As novas licenças a serem fornecidas pela FEPAM para as atividades de silvicultura no Estado deverão obedecer aos critérios gerais propostos por técnicos da Fundação Zoobotânica. A decisão é da 4ª Câmara Cível do TJRS, em decisão unânime, desta tarde (22/10). As licenças já expedidas continuam em vigor.
A Desembargadora Agathe Elsa Schmidt da Silva, relatora, considerou que a ausência de limites objetivos no zoneamento ambiental aprovado no âmbito do Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA, “é efetivamente preocupante, já que o esvazia como instrumento de orientação do processo de licenciamento”.
Afirmou que na ausência de outros limites, os propostos pela equipe de técnicos da Fundação Zoobotânica são efetivamente os mais adequados – “os únicos que atendem ao dever de proteção ao meio ambiente”. O Colegiado aplicou os princípios da precaução, prevenção e do desenvolvimento sustentável.
A decisão apreciou recurso de agravo interposto pelo Ministério Público contra decisão do Juiz de Direito da 4ª Vara da Fazenda Pública Almir Porto da Rocha Filho, que havia deferido em parte os pedidos liminares da Ação Civil Pública. A ação principal continua tramitando no 1º Grau.
A decisão terá efeito até que sejam aprovados limites objetivos ao zoneamento ambiental pelo plenário do CONSEMA ou a ação seja finalizada.
Os Desembargadores João Carlos Branco Cardoso, que presidiu o julgamento, e Alexandre Mussoi Moreira, acompanharam o voto da relatora.
Veja notícia anterior:
Conselho do Meio Ambiente avaliará diretrizes para o
licenciamento da silvicultura elaboradas por técnicos da FZB
Abaixo, a íntegra da decisão da 4ª Câmara Cível, de 33 páginas:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. SILVICULTURA. UNIDADES DE PAISAGENS NATURAIS (UPN´S) EXCLUDENTES. INEXISTÊNCIA DE RISCOS AMBIENTAIS COM A SIMPLES EXPEDIÇÃO DE LICENÇAS PRÉVIAS. AUSÊNCIA DE LIMITES OBJETIVOS NO ZONEAMENTO AMBIENTAL. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRECAUÇÃO.
DA PROIBIÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE LICENÇAS PRÉVIAS NAS UPN´S DITAS EXCLUDENTES. Em que pese sua inequívoca importância, a licença prévia não autoriza nenhuma forma de modificação do meio ambiente, possibilitando apenas a prática de atos de planejamento pelo empreendedor. Assim sendo, não se consubstanciando riscos ao meio ambiente com a simples expedição de licença prévia, não há falar em necessidade de prolação de um comando decisório proibitivo.
DA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS LIMITES PROPOSTOS PELOS TÉCNICOS DA FUNDAÇÃO ZOOBOTÂNICA (FZB) NAS FUTURAS LICENÇAS A SEREM EXPEDIDAS PELA FEPAM. O zoneamento ambiental atento ao direito fundamental ao meio ambiente, previsto nos artigos 170, inciso VI, e 225 da Constituição Federal, é aquele que identifica as limitações ambientais, apresentando uma matriz de vulnerabilidade. Sua função precípua é mapear regiões, apresentando diretrizes de macroestrutura regional a serem consideradas no momento do licenciamento ambiental. Esse é seu núcleo substancial, sua razão de ser e existir.
O zoneamento ambiental aprovado pelo CONSEMA, não contemplou limites numéricos ao plantio em nenhuma das Unidades de Paisagens Naturais, o que está a indicar a sua inconsistência, com reflexos na Resolução nº. 178/2008 do CONSEMA.
O fato de existirem dúvidas científicas consistentes acerca dos efeitos ambientais da silvicultura autoriza a aplicação do princípio da precaução, que tem assento constitucional.
Em razão disso, afigura-se temerário e demasiadamente arriscado deixar exclusivamente ao arbítrio dos técnicos da FEPAM a aferição acerca das limitações ambientais, até porque as análises que são por eles realizadas não consideram as regiões como um todo, limitando-se a examinar as áreas específicas apontadas pelos empreendedores.
Assim, na defesa do interesse preponderante em discussão, considerada a verossimilhança das alegações da inicial e o fundado receio de dano irreparável, tem-se que deverá o réu arcar com o ônus do tempo do processo até que seja possível exaurir as alegações postas em juízo.
Por conseqüência, a FEPAM deverá se abster de emitir licenças sem a observância dos limites propostos pelos técnicos da FZB, até que sejam conferidos limites objetivos ao zoneamento ambiental pelo plenário do CONSEMA. Em caso de descumprimento, a FEPAM arcará com multa de R$ 10.000,00 por licença expedida.
DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME.
Agravo de Instrumento
Quarta Câmara Cível
Nº 70025340027
Comarca de Porto Alegre
MINISTERIO PUBLICO
AGRAVANTE
FUNDACAO ESTADUAL DE PROTECAO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER - F
AGRAVADO
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
INTERESSADO
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar parcial provimento ao agravo de instrumento.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. João Carlos Branco Cardoso (Presidente) e Des. Alexandre Mussoi Moreira.
Porto Alegre, 22 de outubro de 2008.
DESA. AGATHE ELSA SCHMIDT DA SILVA,
Relatora.
RELATÓRIO
Desa. Agathe Elsa Schmidt da Silva (RELATORA)
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO em face da decisão prolatada nos autos da ação civil pública movida contra FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER – FEPAM, em que se busca estabelecer limites à prática de silvicultura no Estado do Rio Grande do Sul – limites de plantio por UPN´s e de tamanhos e distância entre maciços florestais, além da exclusão das UPN´s DP6, PC6, PL6 e PL8.
