Na última terça-feira (21/10), o agricultor brasileiro Ildo Kaeffer e seu filho Marcelo, 23, tentavam preparar a terra da família, em Lima, departamento de San Pedro (norte do Paraguai). Uma brigada de mais de 200 sem-terra paraguaios os impediu. Seu trator foi apreendido.
Há seis meses, produtores brasileiros e paraguaios vivem o mesmo drama dos Kaeffer. Estão impedidos de plantar ou colher em suas lavouras.
"É uma situação insustentável. Para colher a safra de inverno, tivemos que negociar muito. Agora nos impedem de plantar a safra de verão", afirma Ildo, que também tem cidadania paraguaia. Ele só recuperou o trator depois que acionou a Polícia Nacional do Paraguai.
Nos três principais municípios agrícolas de San Pedro --Lima, Santa Rosa e General Resquín--, a cena é a mesma: na terra preparada para o plantio, mas não semeada, é possível ver estacas de madeira com as cores da bandeira do Paraguai que mostram que os sem-terra já demarcaram suas áreas.
As brigadas de sem-terra fazem vigília nessas áreas, para que os produtores não retirem as estacas e não plantem. Principal líder sem terra de San Pedro, Elvio Benitez critica os brasileiros, que, de acordo com ele, "cometem crime ambiental e usam terras do Estado".
Segundo Benitez, os brasileiros "atropelaram" os camponeses paraguaios em outros departamentos, "mas isso não vai acontecer em San Pedro". Ele se refere ao fato de os brasileiros serem a maioria entre os produtores rurais em Alto Paraná e Canindeyu, leste do Paraguai e fronteira com o Brasil.
A segunda geração de brasileiros no Paraguai avança agora para San Pedro, no centro-norte do país. E encontra resistência dos camponeses, amparados pelo governador José Ledesma Pakova, que rejeita o avanço da soja na região. A questão ambiental e o suposto uso indiscriminado de agrotóxicos são citados por Ledesma como razões da resistência.
"Nós cumprimos a lei ambiental paraguaia e usamos defensivos como qualquer produtor paraguaio. Eles querem é tomar nossas terras", afirma Ademir Mendes, 29, dono de 80 hectares em Lima.
Estatuto
Alguns brasiguaios, no entanto, admitem que compraram terras em área de assentamento, o que é proibido pela legislação paraguaia. Almeri Eichelberger, 40, e seu cunhado, Armando Marchão, 36, estão entre eles. Marchão tem 30 hectares, e Eichelberger, 60, contestados pelos paraguaios.
Uma alteração, de dezembro de 2004, no Estatuto Agrário determina que terras para reforma agrária não podem beneficiar estrangeiros. "Nós compramos as terras antes dessa mudança. Não podemos ser penalizados", diz Eichelberger.
O presidente da Coordenação Agrícola de San Pedro, Ricardo Soza, diz que tem auxiliado os brasileiros para comprovar a compra antes da modificação no estatuto. "O problema é político. A lei não pode ser retroativa, mas, neste governo, não podemos garantir nada."
Com o período ideal para o plantio de soja se esvaindo, a tensão tem aumentado na região e produtores como Marchão e Eichelberger admitem que podem recorrer à violência. "Tudo o que temos são essas terras. Não vamos aceitar passivamente sermos espoliados", afirma Eichelberger.
Na propriedade do paraguaio Cecilio Sanguina, 47, a soja já brota. Para isso, tomou uma decisão radical. "Perdi a paciência", diz. "Peguei em armas e avisei aos sem-terra: quem tentar me impedir leva fogo."
O prefeito de Lima, Júlio César Franco, disse temer que a situação acabe em "derramamento de sangue" e culpa o governo de Fernando Lugo pela situação. "O presidente Lugo tem que se decidir se vai para a direita, para o centro ou para a esquerda. O que não pode é protelar uma decisão", afirma.
(Por José Maschio, Agência Folha, 25/10/2008)