A partir de dados obtidos pelo satélite francês Corot, um grupo internacional de cientistas mediu pela primeira vez vibrações físicas e características de superfície de três estrelas próximas. Até agora, as oscilações solares – cuja descoberta possibilitou os atuais estudos sobre a estrutura do interior do Sol – ainda não haviam sido medidas em outras estrelas.
Os resultados do estudo, que teve participação brasileira, foram publicados em matéria de capa da edição desta sexta-feira (24/10) da revista Science. De acordo com os autores, as três estrelas observadas apresentaram oscilações 1,5 vez mais fortes que a do Sol e granulação três vezes mais fina. Os dados, que só puderam ser obtidos graças à alta sensibilidade do satélite, deverão gerar avanços no conhecimento sobre a evolução da galáxia.
Dois astrônomos brasileiros estão entre os autores do artigo: José Renan de Medeiros, professor titular do Departamento de Física Teórica e Experimental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Eduardo Janot Pacheco, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que coordena a participação brasileira no projeto.
A missão do Corot, lançado em 2006, tem duas vertentes principais: localizar, fora do Sistema Solar, planetas com condições semelhantes às da Terra que possam abrigar vida, e estudar a estrutura e a evolução das estrelas – isto é, a sismologia estelar. De acordo com Medeiros, esses são os primeiros resultados nessa segunda vertente.
“A equipe brasileira está particularmente presente nos trabalhos voltados para a sismologia estelar. Nossa atividade consiste principalmente no tratamento e interpretação de dados. Durante a fase de observação das estrelas pelo Corot, utilizamos grandes telescópios terrestres para caracterizar as estrelas – ou seja, estabelecer seus parâmetros físicos e químicos”, disse Medeiros à Agência Fapesp.
Segundo ele, as oscilações, produzidas pelo movimento do plasma que constitui o interior estelar, só haviam sido observadas até agora no Sol. Pela primeira vez foram medidas em estrelas mais quentes e mais antigas.
“As estrelas se comportam como instrumentos musicais, que produzem e propagam ondas ressonantes. Essas ondas provocam alterações periódicas de diversas propriedades que caracterizam a estrela. Assim como os sons emitidos por um instrumento dependem das características da cavidade na qual as ondas sonoras se propagam, as ‘notas’ emitidas pela estrela, que são seus modos próprios de oscilação, estão relacionadas ao seu interior. As oscilações refletem o que se passa além da superfície estelar”, explicou.
Além das oscilações, foram detectadas as granulações da superfície das três estrelas – um fenômeno também até agora conhecido apenas no Sol. A granulação, de acordo com Medeiros, é um reflexo dos movimentos convectivos no interior do plasma solar que também fornece pistas sobre a natureza do campo magnético da estrela e sobre o comportamento de seu interior.
A fotosfera solar apresenta grânulos brilhantes rodeados por contornos mais escuros, com cerca de 700 quilômetros de diâmetro. A granulação solar é formada no topo da zona convectiva, região em que as massas de gás quente conhecidas como células de convecção crescem e transportam a energia que será dissipada na fotosfera. Com o esfriamento, os gases voltam a descer para o interior solar.
Grande precisão
De acordo com o professor da UFRN, os resultados representam um marco para a sismologia estelar, mas são apenas as primeiras descobertas de uma série.
“A filosofia de uma missão como a do Corot é descrever a história evolutiva das estrelas. Para isso, queremos observá-las em diferentes fases. Essas três estrelas são mais quentes e antigas do que o Sol, mas vamos observar também estrelas mais jovens e muito mais velhas. Isso nos dará elementos para fazer inferências sobre a história evolutiva do Sol”, afirmou.
Um dos principais aspectos do estudo é que ele aponta para a universalidade dos fenômenos físicos já observados no Sol. “Isso por si só é um grande passo, porque, quando se desenvolvem teorias, é preciso ter o que chamamos de condições iniciais ou condições de contorno. Estamos conseguindo essas condições a partir de medidas feitas com precisão inédita. Isso tornará as futuras teorias muito mais consistentes”, disse Medeiros.
Os resultados serviram também para confirmar a extrema precisão do Corot. “Os dados utilizados nesse estudo foram obtidos nos primeiros 150 dias de observação do satélite. Os resultados tiveram tanto impacto que a coordenação global da missão resolveu ampliar as observações, que seriam inicialmente de 18 meses, para 36 meses”, contou.
O método utilizado para a obtenção dos dados, segundo Medeiros, baseia-se na técnica da fotometria estelar. “O telescópio observa a estrela e registra as flutuações na luminosidade da sua superfície. Como ele tem uma performance notável, pode detectar uma variabilidade luminosa da ordem de dez elevado a menos cinco. Com isso, podemos concluir se o fenômeno observado é de granulação ou oscilação”, disse.
No caso das três estrelas, foram feitas medidas ininterruptas durante vários meses. “Isso criou condições para termos informações com um detalhamento sem precedentes”, afirmou. A estrela HD49933 foi observada por 60 dias seguidos. As estrelas HD181420 e HD181906 foram observadas por 156 dias cada uma, ininterruptamente.
O artigo Corot measures solar-like oscillations and granulation in stars hotter than the Sun, de Eric Michel e outros, pode ser lido por assinantes da Science.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 23/10/2008)