Se o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir demarcar a Raposa Serra do Sol em 'ilhas', a discussão sobre os direitos constitucionais do povos indígenas perderia sentido. É o que avaliou Subprocuradora Geral da República e Coordenadora da 6a Câmara de Comissão e Revisão do Ministério Público Federal, Dra. Deborah Duprat, durante seminário que ocorreu no auditório da Reitoria na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), terça-feira, 21 de outubro. Essa também é a preocupação dos debatedores e participantes do evento que discutiu a Constituição Federal (CF) no marco dos seus 20 anos de promulgação.
Os avanços legais conquistados pelos povos indígenas estão sofrendo ataques constantes nas três esferas do Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário). Os mesmos interesses que pressionam o Executivo para não demarcar terras indígenas, tentam alterar o texto constitucional e impedir a aprovação do Estatuto dos Povos Indígenas, bem como buscam confirmar suas teses no Judiciário. Essa foi a preocupação manifestada pelo advogado indigenista e assessor jurídico do Cimi Paulo Machado Guimarães. Por outro lado, os indígenas presentes no evento reclamaram que mesmo os direitos garantidos na Constituição Federal não são aplicados na prática. Não tenho visto muitas mudanças. O que conseguimos foi com muita briga, com muita luta de nossa comunidade. Mas, apesar da luta, a demarcação de nossa terra continua paralisada. Já são 15 anos de luta, declarou o professor indígena e diretor da escola La Klãno José Cuzun Ndilli do Povo Xokleng, palestrante no evento. As mesas contaram também com a presença dos indígenas Hyrl Moreira, cacique e coordenador da Comissão Nhemonguetá; Marcos Djekupe, professor do povo Guarani; Valmor de Paula, professor do povo Kaingang; Dra. Analucia Hartamnn, da Procuradoria da República em Santa Catarina e da antropóloga da UFSC Dra. Maria Dorothea Post Darella.
Foi unânime a constatação de que as conquistas indígenas na Constituição Federal significam uma mudança profunda da perspectiva da transitorialidade e da tutela para uma noção de autonomia indígena e pluralidade da sociedade brasileira. Todavia, foi unânime também a constatação de que esses direitos estão seriamente ameaçados e correndo o risco de serem radicalmente modificados pelo STF. Também se constatou que, em termos práticos, a CF pouco avançou na vida das comunidades, a exemplo da demarcação das terras que deveria ter sido concluídas em 1993, conforme estabelece o Art. 67 das Disposições Constitucionais Transitórias. O pouco que foi conquistado deveu-se muito mais da luta dos povos indígenas do que propriamente da ação efetiva do Estado Brasileiro.
O seminário foi organizado pela Comissão Guarani Nhemonguetá; Comissão de Apoio aos Povos Indígenas/Capi; Conselho Indigenista Missionário/Cimi Regional Sul; Conselho de Missão junto com Povos Indígenas/Comin; Departamento de Antropologia/Nepi, Departamento de História/Labhin, Departamento de Direito/Gepaju e Museu Universitário/Secarte da UFSC. Participaram do evento cerca de 200 pessoas entre indígenas, estudantes, professores, pastorais sociais, movimentos sociais, representantes de parlamentares e organizações governamentais e não governamentais além de amigos e simpatizantes da causa indígena.
Além da profunda análise o seminário apontou a necessidade de se continuar debatendo esse tema e, especialmente, manter a vigilância dos direitos indígenas. As investidas dos setores antiindígenas significam ameaças reais, mas o que poderá detê-los é o movimento indígena organizado e o apoio da sociedade não-indígena.
(Cimi, 22/10/2008)