O meio ambiente é, certamente, nos últimos anos, um dos assuntos que mais tem ganhado espaço no cotidiano da sociedade. Isso porque não apenas está em discussão um “meio ambiente” longe das grandes cidades, mas sim a nossa vida, as questões éticas em relação a nossa forma de viver, de ser e de consumir. A preocupação com a ecologia está crescendo, mas, segundo o professor André Lacombe, os quesitos relacionados às marcas e preços dos produtos ainda têm mais relevância para o consumidor do que as questões que envolvem a preocupação ambiental no que diz respeito à produção de determinado produto. “As formas de comportamento vão melhorar conforme as empresas ou quem quer que ofereça as opções ao consumidor nos tragam melhores alternativas do que temos hoje”, afirmou ele em entrevista, realizada por e-mail, à IHU On-Line.
André Lacombe Penna da Rocha é graduado em Administração, pela PUC-Rio. Obteve os títulos de mestre e doutor em Agricultural Economics pela University of London, na Inglaterra. É professor na PUC-Rio.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Em sua opinião, por que muitas pessoas têm consciência ecológica, mas não transpassam essa consciência para suas atitudes de consumo?
André Lacombe – Realmente, o interesse pelas questões do meio ambiente tem aumentado. A própria mídia tem relado isso. Agora, você estar preocupado com uma coisa e você reagir a ela são duas coisas diferentes. Uma delas está relacionada ao que chamamos de comportamento de consumo. O marketing trabalha com o conceito da atitude favorável que facilita o consumo. Em alguns casos, observamos que a população não acredita muito no que as empresas dizem, mas, além disso, quando fazemos simulações com os entrevistados sem dizer ao certo o objetivo da pesquisa, o que se revela é que há variáveis em relação ao produto – como preço – que vêm em primeiro lugar e acabam tomando conta do processo decisório. Então, por exemplo, fazendo entrevistas sobre um detergente, observamos que as pessoas têm uma marca preferida, depois relevam o preço, o tipo de embalagem, o aroma e o quesito biodegradável. Ou seja, o que estamos medindo, que é a questão que envolve o consumo ecológico, fica em terceiro ou quarto lugar nessas pesquisas.
Agora, se pegarmos um inseticida, que também tem um “q” de poluidor no ar, começamos a observar que o fato desse produto tem esse quesito de poluição, e a ordem do biodegradável passa a ser mais importante do que em comparação com a pesquisa sobre detergentes. Em pesquisas com hidratantes, que é algo usado principalmente pelo público feminino, que é mais vaidoso, a questão do biodegradável é ainda mais forte. Mas, quando partimos para uma fase mais exploratória na entrevista, para compreender por que as pessoas escolhem mais ou menos um produto que tem um quesito ecológico, sentimos que a preocupação maior é com a saúde, com o bem-estar e não necessariamente com o meio ambiente.
Em uma pesquisa que fizemos sobre consumo de pneus, a variável do ecológico foi muito baixa. As pessoas não gostaram, não viam segurança, não tinham confiança. Os seja, as indústrias têm de fazer não só um alarde melhor sobre o que essas variáveis ecológicas estão oferecendo para o consumidor como precisam demonstrar que as opções novas que estão surgindo e em desenvolvimento são muito melhores do que as que já conhecemos. Então, no fundo, outros atributos – como marca e preço – ainda são mais fortes do que a consciência ecológica.
Quais as maiores dificuldades para a transformação da forma de consumo das pessoas?
Lacombe – Bom, em primeiro lugar vou te fazer uma pergunta: você usa automóvel próprio?
Eu não.
Lacombe – Bom, eu moro no Rio de Janeiro, onde o transporte público não é muito bom. Assim, eu uso automóvel e o meu é a álcool. Será que um carro movido à álcool me faz uma pessoa ecologicamente correta? Não sei. Talvez sim, talvez não. Eu tenho um segundo carro, mas esse é à gasolina; é um carro popular e gasta pouco. O fato de ser econômico me faz uma pessoa ecologicamente correta? Não sei. Também não sei se eu seria mais ecologicamente correto se usasse serviço público de transporte, porque ele também polui, apesar de dividir a sua poluição entre tantas pessoas que o utilizam. O fato é que, para usar esse serviço, eu teria de acordar pelo menos uma hora e meia mais cedo e depois dormir uma hora e meia mais tarde. Eu chegaria muito cansado no meu destino, e isso prejudicará o meu rendimento. As opções de transportes que temos são muito melhores hoje no privativo do que no coletivo, muito melhor, portanto, o “mais poluidor” do que o “menos poluidor”. As soluções vão começar a surgir, ou seja, as formas de comportamento vão melhorar conforme as empresas ou quem quer que ofereça as opções ao consumidor nos tragam melhores alternativas do que temos hoje. No entanto, as pessoas só vão mudar suas atitudes se isso que elas utilizam hoje for trocado por algo melhor. Se o que vier trouxer um sacrifício, será assimilado bem por aqueles que tiverem em sua natureza uma preocupação e um engajamento maior. No entanto, eu acredito que a maioria da população vai demorar mais para mudar o seu comportamento de consumo porque nós somos individualistas antes de valorizarmos o coletivo. Infelizmente, tem sido assim no Brasil e na maior parte da civilização mundial.
De que forma é preciso modificar o modo de produção da sociedade?
Lacombe – Uma das coisas que devem acontecer na sociedade é deixar de se valorizar o dinheiro, o que é muito difícil de ocorrer. Porque, quando você tem uma alternativa melhor sob o ponto de vista ecológico, mas eventualmente mais caro, as coisas que você faz normalmente terão de ser alteradas. Assumindo que isso custa mais caro, a ação vai parar numa balança para sabermos se pagamos mais caro ou não por aquilo. As simulações que fazemos revelam com os produtos usados no dia-a-dia podem ter uma adesão maior quando houver uma alternativa ecológica disponível, mesmo que o preço desta seja mais alto. Agora, quando a pessoa joga de toda a forma para que o salário dê para todo o mês, qualquer aumento de preço que se apresente como oferta precisa ter um benefício extraordinário ou ele não vai poder ceder a essa demanda. Uma parte da população que é muito sensível ao preço não vai se pré-dispor a pagar mais caro. É uma solução complicada. Nós, como cidadãos, devemos pressionar para que a mudança não afete nosso orçamento, e o governo tem de agir incentivando a produção a alterar certas coisas. Quem realmente está preocupado com o consumo pode ver nesta crise que estamos passando uma alternativa para fazer diferente.
Como o senhor analisa os limites e possibilidades da politização do consumo?
Lacombe – Antes de penalizar o consumidor, há o outro lado da moeda. Penalizar o consumidor não é de todo justo porque no fundo nós escolhemos por alternativas que nos são oferecidas. Você compra o produto porque de alguma maneira é permitido que aquele produto esteja lá. Se fosse uma coisa muito danosa, talvez não estivesse na prateleira. Então, se o governo for alterar, moldar ou ponderar sobre isso, pode não funcionar também. Seria mais fácil e mais seguro ir à origem da produção e separar o que é ou não viável, legal etc., e dali fazer uma penalidade qualquer.
Como o senhor analisa a questão da identidade dos produtos que se modificaram culturalmente a partir dos apelos ecológicos?
Lacombe – Esse é um fator importante: as empresas precisam se capacitar ainda mais. Com isso, elas podem conscientizar as pessoas através de políticas de comunicação, que façam produtos bem feitos e interessantes.
(Instituto Humanitas Unisinos, 27/10/2008)