Após a realização de audiência de justificação prévia (fls. 222-74), o julgador de origem, Dr. Almir Porto da Rocha Filho, determinou a inclusão do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL no pólo passivo da demanda (fl. 24) e deferiu parcialmente a antecipação dos efeitos da tutela, nos seguintes termos:
“Quanto ao primeiro item, ou seja, que observe, nas futuras licenças a serem expedidas para a atividade de silvicultura, as diretrizes propostas pela FZB contempladas no documento entregue ao CONSEMA em 04/04/08 (folhas 29-4 do IC) no tocante ao limite de plantios por UPNs e tamanhos e distâncias entre os maciços, tenho que não há condições de ser deferida na forma liminar. A questão merece maior análise, após detida instrução processual, apenas em sentença. Não se pode, em matéria de perquirição sumária como é uma antecipação de tutela, fazer uma profunda limitação a direito da FEPAM e do próprio Estado do Rio Grande do Sul. Isto porque não há qualquer ilegalidade no atuar dos entes que estão no pólo passivo. Não alega o Ministério Público em sua petição inicial qualquer vício de procedimento na tramitação do expediente que acabou resultando na normatização do CONSEMA. Assim, o Judiciário, pelo menos no momento de análise liminar, não deve substituir o ente estatal, adentrando no mérito administrativo de uma decisão de um Conselho formalmente instituído, especialmente porque todos os fatos discutidos neste processo foram objeto de análise durante longo período, com pareceres técnicos, optando por uma das propostas expostas. Assim, no que tange à observação nas futuras licenças das diretrizes propostas pela Fundação Zoobotânica, resta a medida liminar indeferida. No que concerne à pretensão de “que se abstenha de emitir licenças para plantios nas quatro UPNs consideradas excludentes pela FZB, a saber: DP6, BC6, BL6 e PL8, após a leitura do processo durante todo o final de semana, com a sua documentação e a inquirição das testemunhas na data de hoje que durou 7h, das 16h às 23h, tenho que deve ser deferida em parte, considerando, inclusive, a proposta aceita pelo senhor Secretário Estadual do Meio Ambiente, que preside o CONSEMA. Consigno que a questão é eminentemente técnica, e que muitas dúvidas tive desde o início do recebimento da petição inicial. Fui procurado, após pedido de audiência, pelo Secretário Carlos Otaviano, do Meio Ambiente, acompanhado da ilustre Procuradora do Estado que aqui se encontra (consigno que mantive contato com o Ministério Público - Dra. Ana Marchesan - para também oportunizar-lhes audiência, considerando a ilustre Promotora desnecessário) e que expuseram várias razões de angústia em relação à presente ação. Inclusive, dentre outras, a questão econômico/financeira do Estado do Rio Grande do Sul, pois eventual liminar poderia afetar empreendimentos de relevo que estão em tratativas ou em andamento e que podem atingir R$ 10.000.000.000,00. Tudo isso deve ser levado em conta num Estado que sofre, há décadas, economicamente. Mas não se pode esquecer das questões ambientais e do futuro das próximas gerações. Assim, considerando que será levada a proposta da Fundação Zoobotânica para análise no CONSEMA, defiro em parte a liminar pretendida quanto às zonas excludentes para vedar qualquer nova emissão de licenças de instalação e operação até que seja novamente decidida a matéria no plenário do CONSEMA. Em suma, licenças prévias podem ser emitidas, pois meras propostas, mas sem qualquer emissão de novas licenças de instalações ou operações, não atingindo a presente liminar, licenças de instalação ou operações que já tenham sido emitidas e que envolvam as áreas excludentes. Quanto ao pedido de multa, fixo o valor de R$ 10.000,00 por licença expedida a contar de amanhã, pois alguma pode ter eventualmente sido hoje emitida, no que concerne à instalação ou operação. Ficam os presentes intimados. Passa a fluir a partir de amanhã, primeiro dia útil seguinte, o prazo de contestação para a FEPAM e para o Estado do Rio Grande do Sul”. (fls. 24-6 destes autos).
Em suas razões recursais (fls. 04-20), o agravante, de início, irresigna-se com a permissão de expedição de licenças prévias nas UPN´s ditas excludentes. Assevera que a licença prévia é a etapa em que se reconhece a viabilidade ambiental do empreendimento, a partir da análise da compatibilidade com o Zoneamento Ambiental e com o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (artigo 225, § 1º, IV, da CF). Alega que, se as UPN´s são excludentes, não há razão para gerar a expectativa no empreendedor de obter licenças para plantio. Salienta que a licença prévia não pode ser enfrentada como mera proposta, já que se trata da fase em que serão avaliadas a localização e concepção do empreendimento. Requer, no tópico, a reforma da decisão agravada, para determinar à FEPAM que se abstenha de emitir licenças prévias nas UPN´s consideradas excludentes pela Fundação Zoobotânica (DP6, PC6, PL6 e PL8), sob pena de cominação de multa. Por outro lado, insurge-se contra o indeferimento da medida antecipatória em relação à alegada necessidade de observância dos limites propostos por técnicos da FZB, nas futuras licenças expedidas pela FEPAM nas demais UPN´s. Invoca os princípios constitucionais da precaução e prevenção, bem como os artigos 225, § 1º, IV e V, da CF/88 e 2º, I a VII, 4º, 9º, I a IV, todos Lei nº. 6.938/81. Salienta que a ausência de limites para o plantio configura ilegalidade, que deve ser controlada pelo Poder Judiciário. Sustenta que há descontrole na expedição de licenças por parte da FEPAM, nos termos do inquérito civil anexado aos autos. Aduz que não pretende substituir o zoneamento ambiental aprovado no CONSEMA, mas apenas agregar restrições objetivas ao licenciamento, nos moldes do estudo promovido pelos técnicos da FZB. Relata que a Diretora-Presidente da FEPAM, Ana Pellini, substituiu as representantes da FEPAM na Câmara Técnica de Biodiversidade e Política Florestal do CONSEMA, já que elas eram favoráveis ao estabelecimento de limites ao plantio. Aponta para os testemunhos do Prof. Ludwig Buckup, Glayson Ariel Bencke e Paulo Brack. Defende a plausibilidade do direito sustentado em juízo, bem como a existência de perigo na demora (danos ambientais). Nesses termos, requer a reforma da decisão agravada, inclusive com a concessão da antecipação dos efeitos da tutela recursal.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal restou indeferido, em decisão assim redigida:
“2. Com efeito, não há situação própria a autorizar a adoção de medida antecipatória ao pronunciamento definitivo do colegiado, considerando a existência de diversos posicionamentos técnicos a respeito da temática, diametralmente opostos em alguns casos, diga-se de passagem; o caráter probabilístico e incerto da superveniência de danos ambientais de longo prazo; e, em contrapartida, os interesses sociais e econômicos envolvidos no litígio.
Da análise das razões apresentadas por ambas as partes, observo que há um longo lapso temporal entre a expedição das diversas licenças necessárias à prática da silvicultura, o efetivo plantio e a concretização de resultados apreciáveis ambientalmente, de nocividade controversa.
