As lendárias reclamações paraguaias sobre o direito de comercializar a um preço justo seu excedente energético de Itaipu, e a vendê-lo a outros países, avançam, pela primeira vez com perspectivas favoráveis, segundo destacam seus representantes.
Comissões técnicas do Brasil e Paraguai, co-proprietários da hidrelétrica, iniciaram o diálogo a pedido dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, reunidos em Brasília em 17 de setembro.
A primeira jornada de negociações, efetuada na última semana desse mês, deu abertura à criação de duas subcomissões: uma de estudos energéticos, que analise a livre disponibilidade da energia e o preço justo reclamado por Assunção; e outra financeira, que examine a dívida que a central mantém com a empresa brasileira de eletricidade Eletrobrás.
Ricardo Canese, chefe da equipe paraguaia, disse que espera os primeiros resultados destes encontros no começo de 2009.
As comissões técnicas se comprometeram com a construção de uma sub-estação elétrica de 18 milhões de dólares, que permitirá ao Paraguai receber e distribuir o total da energia que lhe corresponde.
Também acordaram o início de um estudo de viabilidade para levar a cabo obras que permitam a navegação total sobre o rio Paraná, dificultada pela hidrelétrica. Ambas comissões apresentaram um informe em 27 de outubro.
O diretor paraguaio da represa, Carlos Mateo Balmelli, assegurou que as autoridades do país vizinho concordaram com duas das reclamações.
O Paraguai utiliza somente 5% da cota de energia que lhe corresponde. O excedente deve ser comercializado com o Brasil a um preço estabelecido no tratado firmado em 1973, e não de acordo com o que rege hoje no mercado internacional.
“O Paraguai não vem pedir nenhum tipo de privilégios. O que queremos é que a energia produzida pela hidrelétrica seja vendida pela Administração Nacional de Eletricidade (ANDE) dentro do Brasil. Isso seria muito importante para o Paraguai”, explicou Balmelli.
O funcionário e sua equipe conversaram com os executivos das empresas Tradener e Tractevel, ambas comercializadoras de energia no mercado de São Paulo.
Alguns dos empresários paulistas – acrescentou Balmelli – mostraram interesse em construir, no futuro, outras represas hidrelétricas de menor envergadura que Itaipú para aproveitar o patrimônio aqüífero paraguaio.
Encontro Lula-Lugo
Ao fim de um encontro de mais de três horas com Lula, Lugo abriu novas possibilidades aos pedidos de modificação do Tratado de Itaipu, que proíbe o Paraguai de vender a outra nação a energia que não utiliza. “Não há contradições”, assegurou, em alusão a busca de um acordo mais justo pela energia que gera a entidade.
Segundo o presidente, o Brasil está disposto a falar sobre os temas sem nenhuma dificuldade.
A usina, localizada sobre o rio Paraná, a 350 quilômetros a leste de Assunção, gera cerca de 20% da eletricidade que o Brasil consome.
O Tratado firmado em 1973 estabelece a divisão igualitária da energia e obriga o Paraguai a vender todo o seu excedente (quase 95%) com exclusividade ao Brasil.
O Paraguai recebe cerca de 300 milhões de dólares ao ano por essa energia excedente, mas Lugo considera “segundo o preço de mercado – o pagamento justo tem que chegar a 2 bilhões de dólares, ou seja, entre cinco e sete vezes o valor atual”.
Através dos anos, o Brasil têm mantido a postura de que esse assunto deve ser discutido a partir de 2023, quando vence o tratado.
Agora, Lugo deixou claro que “o tema de Itaipú instalou-se definitivamente na opinião pública e não retrocederemos. Já tenho falado com Lula, com seu ministro Celso Amorim e com outras autoridades brasileiras”.
Transparecer os gastos
Como uma novidade em mais de 20 anos de exploração e administração comum, o vice-presidente paraguaio, Frederico Franco, assegurou que os gastos sociais da entidade sobre o rio Paraná poderão ser revisados pelos organismos de controle do Estado, seja o Congresso ou a Controladoria Geral.
A intenção de transparecer os gastos sociais se mantém firme; nunca um diretor paraguaio chegou até o legislativo para explicar as atividades da instituição, manifestou.
Também Yacyretá
O presidente eleito colocou entre as propriedades do governo que iniciou em 15 de agosto a recuperação do poder de decisão do Paraguai sobre a energia que se produz tanto em Itaipú como em Yacyretá, o complexo hidrelétrico que compartilha com a Argentina.
Buenos Aires e Brasília impuseram cláusulas nos convênios para a construção das respectivas represas, que regulam o uso da energia e impedem ao Paraguai beneficiar-se do consumo.
Contudo, não existe documento que respalde a descomunal dívida acumulada desde o início da construção na década de 70.
Segundo cálculos elaborados no centro da campanha da Aliança Patriótica para a Mudança, o Paraguai importa bilhões de dólares em conceito de hidrocarbionetos.
No entanto, os rendimentos produzido da represa de Itaipú só alcança 400 milhões de dólares. “34 anos de entrega, de doação, reclamamos o justo para o Paraguai, o faremos assim amanhã, passado”, expressou Lugo.
No caso da entidade que compartilha com a Argentina e que ainda se encontra em construção, o Paraguai só utiliza entre dois e cinco por cento.
Reverter a injusta situação dos corruptos acordos das grandes fontes de energia – como assinalou Stella Calloni em um artigo publicado pelo La Jornada – beneficiará a unidade sul-americana.
“Sigo sonhando, como seguramente o terão feito esses grandes sonhadores que foram Bolívar, San Martín e outros tantos, com uma América Latina unida e irmã”, revelou Lugo.
(Por Carmen Moreno, Brasil de Fato, 20/10/2008)