A Comissão Quilombola das Comunidades Rurais do Território Sapê do Norte do Estado reúne-se com representantes do Ministério Público Federal (MPF), nesta quinta-feira (23), em audiência pública, para discutir a lentidão dos processos de reconhecimento dos territórios tradicionais no Estado, assim como a criminalização do movimento, por processos e ameaças.
Essas comunidades lutam há anos pelo reconhecimento de suas terras, e atualmente sofrem com a luta da Aracruz Celulose para anular a certidão que reconhece os quilombolas do Estado como comunidades tradicionais, como faz a empresa sobre Linharinho.
Com a audiência, convocada pelo próprio MPF, a expectativa é que o órgão fique a par da situação vivida pelos negros, contribua para a proteção dessas comunidades e agilize os processos de reconhecimentos de áreas tradicionais no Estado.
O conflito entre a Aracruz Celulose e as comunidades quilombolas é um dos maiores e mais fortes empecilhos para que os negros consigam retomar suas vidas. A empresa, através de favores dos governos da ditadura militar, ocupou grande parte do território dos descendentes dos escravos negros, donos, por direito, do antigo território de Sapê do Norte, formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.
Apenas 39 comunidades das centenas que haviam na região resistem em suas terras, em meio aos eucaliptais. Além de não terem meios de subsistência, os quilombolas sofrem violência da empresa, através de sua milícia armada, processos judiciais movidos de forma individual e ameaças.
A situação é extremamente angustiante e chegou a motivar uma visita do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) à região. Sem a água, consumida em grande quantidade pelos eucaliptos da empresa, e sem a terra fértil para o plantio de alimentos, o problema é cada vez mais grave. Apenas sete comunidades que resistiram na região recebem cestas básicas.
E não são só os quilombolas que estão submetidos a uma vida miserável devido ao controle da empresa no Estado. Com o conflito, funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsáveis por acompanhar os processos de titulação dos territórios quilombolas em Conceição da Barra e São Mateus, no norte do Estado, também já foram ameaçados.
A denúncia, feita em agosto deste ano, ressalta a ameaça de morte por parte de membros do Movimento Paz no Campo, formado por fazendeiros e empresas, entre elas a Aracruz Celulose. Também sofrem com a coação da empresa os apoiadores dos movimentos sociais.
Nesse contexto, os quilombolas do norte capixaba querem agilidade no processo de titulação do seu território. Cobram informações do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf) sobre as terras devolutas em seu território. É que a identificação das terras devolutas facilita o processo de titulação, trabalho realizado pelo Incra.
Ao Idaf cabe identificar as áreas devolutas do Estado. Estas áreas são conhecidas, mas o governo não repassa as informações nem para outros órgãos públicos, inclusive ao Ministério Público, órgão que fiscaliza o cumprimento das leis. Não repassa, pois as terras devolutas por lei devem ser destinadas à reforma agrária, mas estão ocupadas por empresas como a transnacional Aracruz Celulose.
A audiência que discutirá toda a situação de conflito e miséria imposta aos quilombolas com a ocupação de suas terras será discutida na Faculdade Unisam, localizada na Rod. Othavarino Duarte Santos, km2, em São Mateus.
(Por Flavia Bernardes, Século Diário, 23/10/2008)