Nesse contexto, entendo que, ao menos por ora, devem ser prestigiadas as conclusões alcançadas pelo julgador de origem, que se houve com admirável zelo e diligência na condução da audiência de justificação, exercendo de forma irretorquível as funções jurisdicionais que lhe são afeitas, sobretudo diante de uma matéria notadamente técnica e, ainda, distante do cotidiano do Poder Judiciário.
3. Assim sendo, por não visualizar hipótese que justifique a concessão de um provimento excepcional, sem a submissão das razões recursais ao crivo do colegiado, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal”. (fls. 816-7 dos autos).
Intimado, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou suas contra-razões ao agravo de instrumento (fls. 824-81). Em resumo, alega que não há obrigatoriedade da realização do zoneamento ambiental para nenhuma atividade de plantio. Sinala que o zoneamento ambiental não substitui o licenciamento, tampouco o estudo de impacto ambiental. Destaca a importância do EIA/RIMA. Discorre sobre a competência do CONSEMA para definir e aprovar o Zoneamento Ambiental, ressaltando a sua forma de composição. Sustenta a presunção de legitimidade dos atos administrativos e a impossibilidade de o Poder Judiciário adentrar o mérito de atos discricionários. Aponta para o perigo de irreversibilidade na concessão da tutela antecipatória. Defende a ausência de prova inequívoca do direito sustentado em juízo. Junta documentos.
Às fls. 983-1025 dos autos, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler – FEPAM ofertou suas contra-razões ao agravo de instrumento. Em suas razões, em síntese apertada, defende a legalidade dos seus atos administrativos e a legitimidade das decisões do Consema-RS. Sustenta a fragilidade da matriz de vulnerabilidade apresentada pela equipe da FZB, salientando que não se pode reduzir a natureza a números, mormente quando originados de fórmulas matemáticas que não apresentam fundamentação científica. Alega a ausência de danos ambientais provenientes da silvicultura. Refere que a Diretora-Presidente da FEPAM pode avocar funções delegadas aos seus subalternos. Salienta que existem muitas interpretações científicas sobre a matéria, sendo necessário proceder a uma avaliação científica mais acurada, descabida em sede liminar. Alega a inexistência do fumus boni iuris e de periculum in mora.
Às fls. 1028-45, a Procuradoria de Justiça ofertou seu parecer, opinando pelo provimento do recurso.
Assim, vieram-me os autos conclusos para julgamento do agravo de instrumento.
É o relatório.
VOTOS
Desa. Agathe Elsa Schmidt da Silva (RELATORA)
Trata-se de ação civil pública movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO contra FUNDAÇÃO ESTADUAL DE PROTEÇÃO AMBIENTAL HENRIQUE LUIS ROESSLER – FEPAM, em que busca estabelecer limites à prática de silvicultura no Estado do Rio Grande do Sul, pleiteando sejam agregados limites objetivos ao zoneamento ambiental aprovado pelo CONSEMA e excluídas determinadas UPN´s do licenciamento ambiental.
O pedido de antecipação dos efeitos da tutela restou deferido em parte pelo julgador de origem, o qual rejeitou a adoção dos limites de plantio por UPN´s e de tamanhos e distância entre maciços, propostos por técnicos da Fundação Zoobotânica (FZB), tendo, por outro lado, limitado o licenciamento em UPN´s ditas excludentes (DP6, PC6, PL6 e PL8) à expedição de licença prévia.
Em face dessa decisão, o Ministério Público interpôs o presente agravo de instrumento, o qual merece ser conhecido, porquanto preenche todos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.
Passo analisá-lo, na forma como segue:
DA PLEITEADA PROIBIÇÃO DE EXPEDIÇÃO DE LICENÇAS PRÉVIAS NAS UPN´S DITAS EXCLUDENTES.
Eminentes colegas, no particular, cinge-se a controvérsia à extensão dos limites a serem impostos à silvicultura nas UPN´s consideradas excludentes, enumeradas pelos técnicos da Fundação Zoobotânica.
O zoneamento ambiental aprovado pelo CONSEMA não estabeleceu restrições nessas unidades de paisagem natural, relegando a aferição da viabilidade de empreendimentos nessas áreas, às etapas do licenciamento ambiental.
Em razão disso, o ora agravante manejou esta ação civil pública, pretendendo ver excluídas tais UPN´s da prática da silvicultura.
O julgador de origem, entretanto, acolheu em parte a pretensão do Ministério Público, restringindo o licenciamento nas áreas em questão à expedição de licença prévia, impossibilitando o processamento das licenças posteriores, quais sejam, licenças de instalação e de operação, até que a questão seja submetida ao plenário do CONSEMA.
Irresignado, o demandante aviou o presente agravo de instrumento, pretendendo ver estendida a proibição de licenciamento nas UPN´s excludentes também à licença prévia.
Não assiste razão ao agravante.
Não se ignora a importância da licença prévia no processo de licenciamento ambiental. Como bem apontou o ora agravante, não se trata efetivamente de mera proposta, mas de decisiva etapa em que se atesta a viabilidade ambiental do empreendimento e se estabelecem os requisitos básicos a serem observados nas etapas de licenciamento posteriores (instalação e operação).
O art. 8º, I, da Resolução CONAMA nº. 237/97 enuncia a licença prévia como aquela concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação.
Todavia, em que pese sua inequívoca importância, a licença prévia não autoriza nenhuma forma de modificação do meio ambiente, possibilitando apenas a prática de atos de planejamento pelo empreendedor.
Assim sendo, não se consubstanciando riscos ao meio ambiente com a simples expedição de licença prévia, não há falar em necessidade de prolação de um comando decisório proibitivo.
Embora a expedição de eventuais licenças prévias nas UPN´s em tela possa se tornar infrutífera, dependendo do que for decidido no plenário do CONSEMA ou do resultado final desta demanda, o procedimento será realizado exclusivamente por conta e risco do empreendedor. Se desejar agilizar o procedimento de licença prévia nas UPN´s DP6, PC6, PL6 e PL8, poderá fazê-lo, mas por sua conta e risco, já que terá pleno conhecimento de que tais UPN´s poderão ser excluídas do licenciamento ambiental.
Destarte, no pertinente, não merece ser provido o agravo de instrumento.
DA ALEGADA NECESSIDADE DE OBSERVÂNCIA DOS LIMITES PROPOSTOS PELOS TÉCNICOS DA FZB NAS FUTURAS LICENÇAS A SEREM EXPEDIDAS PELA FEPAM.
