para fins medicinais e alimentícios, já está se preparando para produzir um combustível à base de algas. Por sua vez, a GreenFuel, uma empresa fundada por engenheiros do Massachusetts Institute of Technology (MIT), já está comercializando sistemas de cultura das algas. As companhias petroleiras Shell e Chevron também resolveram lançar-se nesta aventura. Inúmeras empresas start-up estão florescendo no mercado. Nelas, importantes investidores de capital de risco andaram injetando milhões de dólares. . .
"As microalgas podem acumular entre 60% e 80% do seu peso em ácidos gordurosos", explica Olivier Bernard. Isso permite esperar uma produção anual, por hectare, de cerca de trinta toneladas de óleo. Ou seja, um rendimento trinta vezes superior ao das espécies oleaginosas terrestres como a colza. Contudo, ainda falta muito para que os procedimentos de fabricação sejam totalmente dominados.
Entre as várias centenas de milhares, e até os milhões de espécies de microalgas presentes na natureza, nem todas revelam ser tão promissoras. Portanto será preciso selecionar - ou obter por maio de manipulação genética - as variedades cujo crescimento for mais rápido e aquelas que se mostrarão mais aptas a armazenarem lipídios. Então, numa segunda etapa, os pesquisadores deverão comparar o desempenho de diferentes formas de cultura, seja dentro de piscinas de água do mar ou de água doce; ou ainda no interior de aquários fechados - chamados de foto-bioreagentes -, que evitam que as culturas sejam contaminadas por outros microorganismos e permitem controlar a fotossíntese de maneira mais eficiente, mas que também custam mais caro.
Então, será necessário encontrar a melhor equação biológica para modificar o metabolismo das algas e "carregá-las" com ácidos gordurosos, submetendo-as a certos tipos de stress - tais como uma carência em nitrogênio - e dopando-as com CO2. Este último processo, a razão de cerca de 2 kg de gás carbônico para 1 kg de matéria vegetal, poderia ser utilizado para reciclar resíduos industriais. Por fim, ainda será necessário elaborar um processo eficiente de extração do óleo armazenado por essas plantas minúsculas. Com efeito, o método atual, por meio de centrifugação, secagem e uso de um solvente orgânico, requer grandes quantidades de energia. E para concluir, será então possível transformar este óleo em combustível diesel.
Vale dizer que enormes progressos ainda estão por serem realizados, até que o "ouro verde" das microalgas ponha um motor de carro para funcionar.
Uma severa advertência da FAO em relação aos biocombustíveis
Em seu relatório anual sobre a alimentação mundial, que foi publicado no início de outubro, a Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura (FAO) incluiu uma severa advertência no que diz respeito aos biocombustíveis. Ela fez um apelo aos países da OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos, que conta 30 países-membros) para que estes operem uma revisão das suas políticas energéticas e das subvenções que eles alocaram para a produção de biocombustíveis. Essa mudança das metas destina-se a manter o objetivo de segurança alimentar mundial e a garantir um meio-ambiente sustentável.
"As oportunidades para os países em desenvolvimento de tirarem um melhor proveito da demanda de biocombustíveis seriam favorecidas pela supressão das subvenções agrícolas e das barreiras comerciais que criam um mercado artificial e que beneficiam atualmente apenas aos produtores dos países da OCDE, em detrimento dos países em desenvolvimento", denunciou Jacques Diouf, o diretor-geral da FAO.
Ao alertar para o fato de que a produção de biocombustíveis mais que triplicou entre 2000 e 2007, e que ela deveria continuar aumentando no decorrer da próxima década, o que deverá provocar aumentos dos preços dos gêneros alimentícios, a FAO insiste, em seu relatório, para que os países da OCDE procurem reduzir os riscos e compartilhem melhor as vantagens proporcionadas pelos biocombustíveis.
(Por Pierre Le Hir, Le Monde, UOL, 27/10/2008)