Crimes ambientais não são cometidos só dentro das fronteiras de cada país, redes organizadas internacionalmente movimentam dezenas de bilhões de dólares por ano, em todo o mundo. Mas como esses delitos, em geral, são percebidos como “sem vítimas”, acabam sendo deixados em segundo plano nas ações dos governos e nas demandas das comunidades. Esses são alguns pontos do relatório Crimes Ambientais: Uma ameaça ao nosso futuro, lançado pela Agência de Investigação Ambiental (EIA, sigla em inglês), uma organização sem fins lucrativos fundada na Inglaterra em 1984.
A extração ilegal de madeira é um dos destaques. A atividade causa um prejuízo de 15 bilhões de dólares por ano aos países em desenvolvimento, de acordo com estimativa do Banco Mundial citada pelo documento. “O tráfico de madeira envolve crimes maiores, não só o desmatamento ilegal, mas também a aquisição irregular de autorizações para extrair árvores, sonegação de impostos, transporte ilegal, uso de documentos forjados, declarações falsas aos clientes, suborno e corrupção de agentes oficiais e o suporte a outros crimes sociais e financeiros”, afirma o estudo.
Para ilustrar o problema, foi usado o caso da Indonésia, onde 80% do desmatamento é ilegal e acontece a um ritmo de 300 campos de futebol por hora. Estimativas do governo local apontam que esse processo de destruição das florestas custa 4 bilhões de dólares por ano ao país.
O relatório afirma que a maior parte dos lucros da destruição florestal fica com os grandes atravessadores, que levam o produto para consumidores finais em países como Estados Unidos e Inglaterra. O preço pago pelo metro cúbico de madeira nas comunidades que fazem a extração é de 11 dólares, mas o valor para o equivalente de material beneficiado no varejo norte-americano chega a 2.288 dólares.
Esse modelo de exploração predatória se sustenta na corrupção e na impunidade dos responsáveis. A EIA relata o caso do chefe de polícia indonésio Marthen Renouw. Ele foi inocentado pelo tribunal local, mesmo após terem sido encontrados em sua conta bancária 120 mil dólares advindos de transferências efetuadas por empresas ligadas à extração ilegal de madeira. Companhias que deveriam estar sendo investigadas por Renouw.
No país da Amazônia
O Brasil é reconhecidamente outro país em desenvolvimento que sofre prejuízos com o comércio madeireiro ilegal, que destrói continuamente um dos maiores patrimônios naturais brasileiros: a floresta Amazônica .
Segundo o pesquisador do Imazon (Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia) Adalberto Veríssimo, a devastação da floresta tropical acontece porque “é lucrativo para alguns segmentos, o pecuarista e o madeireiro principalmente”. De acordo com ele, os benefícios do desmatamento desaparecem rapidamente, em um prazo médio de dez anos, gerando um colapso social e econômico nas comunidades onde a mata foi derrubada. Isso porque deixam de existir recursos naturais para serem explorados, e a agricultura, que normalmente toma o lugar da floresta após a retirada da vegetação, não cria empregos suficientes para toda a população.
Veríssimo disse que “o governo é esquizofrênico” ao tratar do problema. Ele avalia que, enquanto os órgãos ambientais tentam encontrar soluções, outros setores governistas trabalham em sentido contrário, como “quando o ministério da Agricultura pede crédito para ampliação da fronteira agrícola”.
Além da extração ilegal de madeira, o Brasil também tem grandes perdas com o tráfico de animais, a pesca predatória e a poluição de cursos de água por efluentes urbanos e industriais. Esse são os crimes ambientais que mais causam danos aos recursos naturais brasileiros, na avaliação do diretor de Uso Sustentável da Biodiversidade do Ibama, Antônio Carlos Hummel.
Ele prefere a terminologia “ilícitos ambientais” para descrever essa série de atitudes que agridem o meio ambiente. Segundo Hummel, pela lei brasileira, nem toda ação que lese o patrimônio ambiental é qualificada como crime. Existe uma gradação, que inclusive define a pena, em função da gravidade.