Postula o agravante a concessão de antecipação dos efeitos da tutela, para que seja determinada, à FEPAM, a abstenção de emissão de licenças ambientais que não observem os limites propostos pelos técnicos da Fundação Zoobotânica, considerando a ausência de parâmetros objetivos no zoneamento ambiental aprovado pelo CONSEMA.
Aqui, a meu sentir, tem razão o agravante.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXV, consagrou o princípio da proteção judiciária, também chamado de princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. De tal princípio, desponta não apenas a garantia do acesso universal à justiça, mas também a previsão de que o Poder Judiciário deve assegurar uma tutela adequada e efetiva aos jurisdicionados.
Em outras palavras, o direito fundamental em questão não se resume à mera possibilidade de invocar a jurisdição, mas envolve também a prestação da tutela jurisdicional que efetivamente resolva o litígio, entregando, em tempo razoável, o bem da vida ao legítimo titular do direito substancial defendido em juízo.
Acerca do artigo 5º, inciso XXXV, leciona Kazuo Watanabe[1]:
(...) o art. 5º, inc. XXXV, da Constituição Federal de 1988, que inscreve o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, também conhecido por princípio da proteção judiciária. Dele têm sido extraídos a garantia do direito de ação e do processo, o princípio do juiz natural e todos os respectivos corolários. E tem-se entendido que o texto constitucional, em sua essência, assegura ‘uma tutela qualificada contra qualquer forma de denegação da justiça’, abrangente tanto das situações processuais como das substanciais. (grifou-se).
Com o fito de concretizar o princípio constitucional da proteção judiciária, o legislador infraconstitucional editou a Lei n. 8.952, de 14 de dezembro de 1994, que introduziu no Código de Processo Civil o instituto da antecipação dos efeitos da tutela.
A antecipação dos efeitos da tutela nada mais faz do que otimizar o direito fundamental à efetividade da jurisdição, viabilizando sua preponderância sobre o princípio da segurança jurídica (artigo 5º, LV, da CF/88), tornando possível a satisfação do direito substancial defendido pelo autor, com base em cognição não-exauriente.
Na forma do artigo 273, caput e incisos I e II, o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação, e haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.
Em uma concepção moderna sobre o tema, considera-se a antecipação dos efeitos da tutela um instrumento de distribuição do ônus do tempo do processo. Por força de uma tutela de evidência ou de perigo, procura-se equilibrar a relação entre as partes, transferindo o ônus do tempo do processo para o réu. Em busca da efetividade dos provimentos jurisdicionais, tutela-se a pretensão de maior probabilidade e relevância.
No caso concreto, a tutela almejada pelo agravante é eminentemente de perigo, assentada na hipótese do art. 273, caput e inciso I, do CPC.
Nesse contexto, para solucionar a controvérsia, deve ser percorrido o caminho dos seguintes questionamentos: há prova inequívoca a viabilizar a formação de uma convicção judicial positiva acerca das alegações ventiladas pelo agravante? Em caso positivo, há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação? Quem, nesse diapasão, deverá arcar com o ônus do tempo do processo até que se possa proceder a uma cognição exauriente sobre as alegações postas em juízo?
Pois bem. A necessidade de confecção de zoneamento ambiental no Estado do Rio Grande do Sul para a atividade da silvicultura foi muito debatida pela comunidade científica e mesmo pela opinião pública, em razão da intensa divulgação realizada pela mídia jornalística.
Através da Portaria 048/2004, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul criou um grupo de trabalho, formado por técnicos da FEPAM, FZB e DEFAP, com o propósito de definir diretrizes para o licenciamento da silvicultura, sendo eleito o zoneamento ambiental para tal finalidade.
A exigência do zoneamento ambiental, salienta-se, também foi imposta no “Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta” (fl. 742) firmado entre o Ministério Público Estadual (compromitente), FEPAM (compromissária) e Secretaria de Estado de Meio Ambiente (anuente).
Muitas discussões, inclusive judiciais, foram travadas acerca do temário, especialmente a partir da formulação da primeira versão do zoneamento ambiental da silvicultura, considerado por alguns eficaz na proteção ao meio ambiente e, por outros, excessivamente rigoroso e inviabilizador das atividades econômicas que se pretendiam.
Então, no dia 09 de abril de 2008, o CONSEMA finalmente aprova o zoneamento ambiental da silvicultura, através da Resolução nº. 187/2008.
A discussão que se coloca agora reside na ausência de restrições objetivas, em termos numéricos, no zoneamento ambiental, que acaba por relegar ao licenciamento a aferição das limitações ambientais das Unidades de Paisagens Naturais.
A maioria dos membros do CONSEMA, de composição heterogênea, contendo representantes de diversos segmentos da sociedade, governamentais ou não, optou por não estabelecer índices numéricos que restringissem o licenciamento, levando a efeito tal posicionamento nos momentos derradeiros à votação, em descompasso com as discussões que se propunham até então.
A minoria, irresignada com a forma de condução dos trabalhos, defende a necessidade de se discutir limites objetivos para prática da silvicultura. Essa é a posição encampada pelo Ministério Público na presente ação civil pública.
Com efeito, a importância do zoneamento ambiental como instrumento de gestão ambiental é induvidosa. Por meio dele, é que se estabelecem as diretrizes gerais a serem observadas para utilização racional e harmônica do meio ambiente, identificando, em termos regionais, áreas de maior vulnerabilidade para atividades produtivas.
Édis Milaré leciona[2]:
Superando visões e interesses menores, o zoneamento ambiental é proposto com uma visão preventiva de longo alcance, exatamente porque se ocupa das bases de sustentação das atividades humanas que requisitam os espaços naturais de cunho social - como são o solo, em geral, e os grandes biomas, em especial - para utilização dos seus recursos (que são de interesse coletivo) e o desenvolvimento das atividades econômicas (que não podem se chocar com as exigências ecológicas). (grifou-se).
A teor do artigo 2º, caput e IV, da Lei nº. 6.938/81, o controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras afiguram-se ferramentas necessárias à concretização dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana).
Essa previsão é reafirmada no art. 9º, II, do referido diploma legal, que trata o zoneamento ambiental como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.
Tal dispositivo, por sua vez, foi regulamentado pelo Decreto nº. 4.297, de 10 de junho de 2002, que enuncia, em seu art. 2º, o zoneamento ambiental como instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelecendo medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade ambiental, dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população.
