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movimentos sociais direitos humanos
2008-10-24

Durante debate de lançamento nacional do “Tribunal popular: o Estado brasileiro no banco dos réus”, movimentos e entidades relataram casos de criminalização, repressão e extermínio de pobres

Movimentos sociais e organizações ligadas à luta por direitos humanos realizaram, na quarta-feira (22), um debate na Faculdade de Direito da USP que marcou o lançamento nacional do “Tribunal Popular: o Estado Brasileiro no Banco dos Réus”. Cerca de 200 pessoas compareceram ao debate, que teve como tema: “O Estado Brasileiro contra os que lutam por Moradia: movimentos sem-teto, comunidades despejadas e população em situação de rua”.

A atividade se insere no calendário proposto pelo Tribunal Popular, que antes de realizar suas principais sessões nacionais – entre os dias 4 e 6 de dezembro -, ainda realizará em São Paulo dois outros debates preparatórios: o próximo sobre a criminalização de estudantes e do movimento estudantil, que deverá acontecer dia 7 de novembro na mesma faculdade; e o último que abordará a negação de direitos formalmente conquistados por indígenas e quilombolas, bem como a criminalização da luta pela garantia de tais direitos e pela defesa do meio-ambiente. Uma série de outras atividades similares já está acontecendo em outros estados do país, como Rio de Janeiro e Bahia (mais informações em www.tribunalpopular.blogspot.com).

No debate desta quarta-feira, a grande maioria das intervenções foram consensuais quanto à crescente violência do estado democrático de direito brasileiro e de seus agentes contra a população mais pobre do país, sobretudo a juventude negra.

Os diversos relatos acerca de violações trataram da utilização do aparato de dominação (institucional, militar, midiática), que tem no estado brasileiro seu símbolo mais emblemático, com vistas à defesa da acumulação material de poucos. E visando à estigmatização, criminalização, repressão e extermínio propriamente dito de todos aqueles considerados descartáveis pelos donos do poder – justamente a maioria da população, da qual tal estado ao menos formalmente se proclama representante e legítimo defensor.

Em nome da Aliança Pela Vida, organização que reivindica os direitos da população em situação de rua, localizada sobretudo no centro de São Paulo, Ricardo Mattos e Róbson Mendonça abriram a discussão traçando um quadro calamitoso quanto às condições de sobrevivência e resistência da população em situação de rua, agravado a lógica da “revitalização do centro” passou a imperar na região.

Róbson e Ricardo questionaram, assim, quais seriam os motivos para as festivas celebrações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, em âmbito global, e dos 20 anos da Constituição Brasileira ao nível nacional, em meio a tanto descaso e violência cotidiana contra uma população já tão violentada historicamente.

Gegê, da Central de Movimentos Populares (CMP) e do Movimento de Moradia do Centro (MMC), além de dar um testemunho pessoal da perseguição política sofrida ao longo dos últimos anos (incluindo alguns meses de prisão), procurou chamar a atenção para os limites do estado burguês, em especial no que se refere à realização dos direitos sociais anunciados em leis e sinalizados por candidatos a seus cargos e postos institucionais. “De que adianta eleger Pedro, Severino ou Maria ao parlamento e ao executivo, ainda que estes se digam representantes do tal campo democrático-popular, se para chegarem lá e ao chegarem lá não podemos contar com eles? Não devemos concentrar todas nossas forças na disputa eleitoral!”, defendeu ele, às vésperas do segundo turno das próximas eleições municipais.

Daniel Laje, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), abordou o significado da proposta de um “tribunal popular” em tempos de crise profunda do capitalismo. Em primeiro lugar, perguntou: “o que significa pensar os termos de um tribunal popular e de uma condenação do estado brasileiro se historicamente tais termos (“tribunal”, “justiça”, “condenação” etc) sempre nos foram transmitidos por esse próprio estado e por aqueles que queremos julgar? Termos geralmente contrários a nós mesmos...”.

Laje apresentou exemplos cotidianos: “quando ocupamos um latifúndio urbano ocioso, a polícia vem imediatamente cumprir a reintegração de posse em nome da lei; quando não pagamos nosso aluguel, o oficial de justiça vem nos despejar em nome do contrato assinado com o proprietário; mas quando pessoas estão morrendo pela falta de um teto, nem a polícia nem o oficial de justiça vai bater na porta do grande proprietário cujo terreno não cumpre sua função social prevista na Constituição”. No mesmo sentido,disse: “qual, portanto, o profundo significado da concepção de uma verdadeira justiça popular? É possível pensá-la nos marcos deste estado? Quais os potenciais deste Tribunal, ainda mais em tempos de crise?”, concluiu, ressaltando que a iniciativa pode ser um importante espaço de articulação e unificação das diversas lutas atuais, já que quase todos os movimentos sociais e seus militantes têm sofrido violações.

Paula Takada, do movimento Favela Atitude, da comunidade Real Parque em São Paulo - que teve cerca de 70 famílias despejadas recentemente numa violenta operação militar articulada pela Empresa Metropolitana de Águas e Energia, suposta proprietária do terreno, junto aos governos Kassab e Serra -, iniciou sua intervenção na mesma linha de Daniel. Destacando o caráter arbitrário da legislação, no que se refere às circunstâncias e interesses envolvidos em cada caso, analisou: “começa pelo caráter da empresa, EMAE, que é juridicamente uma empresa mista, público-privada, e que portanto ora atua como empresa pública, ora como particular, sempre conforme seus interesses privados na verdade”.

Takada exibiu um contundente vídeo, “Na Real do Real” (Favela Atitude, 2007, 10 min), sobre o despejo violento da comunidade e a resistência da população frente a abusos. Como, por exemplo, a simultânea e desabusada construção da famosa Ponte Estaiada, que consumira rios de dinheiro para virar o mais novo cartão-postal da cidade, bem em frente à favela que é alvo cotidiano de violência, como aconteceu durante aquele despejo. Para concluir sua intervenção, bem no espírito do Tribunal, Paula fez a seguinte pergunta feita noutra ocasião por um parceiro seu, morador da Brasilândia: “por que violentar ainda mais essa população já condenada à vida?”.

(Brasil de Fato, 23/10/2008)


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