Pnad-2007 revelou que, com oito anos de antecedência, país atingiu a meta para água. Mas, ainda há desperdício: da produção de carnes e grãos até carros e aço.
Quanto você pagaria por um copo de água depois de um dia inteiro de caminhada debaixo de sol forte? E quanto você pagaria por uma ducha, mesmo que rápida, após três dias sem banho?
Além de ter um uso múltiplo e uma importância inquestionável, a água passou a ter também muitos valores. São dimensões e significados: a água como símbolo da vida, com valor religioso, estético, político, cultural e até econômico. Há quem diga que impor um valor econômico à água fará com que ela perca seu valor sagrado e, para muita gente, a água não é e não pode ser transformada em mercadoria. O fato é que hoje pagamos, e não é pouco, pela água que utilizamos. É de se pensar, todavia, quanto vai custar daqui alguns anos a carne bovina, já que são necessários 10.000 litros de água para produzir um quilo da carne.
O Pnad-2007 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) revelou que o Brasil, com oito anos de antecedência, atingiu já em 2007 a Meta do Milênio para a água. As Nações Unidas definiram oito ODMs (Objetivos do Desenvolvimento do Milênio) para desenvolvimento e combate à miséria no planeta que devem ser atingidos até 2015. No ODM 7 (Garantir a Sustentabilidade Ambiental), a meta 10 é reduzir pela metade (tendo como ano-base 1990) “a proporção da população sem acesso permanente e sustentável a água potável segura e esgotamento sanitário”. Com a cobertura de água chegando a 91,3% na áreas urbanas, em 2007 a meta de água foi alcançada.
Para o esgoto, no entanto, o país pode levar ainda de cinco a 15 anos, avalia a pesquisadora Maria da Piedade Morais, que coordenou a elaboração dos dados que compõem o Comunicado da Presidência nº 13, “Pnad-2007: Primeiras Análises - volume 5 - saneamento básico e habitação”. “Se considerarmos a rede geral e as fossas sépticas, o Brasil cumpre a meta também antes. Mas, se considerarmos como adequada apenas a rede geral, aí serão, no ritmo atual de crescimento da rede, mais uns 15 anos”, avalia a pesquisadora.
Só de 2006 para 2007, a rede geral de esgoto chegou a mais 3% da população, passando de 54,4% para 57,4% de cobertura. Veja o estudo completo. Veja a apresentação.
A água escondida, oculta e até perdida nas atividades cotidianas poderá ter um valor inimaginável. No Brasil, país considerado por muitos como o paraíso das águas, as perdas no abastecimento das grandes cidades chegam a 45%. As campanhas para fechar a torneira deveriam vir junto com o alarmante dado de que só no município de São Paulo, no trajeto entre os mananciais e as residências, são perdidos 1 bilhão de litros por dia, o equivalente a 1 milhão de caixas-d’água, conforme revela pesquisa do Fundo de Populações das Nações Unidas, disponível aqui.
Estudo do Instituto Socioambiental (ISA)*, divulgado em novembro de 2007, revelou a situação do abastecimento público e do saneamento básico nas 27 capitais brasileiras. Segundo a coordenadora do Programa Mananciais do ISA, Marussia Whately, estima-se que a quantidade de água jogada fora seja de 6,14 bilhões de litros por dia (o equivalente a 2.457 piscinas olímpicas) e seria suficiente para atender ao consumo diário de 38 milhões de pessoas, algo como a população da Argentina.
Consumidos pelo consumo
De acordo com a Organização das Nações Unidas, cada pessoa necessita de 3,3 m³/pessoa/mês (cerca de 110 litros de água por dia para atender as necessidades de consumo e higiene). No entanto, no Brasil, o consumo por pessoa pode chegar a mais de 200 litros/dia.
E, para deixar muita gente de boca aberta, dos cerca de 200 litros diários consumidos nos domicílios: 27% vão para cozinhar e beber, 25% para tomar banho e escovar os dentes, 12% para lavagem de roupa; 3% para outras tarefas (como lavagem de carro, por exemplo) e finalmente 33% são utilizados em descarga de banheiro. Somente o reaproveitamento da chamada “água cinzenta” (resultantes de lavagens e banho) para descarga de latrinas resultaria numa economia de um terço de todo o consumo doméstico.
Confira dados da Sabesp e veja como é possível economizar água e dinheiro - sem prejudicar a saúde e a limpeza da casa e a higiene das pessoas.
• Banho de ducha por 15 minutos, com o registro meio aberto, consome 135 litros de água. Com o registro fechado ao se ensaboar e reduzindo o tempo para 5 minutos, o consumo cai para 45 litros.
