Para expor os perigos do ciclo do combustível nuclear no Brasil, 20 ativistas do Greenpeace demarcaram, na madrugada de ontem (23/10), trecho da rota do transporte de yellow cake (concentrado de urânio) que atravessa Salvador, na Bahia. A demarcação foi feita ao longo de cerca de cinco quilômetros da Avenida Bonoco, principal via de acesso à capital baiana. Sinais amarelos simbolizando radiação, com 2 metros de diâmetro, foram pintados em seqüência no asfalto até a entrada do Porto de Salvador. Placas foram afixadas no acostamento, alertando motoristas e passageiros sobre o transporte de material radioativo pelo local.
O yellow cake que passa por Salvador é resultado do processamento do urânio retirado da mina de Caetité (BA) pela INB (Indústrias Nucleares Brasileiras). Uma vez beneficiado, o urânio segue em comboios de caminhões até Salvador, percorrendo mais de 700 quilômetros de estradas federais e estaduais e atravessando 40 municípios e povoados.
“Estamos chamando a atenção da sociedade brasileira para os perigos do extenso e complexo ciclo da energia nuclear no Brasil. Quem mora aqui em Salvador deve saber que vive na rota de transporte de material radioativo”, disse Rebeca Lerer, coordenadora da campanha de Energia do Greenpeace, que participou do protesto.
Historicamente, têm ocorrido um ou dois transportes de yellow cake na Bahia por ano. No último carregamento conhecido, realizado em maio de 2008, houve falta de coordenação entre o transporte terrestre e a chegada do navio que levaria as 175 toneladas de material nuclear até o Canadá. A carga ficou estocada ao ar livre e em condições precárias por três dias em armazém próximo ao Porto de Salvador. De acordo com informações obtidas pelo Greenpeace junto a fontes de Caetité, um novo transporte estaria programado até o final desse ano.
Em oito anos de operação da INB em Caetité, já ocorreram vários episódios de multas e infrações envolvendo o transporte de yellow cake. Em 2004, a empresa foi multada em R$ 1 milhão pelo Ibama da Bahia por fazer uma "operação casada" no transporte de urânio pela Baía de Todos os Santos, em Salvador. O navio transportava urânio enriquecido para Resende (RJ) e parou na capital baiana para pegar 250 toneladas de yellow cake de Caetité. De acordo com o Ministério de Ciência e Tecnologia, a INB só precisa de licença do Ibama e da CNEN para o transporte de yellow cake quando o volume total da carga for de 375 toneladas (ou 25 carretas) por comboio.
Do porto, o yellow cake segue de navio para o Canadá, onde é convertido para gás. De lá, viaja para a Holanda, aonde é enriquecido. Retorna ao Brasil pelo Porto do Rio de Janeiro e na Fábrica de Combustível Nuclear da INB em Resende (RJ), é transformado em pastilhas usadas como combustível nos reatores de Angra dos Reis (RJ).
Além de Angra 3, o governo federal prevê a construção de mais 4 a 8 usinas nucleares no país, sendo duas no Nordeste. Segundo informações veiculadas pela imprensa em setembro de 2008, o Estado da Bahia teria se candidatado para hospedar as primeiras plantas nucleares da região nordeste.
A atividade do Greenpeace reforça a divulgação do relatório “Ciclo do Perigo – Impactos da produção de combustível nuclear no Brasil”, que na semana passada denunciou a contaminação da água por urânio na área de influência direta da INB em Caetité. O documento foi encaminhado ao Ministério Público Federal e órgãos públicos exigindo uma investigação urgente, ampla e independente para determinar a fonte exata e a extensão da contaminação.
O Ministério Público Federal marcou para o dia 6 de novembro uma audiência pública em Caetité para ouvir a população local. Uma equipe com técnicos do Instituto de Meio Ambiente (IMA), Instituto de Gestão das Águas e da Secretaria de Saúde do governo da Bahia já está no município coletando amostras e analisando a situação de saúde das pessoas que vivem no entorno da INB. O MPF baiano anunciou também que vai reabrir um inquérito de 2000 para enfim conduzir uma investigação independente sobre os impactos da mineração de urânio de Caetité.
“Quanto mais usinas nucleares, maior a demanda por combustível nuclear e maiores os impactos da mineração do urânio e a freqüência de transportes de materiais radioativos no país”, diz Rebeca Lerere. “Por mais que o governo Lula se esforce para vender a tecnologia atômica como uma solução, a verdade é que o ciclo da energia nuclear traz problemas como a contaminação da água em Caetité e a geração de lixo radioativo pelas usinas, envolvendo graves riscos de acidentes e altos custos financeiros. A energia nuclear é um erro do início ao fim”, conclui.
(Greenpeace, 23/10/2008)