Já no art. 3º do aludido Decreto, restou estabelecido que o zoneamento ambiental tem por objetivo geral organizar, de forma vinculada, as decisões dos agentes públicos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que, direta ou indiretamente, utilizem recursos naturais, assegurando a plena manutenção do capital e dos serviços ambientais dos ecossistemas.
E mais: conforme o parágrafo único do art. 3º do Decreto 4.297/02, o zoneamento ambiental, na distribuição espacial das atividades econômicas, levará em conta a importância ecológica, as limitações e as fragilidades dos ecossistemas, estabelecendo vedações, restrições e alternativas de exploração do território e determinando, quando for o caso, inclusive a relocalização de atividades incompatíveis com suas diretrizes gerais.
Também as exigências contidas nos artigos 11 a 14 do Decreto nº. 4.297/02:
Art. 11. O ZEE dividirá o território em zonas, de acordo com as necessidades de proteção, conservação e recuperação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável
(...).
Art. 12. A definição de cada zona observará, no mínimo:
I - diagnóstico dos recursos naturais, da sócio-economia e do marco jurídico-institucional;
II - informações constantes do Sistema de Informações Geográficas;
III - cenários tendenciais e alternativos; e
IV - Diretrizes Gerais e Específicas, nos termos do art. 14 deste Decreto.
Art. 13. O diagnóstico a que se refere o inciso I do art. 12 deverá conter, no mínimo:
I - Unidades dos Sistemas Ambientais, definidas a partir da integração entre os componentes da natureza;
II - Potencialidade Natural, definida pelos serviços ambientais dos ecossistemas e pelos recursos naturais disponíveis, incluindo, entre outros, a aptidão agrícola, o potencial madeireiro e o potencial de produtos florestais não-madeireiros, que inclui o potencial para a exploração de produtos derivados da biodiversidade;
III - Fragilidade Natural Potencial, definida por indicadores de perda da biodiversidade, vulnerabilidade natural à perda de solo, quantidade e qualidade dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos;
IV - indicação de corredores ecológicos;
V - tendências de ocupação e articulação regional, definidas em função das tendências de uso da terra, dos fluxos econômicos e populacionais, da localização das infra-estruturas e circulação da informação;
VI - condições de vida da população, definidas pelos indicadores de condições de vida, da situação da saúde, educação, mercado de trabalho e saneamento básico;
VII - incompatibilidades legais, definidas pela situação das áreas legalmente protegidas e o tipo de ocupação que elas vêm sofrendo; e
VIII - áreas institucionais, definidas pelo mapeamento das terras indígenas, unidades de conservação e áreas de fronteira.
Art. 14. As Diretrizes Gerais e Específicas deverão conter, no mínimo:
I - atividades adequadas a cada zona, de acordo com sua fragilidade ecológica, capacidade de suporte ambiental e potencialidades;
II - necessidades de proteção ambiental e conservação das águas, do solo, do subsolo, da fauna e flora e demais recursos naturais renováveis e não-renováveis;
III - definição de áreas para unidades de conservação, de proteção integral e de uso sustentável;
IV - critérios para orientar as atividades madeireira e não-madeireira, agrícola, pecuária, pesqueira e de piscicultura, de urbanização, de industrialização, de mineração e de outras opções de uso dos recursos ambientais;
V - medidas destinadas a promover, de forma ordenada e integrada, o desenvolvimento ecológico e economicamente sustentável do setor rural, com o objetivo de melhorar a convivência entre a população e os recursos ambientais, inclusive com a previsão de diretrizes para implantação de infra-estrutura de fomento às atividades econômicas;
VI - medidas de controle e de ajustamento de planos de zoneamento de atividades econômicas e sociais resultantes da iniciativa dos municípios, visando a compatibilizar, no interesse da proteção ambiental, usos conflitantes em espaços municipais contíguos e a integrar iniciativas regionais amplas e não restritas às cidades; e
VII - planos, programas e projetos dos governos federal, estadual e municipal, bem como suas respectivas fontes de recursos com vistas a viabilizar as atividades apontadas como adequadas a cada zona. (grifou-se).
No mesmo sentido de tais disposições, o Código Estadual do Meio Ambiental – Lei nº. 11.520/00 – consagra o zoneamento ambiental como instrumento da Política Estadual do Meio Ambiente (art. 15, IV) e, em seu artigo 16, estabelece que os programas governamentais de âmbito estadual ou municipal destinados à recuperação econômica, incentivo à produção ou exportação, desenvolvimento industrial, agropecuário ou mineral, geração de energia e outros que envolvam múltiplos empreendimentos e intervenções no meio ambiente, em especial aqueles de grande abrangência temporal ou espacial, deverão obrigatoriamente incluir avaliação prévia das repercussões ambientais, inclusive com a realização de audiências públicas, em toda a sua área de influência e a curto, médio e longo prazos, indicando as medidas mitigadoras e compensatórias respectivas e os responsáveis por sua implementação (grifou-se).
Os dispositivos infraconstitucionais transcritos reconduzem à Constituição Federal, visando a assegurar a concreção do direito fundamental ao meio ambiente (artigo 170, VI, e 225, caput e incisos).
Deveras, o zoneamento ambiental atento ao direito fundamental ao meio ambiente, previsto nos artigos 170, inciso VI, e 225 da Constituição Federal, é aquele que efetivamente identifica as limitações ambientais, apresentando uma matriz de vulnerabilidade. Sua função precípua é mapear regiões, apresentando diretrizes de macroestrutura regional a serem consideradas no momento do licenciamento ambiental. Esse é seu núcleo substancial, sua razão de ser e existir.
O zoneamento ambiental aprovado pelo CONSEMA, no entanto, não contemplou limites numéricos ao plantio em nenhuma das Unidades de Paisagens Naturais.
A meu ver, tais circunstâncias estão a indicar a inconsistência do zoneamento ambiental aprovado e, por conseqüência, da Resolução nº. 178/2008 do CONSEMA. E mais: são suficientes para afastar a alegação de que a limitação proposta pelo agravante encontra óbice na ausência de obrigatoriedade do zoneamento ambiental.
Veja-se que a Presidente da FEPAM, Ana Maria Pellini, em seu depoimento, assim justifica a desnecessidade de adoção de limites objetivos no zoneamento ambiental (fl. 226):
A nossa idéia é continuar estes estudos, aprimorar este zoneamento, que nunca estará pronto, ele é um instrumento dinâmico, tem sempre que aprimorar, novas tecnologias, novas informações e aí, com base nesses novos dados que se tem, definir restrições talvez mais consideráveis. (grifou-se).