• No caso de banho com chuveiro elétrico, também em 15 minutos com o registro meio aberto, são gastos 45 litros na residência. Com os mesmos cuidados que com a ducha, o consumo cai para 15 litros.
• Se uma pessoa escova os dentes em cinco minutos com a torneira não muito aberta, gasta 12 litros de água. No entanto, se molhar a escova e fechar a torneira enquanto escova os dentes e, ainda, enxaguar a boca com um copo de água, consegue economizar mais de 11,5 litros de água.
• Ao lavar o rosto em um minuto, com a torneira meio aberta, uma pessoa gasta 2,5 litros de água. O mesmo vale para o barbear. Em 5 minutos gastam-se 12 litros de água. Com economia, o consumo cai para 2 a 3 litros.
• Uma bacia sanitária com válvula e tempo de acionamento de 6 segundos gasta de 10 a 14 litros. Bacias sanitárias de 6 litros por acionamento (fabricadas a partir de 2001) necessitam um tempo de acionamento 50% menor para efetuar a limpeza, neste caso pode-se chegar a volumes de 6 litros por descarga. Quando a válvula está defeituosa, pode gastar até 30 litros.
• Lavando a louça com a torneira meio aberta em 15 minutos, são utilizados 117 litros de água. Com economia o consumo pode chegar a 20 litros. Uma lavadora de louças com capacidade para 44 utensílios e 40 talheres gasta 40 litros. O ideal é utilizá-la somente quando estiver cheia.
• A lavadora de roupas com capacidade de 5 quilos gasta 135 litros. O ideal é usá-la somente com a capacidade total.
• Uma piscina de tamanho médio exposta ao sol e à ação do vento perde aproximadamente 3.785 litros de água por mês por evaporação, o suficiente para suprir as necessidades de água potável (para beber) de uma família de 4 pessoas por cerca de um ano e meio aproximadamente, considerando o consumo médio de 2 litros / habitante / dia. Com uma cobertura (encerado, material plástico), a perda é reduzida em 90%.
Bye bye, água
A agricultura é o setor que mais consome água no país, cerca de 59%. O uso doméstico e o setor comercial consomem 22% e o setor industrial fica por último com 19% do consumo.
Em 2004, segundo o IEA (Instituto de Economia Agrícola), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, nas exportações de carne bovina realizadas pelo Brasil, o maior exportador mundial de carnes, foram utilizados cerca de 14 trilhões de litros de água. Pela carne, os exportadores receberam o equivalente a US$ 1,970 bilhão.
No mesmo período, nas exportações de carne de galos e galinhas foram utilizados cerca de 6 trilhões de litros de água. Da mesma forma, pela carne, os exportadores receberam o equivalente a US$ 801,8 milhões.
Somados estes dois itens da pauta de exportações foram necessários quase 20 trilhões de litros de água para obter cerca de US$2,771 bilhões. Será que vale o câmbio?
Segundo David Pye, Presidente da Sociedade Vegetariana do Reino Unido, grandes quantidades de água são consumidas por hectare de plantação. Um hectare de milho consome 4 milhões de litros de água durante o crescimento, enquanto outros 2 milhões de litros evaporam no solo. Grãos de soja precisam de 4,6 milhões de litros de água por hectare e o trigo precisa de 2,4 milhões de litros por hectare. Mas, que efeito isso tem na produção de animais? “Um quilograma de proteína animal leva centenas de vezes mais água para ser produzido do que um quilo de proteína vegetal. A produção de 1kg de carne requer 100kg de forragem e 4kg de grãos. Isso equivale entre cem e duzentos mil litros de água”, afirma David Pye.
Dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) revelam que são necessários 35 litros de água por dia para sustentar um boi e de 90 litros por dia para sustentar uma vaca leiteira (fonte: Natürlich Vegetarisch e EarthSave Magazine - Primavera 2000).
Os números variam e inúmeras são as maneiras de dizer quanto de água estamos jogando, literalmente, pelo ralo, mas há algo em comum: as necessidades indiretas são responsáveis por uma grande parcela do consumo. São necessários, por exemplo:
- 1.900 litros de água para produzir 1 Kg de arroz
- 3.500 litros de água para produzir 1 Kg de carne de frango
- 10.000 litros de água para produzir 1 Kg de carne de boi
- 150.000 litros de água para produzir 1 automóvel de passeio
- 280.000 litros de água para produzir 1 tonelada de aço
(Por Naná Prado, Mercado Ético, Envolverde, 23/10/2008)
Fonte: Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades (ano base: 2004). Medidas 50m x 25m x 2m, volume de 2.500 metros cúbicos
*Os dados para o estudo do ISA foram fornecidos pelas concessionárias prestadoras dos serviços para o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades (ano base: 2004).
** Com informações do Ipea.