Peles, presas e cabeças
O estudo da EIA fala ainda da caça de grandes felinos na Índia e no Nepal e da matança de elefantes em busca do marfim na Zâmbia (África). Nesse ponto, o documento afirma que “o alto lucro e o baixo risco (de ser descoberto, preso e condenado), fazem os crimes contra vida selvagem serem atrativos e essa forma de delito pode ser, inclusive, usada para financiar outras formas de crime”.
As peles de tigre (imagem no topo) e de leopardo são transportadas da Índia e do Nepal para a China através de rotas do mercado negro próximas à fronteira entre os dois países. De acordo com o relatório, seria importante que os países envolvidos trabalhassem em conjunto para desmantelar as longas redes de tráfico. “O futuro do tigre selvagem depende de um esforço inteligente e da melhora na cooperação internacional”, afirma o documento.
Já na África, com a proliferação de pequenos exércitos e de patrulhas anti-caça mal equipados, é cada vez mais difícil combater a matança de elefantes no Parque Nacional de South Luangwa, na Zâmbia, no interior do continente africano, entre Moçambique e a República Democrática do Congo. Em 2007 foram apreendidas 233 presas de elefante na vizinha Tanzânia, provavelmente provenientes do parque. O preço do marfim pressiona a caça: na África ele custa 15 dólares o quilo, mas no Japão chega a valer 850 dólares.“Além dos danos à biodiversidade do parque, a caça nessa escala se torna uma ameaça a florescente indústria turística da Zâmbia”, diz o relatório.
Do mesmo modo que acontece na Zâmbia, Nepal e Índia, em Belém (PA) é possível encontrar subprodutos da fauna brasileira à venda, como peles de onça, cabeças de pica-pau e garras de bicho-preguiça. Segundo o presidente da ONG SOS Fauna, Marcelo Pavlenco, esse é o modo como os animais, em especial da Amazônia, são traficados para fora do país. Ele estima que uma pele de onça comprada por cem reais no Pará possa ser matéria-prima para produtos que custem até 4 mil dólares na Europa. Ele alerta também para o grande número de animais vendidos ilegalmente no Brasil, saídos principalmente dos biomas da Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga para o Rio de Janeiro e São Paulo.
Carlos Hummel, do Ibama, informou que os Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) recebem 50 mil animais apreendidos por ano. Mas ele ressalta que esse é apenas o “número concreto, o tráfico é bem maior”. Pela experiência adquirida em 19 anos de trabalho de campo contra o tráfico de animais, Pavlenco estima que o número de apreensões corresponda a cerca de 5% do total de espécimes retirados da natureza.
Mesmo entre os animais que são apreendidos, a maior parte nunca voltará a natureza. De acordo com Pavlenco, o que acontece na maior parte das vezes é a “lavagem de animais silvestres”, ou seja, os bichos deixam as mãos dos traficantes, a ilegalidade, e vão para outros tipos de cativeiro, legalizados, como criadores autorizados e zoológicos. Ele atribui esse procedimento, em parte, aos altos custos para se reintegrar um animal ao habitat natural.
“O tráfico de animais é gerado por problemas sociais e culturais nas regiões onde os bichos são capturados. É muito mais fácil tentar conter o tráfico na origem, com uma educação ambiental que mude os valores culturais e com políticas públicas com foco nos problemas sociais”, disse.
Outro fator que favorece o tráfico de animais, segundo ele, é a Legislação de Crimes Ambientais, que entrou em vigor em 1998. Essa lei passou a considerar os crimes contra a fauna como de menor potencial ofensivo, com a possibilidade de cumprir pena em liberdade. “Todo mundo sabe que pode praticar o crime que não vai preso”, reclamou.
Apesar de ter salientado que nem todas as ofensas ao meio ambiente são crime, Hummel apontou a impunidade como um dos maiores fatores para o descumprimento da lei. Na opinião dele, as pessoas só cumprem a lei quando percebem que os infratores são punidos.
O estudo da EIA estabelece uma pequena lista de soluções para enfrentar os crimes apresentados. Entre elas está o combate à corrupção, presente em quase todas as situações relatadas. Também a vontade política, aliada a cooperação internacional para o desenvolvimento de ações de investigação e inteligência contra os delitos que envolvem recursos naturais.
(Por Daniel Mello*, OEco, 24/10/2008)