Mais à frente assim assevera (fls. 227 e 229):
“Não adianta nada a gente querer aprimorar o zoneamento sem saber a situação hoje. Então, está em tramitação a contratação de uma empresa para fazer um inventário novo no Estado, especialmente nos Campos de Cima da Serra, que nos preocupam muito e lá sim, se a gente aqui acha que não é o melhor lugar e que tem outras alternativas, o pessoal está plantando clandestinamente. A gente quer fazer este inventário e tomar providências mais rígidas em relação a isto.
(...).
Tem um limite, mas não é um limite matemático. A primeira coisa é o inventário. Sem o inventário do que está plantado ninguém pode fazer nada, nem o Ministério Público. Nós não sabemos. Não sabemos quanto e como é a área plantada e como estão manejando. Ninguém sabe e eu até, uma vez estive no Ministério Público e pedi ajuda para compartilhar recursos, porque isto é uma coisa cara e a gente não vai conseguir nenhum controle efetivo se a gente não partir do inventário do que está existente, uma vez que esta atividade está no Estado há cem ou mais. Feito isto, aí sim, com os monitoramentos que já estão instalados, vamos poder começar a estabelecer os limites por unidade de paisagem, caso a caso e com dados concretos, ou seja, não é eu acho que só suporta 10%. (grifou-se).
Como se vê, há uma aparente tendência de subverter o princípio da precaução. Ao invés de adotar critérios mais restritivos à prática da silvicultura para, após o aprimoramento dos estudos, flexibilizá-los, como recomendaria o referido princípio, deixou-se de estabelecer limites objetivos para, em um futuro incerto, com maior embasamento científico, defini-los.
Por outro lado, os administradores são sabedores que apenas com um inventário será possível estabelecer um controle efetivo sobre a atividade da silvicultura, mas, mesmo assim, têm licenciado empreendimentos de alto impacto ao meio ambiente.
Não há como sustentar que a preocupação externada pelo Ministério Público é desarrazoada. Seus argumentos são consistentes e trazem questionamentos relevantes. No mínimo, têm o condão de suscitar severas dúvidas quanto aos rumos da silvicultura no Estado do Rio Grande do Sul.
Confira-se, a propósito, o testemunho do biólogo Ludwig Buckup (fl. 199-verso a 206):
Esclarecer que há três anos que eu tenho acumulado preocupação em nível acadêmico, que eu pertenço à Universidade, com a expansão de uma atividade silvicultural, que é a monocultura de eucaliptos, não porque eu seja contra, eu acho que o eucalipto é uma opção perfeitamente viável de atividade agrícola, agora a circunstância de que ela está se realizando sem os controles necessários e numa região com vocação ecoclimática completamente distinta. Então, quando se aprovou, no último momento, um zoneamento, eu percebi, com muita preocupação, que esse zoneamento aprovado está totalmente destituído de qualquer regramento preliminar para o plantio dos eucaliptos.
(...).
Eu tenho a convicção de que com está sendo conduzida hoje, essa atividade não está sendo conduzida de forma sustentável.
(...).
Eu penso que este tipo de manifestação deveria excluir qualquer tipo de avaliação subjetiva dentro da FEPAM. Eu acho que isso deve ser precedido de um regramento adequado. Quer dizer, esses percentuais que estão propostos e já o foram também usado o original, que fora abandonado, ele contempla, de maneira muito qualificada, o ponto de vista de uma equipe importante, numerosa, de especialistas que se ocupam da ecologia vegetal, há muito tempo, em várias instituições universitárias. Então, eu penso que é mais sábio, para reduzir os custos ambientais que sempre ocorrem nessas monoculturas de árvores, seria necessário que houvesse um regramento prévio, que houvesse percentuais pré-estabelecidos, e não ao sabor de análises futuras, a serem feitas por unidade, no momento que alguém solicita um licenciamento para plantio.
(...) A equação matemática é fruto de uma variação que já foi feita. A grande equipe que elaborou o primeiro zoneamento já reuniu todas as informações. Eu acho perfeitamente aceitável que haja um trabalho complementar de investigação
no momento da liberação de uma licença prévia, ou seja, quando for o procedimento juridicamente adequado, mas tem que haver preliminarmente o reconhecimento das informações que já existem. Este documento que foi elaborado pela Fundação Zoobotânica, que eu tomei conhecimento agora, já traz uma série de ajustes, perfeitamente aceitáveis, e me parecem muito adequados na medida que eles continuam reconhecendo que, por exemplo, quatro unidades de paisagem nos quais vedar realmente o plantio. (grifou-se).
O ecólogo Marcelo Machado Madeira complementa (fls. 206-12):
(...) acho que a proposta de zoneamento aprovada pelo Consema é, como eu disse, inócua. Ela não traz nenhuma garantia de salvaguarda, de proteção ao ambiente natural do estado frente aos projetos propostos, principalmente a questão do bioma Pampa. (grifou-se).
Por sua vez, Glayson Ariel Bencke, biólogo, arremata
Então era esse o nosso intuito, sempre foi, de estabelecer um conjunto de regras que permitisse a expansão, como eu vinha dizendo, da atividade dentro desses limites seguros. É claro que os limites exatos só podem ser conhecidos, como já foi falado em outras reuniões no âmbito do Consema, em audiências públicas também sobre o tema, os limites exatos da atividade, a maneira ideal de ela ser desenvolvida em cada região do estado, só pode ser conhecida a partir de um monitoramento justamente da expansão dessa atividade. Nós temos que partir de algum conjunto de normas que nos permitam ter segurança, para que a gente não chegue logo adiante: “Opa! Passamos do ponto. Foi demais. Não tem como reverter”. E como eu falava, esse conjunto de regras que faz parte do zoneamento, de limites de segurança, digamos, nós procuramos estabelecer através em parte de uma matriz de vulnerabilidade, ou seja, nós pontuamos, pesamos a fragilidade, a vulnerabilidade ambiental de cada região do estado conforme vários temas ambientais, no caso recursos hídricos, flora, fauna, atrativos turísticos, extra-urbanos, fragilidade de solo e outros temas.
(...).
Só que no nosso entendimento, no entendimento dos técnicos da Fundação Zoobotânica, a versão final como foi retirado esse conjunto de regras, de “linhares” de segurança, digamos, ele ficou então um documento que não permite ter essa segurança. Ficou um conjunto de princípios gerais que não permite saber, não permite inclusive nem monitorar se vai passar do ponto a expansão da silvicultura em algumas regiões do Estado. (grifou-se).
A ausência de limites objetivos no zoneamento ambiental é efetivamente preocupante, já que o esvazia como instrumento de orientação do processo de licenciamento.
Inexistindo parâmetros mínimos que assegurem, sem margem a qualquer dúvida, a sustentabilidade desejada, não há como defender o meio ambiente de eventuais tentativas de subjugação por interesses meramente sócio-econômicos.
Aqui, ganha relevância a existência de densa discussão científica acerca das possíveis conseqüências da implantação de uma monocultura exótica no Estado, sobretudo nos patamares pretendidos.
Por um lado, há quem demonstre enorme preocupação com o esgotamento dos recursos hídricos, empobrecimento do solo e a eliminação da biodiversidade, que acarretariam a degradação da paisagem do pampa gaúcho. Por outro, vozes respeitáveis defendem os benefícios ambientais que supostamente seriam apreciados com a monocultura em questão (fls. 229-43).
Nesse mister, tem-se que o simples fato de existirem dúvidas científicas consistentes acerca dos efeitos ambientais da silvicultura autoriza a aplicação do princípio da precaução.
Como é cediço, a aplicação do princípio da precaução na tutela ambiental tem assento constitucional, conforme previsão dos artigos 170, inciso VI, e 225 da Constituição Federal. Consiste em dizer que não somente somos responsáveis sobre o que nós sabemos, sobre o que nós deveríamos ter sabido, mas, também, sobre o de que nós deveríamos duvidar[3].
Acerca do princípio da precaução na tutela ambiental, asseveram Édis Milaré e Joana Setzer[4]:
(...) surge como um mecanismo de proteção (da sociedade e do mundo natural) a ser aplicado quando uma avaliação científica objetiva apontar motivos razoáveis e indicativos de que, dessa inovação, podem decorrer efeitos potencialmente perigosos – para o ambiente, para a saúde das pessoas e dos animais – incompatíveis com os padrões de proteção que se busca garantir.
(...) havendo incerteza científica, o funcionamento de um empreendimento ou o desempenho de uma atividade pressupõe que sejam tomadas as convenientes medidas de resguardo. (grifou-se).
Cristiane Derani[5], a seu turno, enuncia o princípio da precaução como a busca da proteção da existência humana, a justificar a adoção de medidas cautelosas com relação a riscos cuja existência apenas desconfiamos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade.
Paulo Affonso Leme Machado arremata[6]:
A primeira questão versa sobre a existência do risco ou da probabilidade de dano ao ser humano e à natureza. Há certeza científica ou há incerteza científica do risco ambiental? Há ou não unanimidade no posicionamento dos especialistas? Devem, portanto, ser inventariadas as opiniões nacionais e estrangeiras sobre a matéria. Chegou-se a uma posição de certeza de que não há perigo ambiental? A existência de certeza necessita ser demonstrada, porque vai afastar uma fase de avaliação posterior. Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Essas é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção.
Aplica-se o princípio da precaução ainda quando existe a incerteza, não se aguardando que esta se torne certeza.
(...).
O princípio da precaução, para ser aplicado efetivamente, tem que suplantar a pressa, a precipitação, a improvisação, a rapidez insensata e a vontade do resultado imediato. Não é fácil superar esses comportamentos, porque eles estão corroendo a sociedade contemporânea. (...) O princípio da precaução não significa a prostração diante do medo, não elimina a audácia saudável, mas se materializa na busca da segurança do meio ambiente e da continuidade da vida. (grifou-se).
Veja-se, a propósito, que o princípio da precaução consta da “Declaração dos Princípios sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento”, (Declaração Rio-Eco 1992), sendo enunciado da seguinte forma:
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (grifou-se).
Não bastasse isso, vale conferir trecho do voto lavrado pelo Desembargador Federal Souza Prudente, no julgamento do AI nº. 200401000088659, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, pela sua percuciente análise:
(...).
A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a conseqüente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa atividade possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV). (grifou-se).
Nessa esteira, em razão da desconhecida dimensão dos danos ambientais que poderão ser causados pela prática da silvicultura no Estado, tem-se que se afigura temerário e demasiadamente arriscado deixar exclusivamente ao arbítrio dos técnicos da FEPAM a aferição acerca das limitações ambientais, até porque as análises que são por eles realizadas não consideram as regiões como um todo, limitando-se a examinar as áreas específicas apontadas pelos empreendedores.
Ademais, como bem observou a douta representante do parquet (fls. 1036 e 1045), Dra. Solange Maria Palma Alves, a preocupação também se justifica pelo fato de que a FEPAM se encontra com quadro reduzido de pessoal e que o monitoramento, em verdade, nesse quadro, ficará a cargo e confiança do empreendedor, perdendo-se aí o verdadeiro controle e a confiabilidade dos dados apresentados, conforme assinalado pela prova testemunhal. Ademais, corroboram tal entendimento a licença de plantio em mais de 50% da propriedade e ausência de condicionante referente à flora e fauna (fl. 273 e verso – Vol. II), exemplos dos excessos cometidos em uma análise despida de limites prévios
Obviamente, não se está aqui a dizer que os limites propostos pela equipe de técnicos da Fundação Zoobotânica são efetivamente os mais adequados. Mas, na ausência de outros, mostram-se os únicos que atendem ao dever de proteção ao meio ambiente.
No tópico, calha a observação contida no parecer da Procuradora de Justiça (fl. 1041-2), no sentido de que nada impede que a autoridade administrativa, mediante prova técnica fornecida pelo empreendedor em cotejo com a constatação mediante vistoria ou outro instrumento de aferição da possibilidade de sua amplitude, possa adequar o critério, com o que haverá a garantia objetivamente pretendida no comando constitucional, a elevar o princípio da precaução com única garantia ao bem aqui defendido.
De outra parte, não se diga que a Resolução nº. 178/2008 do CONSEMA estaria imune ao controle jurisdicional, já que sempre se afigura possível examinar atos administrativos quanto a sua legalidade, mormente quando suas disposições colidem com princípios constitucionais, no caso concreto reitores do direito ambiental.
Como bem assinalou o Ministro José Delgado, no julgamento do RESP nº. 588.022-SC[7], o Poder Judiciário assume (...) uma gradual e intensificada responsabilidade para que os propósitos do Direito Ambiental vigente alcançados. Cumpre-lhe a missão de, com apoio na valorização dos princípios aplicados a esse ramo da ciência jurídica, fazer com que as suas regras alcancem o que a cidadania merece e está exigindo: um meio ambiente equilibrado convivendo em harmonia com o necessário desenvolvimento econômico (grifou-se).
De mais a mais, como restou assinalado no parecer da Procuradora de Justiça (fl. 1044), o Poder Público não pode transigir frente à obrigação protetiva posta na Constituição Federal, que deflagrou como regra nesta seara princípio da precaução, observando-se a supremacia do interesse público em face do particular, reconhecendo-se o direito do ser humano, indisponível e fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é condição para a existência sadia e duradoura da sociedade, que tem direito à qualidade de vida com controle de atividades poluidoras confiados aos órgãos públicos.
Ressalta-se, por oportuno, que o direito fundamental ao meio ambiente não significa preservar de forma absoluta a natureza, em detrimento de aspectos sócio-econômicos. Empreendimentos de larga escala sempre irão ocasionar danos ao meio ambiente, não há como ser diferente. Afastá-los a todo custo significaria inviabilizar o progresso e o desenvolvimento da sociedade, o que não se pode admitir.
A preocupação do legislador constitucional está em estabelecer níveis toleráveis de danos ambientais a serem suportados, de molde a viabilizar o desenvolvimento sócio-econômico e, a um só tempo, preservar o meio ambiente para nossa e, principalmente, para as futuras gerações. É o que se convencionou chamar de desenvolvimento sustentável.
Acerca do tema, enfatiza o Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz (...).
O art. 225 da Constituição Federal consagrou como obrigação do Poder Público a defesa, preservação e garantia de efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. O princípio do desenvolvimento sustentável está consagrado expressamente na Carta Magna, já que está disposto que o meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser preservado para as presentes e futuras gerações. Esse princípio fundamenta-se numa Política ambiental que não bloqueie o desenvolvimento econômico, porém, com uma gestão racional dos recursos naturais, para que a sua exploração atenda à necessidade presente sem exauri-los ou comprometê-los para as gerações futuras. A proteção do meio ambiente não constitui óbice ao avanço tecnológico, pois está pautada no conceito de desenvolvimento sustentável. Assim, a questão está em permitir a utilização dos recursos naturais, mas assegurando um grau mínimo de sustentabilidade na utilização dos mesmos. -
Tendo como objetivo não obstar o desenvolvimento tecnológico, mas exigir que este ocorra de forma racional, sem prejuízos irreparáveis ao meio ambiente, que é considerado como direito fundamental o princípio da precaução, foi consagrado em nossa Constituição (...). (grifou-se).
E veja-se: a proteção ao meio ambiente não se encerra na necessidade de preservação de paisagens naturais, considerados os recursos hídricos, a fauna e a flora. Para além desses importantes aspectos, há outro viés a ser dimensionado, justamente o sócio-econômico.
Ora, o esgotamento dos recursos naturais impediria o desenvolvimento sócio–econômico a médio e longo prazo. As mesmas áreas que hoje são utilizadas para determinadas atividades econômicas devem ser capazes de, no futuro, quando encerradas tais atividades, servir para o desenvolvimento de novas práticas. E isso, é óbvio, somente poderá ser alcançado com o respeito às limitações ambientais.
Investimentos vultosos seduzem, impressionam. Não se nega, podem solucionar problemas crônicos de populações menos favorecidas. Mas, se recebidos à custa da degradação ambiental, trarão, a curto prazo, soluções provisórias e, a longo, resultados nefastos, trazendo gravames muito maiores do que aqueles que se pretendeu remediar. Quem pagará o preço dessa política? Se não a presente geração, certamente as futuras.
Desenvolvimento sim, mas sustentável, com respeito às limitações ambientais, é o que se deseja. Somente assim poderemos concretizar os princípios constitucionais.
Considerados todos os elementos até aqui apresentados, voltemos à questão processual estabelecida nesta fase liminar do processo, já que agora será possível responder as indagações formuladas quando principiado este voto.
Com efeito, como se disse, na ausência de estipulação de limites objetivos no zoneamento ambiental, não há parâmetros mínimos de segurança que possam nortear o licenciamento ambiental e, logo, salvaguardar devidamente o meio ambiente.
Tal situação é agravada pela existência de fundadas dúvidas quanto às conseqüências ambientais da implantação de uma monocultura exótica em larga escala no Estado, o que atrai a aplicação do princípio constitucional da precaução, como assinalado.
Assim, na defesa do interesse preponderante em discussão, considerada a verossimilhança das alegações autorais e o fundado receio de dano irreparável, entendo que deverá o réu arcar com o ônus do tempo do processo até que seja possível exaurir as alegações postas em juízo.
Salienta-se que a medida aqui deferida não encontra óbice na previsão do artigo 273, § 2º, do CPC. Isso porque o caso dos autos envolve uma situação de “recíproca irreversibilidade”, apropriada expressão empregada por Athos Gusmão Carneiro[9].
Nesse contexto, ponderados os valores em jogo dentro de um critério de proporcionalidade, e em observância ao princípio da efetividade da jurisdição, concede-se a tutela protetiva pleiteada pelo agravante para que a demandada se abstenha de emitir licenças sem a observância dos limites propostos pelos técnicos da FZB, até que sejam conferidos limites objetivos ao zoneamento ambiental pelo plenário do CONSEMA, o que certamente será precedido de discussão séria e comprometida com o meio ambiente, como não pode ser diferente.
Em caso de descumprimento, arcará a FEPAM com multa de R$ 10.000,00 por licença expedida, a contar da publicação desta decisão.
Diante do exposto, o voto é no sentido de dar parcial provimento ao agravo de instrumento.
Des. João Carlos Branco Cardoso (PRESIDENTE) - De acordo.
Des. Alexandre Mussoi Moreira - De acordo.
DES. JOÃO CARLOS BRANCO CARDOSO - Presidente - Agravo de Instrumento nº 70025340027, Comarca de Porto Alegre: "DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNÂNIME."
Julgador(a) de 1º Grau: ALMIR PORTO DA ROCHA FILHO
(TJ-RS, 23/10/2008)