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córregos nascentes
2008-10-22
A copa formada pelas folhas da palmeira faz sombra para casas erguidas no Condomínio Sol Nascente, em Ceilândia. O tronco da árvore, às vezes, chega a sustentar barracos de madeira construídos sobre um solo de vereda, uma região de recarga do lençol freático onde a terra é encharcada e cheia de olhos d’água. A árvore que serve de pilastra de apoio para as residências é um buriti, espécie típica do cerrado que denuncia a presença de água nos arredores. Para especialistas, basta visualizar um buriti para saber que há nascentes ou córregos por perto. Em Ceilândia, porém, a riqueza natural foi devastada pela ocupação irregular: as nascentes foram aterradas para a construção das casas, onde atualmente vivem cerca de 70 mil pessoas.

A água que brota no meio do condomínio corre para o Ribeirão Melchior, um dos afluentes do Rio Descoberto, responsável pelo abastecimento de 65% da população do Distrito Federal. O manancial é um dos 93 com graves problemas ambientais, como publicou ontem o Correio. A reportagem de hoje mostra que a degradação dos córregos, na maior parte das vezes, começa ainda na nascente, a quilômetros de distância das margens, como ocorre com o Melchior.

O Instituto Brasília Ambiental (Ibram) estima que existam mais de mil nascentes espalhadas pelo DF, mas não sabe sequer a localização de 700 delas. Apenas 300 constam no cadastro do instituto e só 162 são constantemente monitoradas porque participam do programa Adote uma nascente. Mesmo entre as adotadas, há aquelas em situação precária. De acordo com o Ibram, somente 47 nascentes — 29% do total — estão praticamente intactas, ou seja, têm mais de 70% da cobertura vegetal que as protege.

Não possuir cobertura vegetal significa não ter árvores típicas plantadas ao redor, o que serve de proteção para um curso d’água. Sem as plantas, terra, folhas soltas e sujeira são arrastados pela chuva para dentro da água, causando assoreamento e erosão. Os dados do Ibram mostram que 51 nascentes têm menos de 30% da cobertura vegetal e, por isso, estão gravemente ameaçadas. “Além de estarem desmatadas, elas recebem lixo e até esgoto. A cobertura vegetal não existe mais por causa da ocupação irregular do solo”, lamenta a bióloga Vandete Inês Maldaner, coordenadora do programa Adote uma nascente.

É o que acontece na nascente do Córrego Urubu, que também está degradado. A água que forma o manancial brota perto do Varjão. Uma das nascentes fica na Quadra 5 e sofre com a ocupação urbana. Em abril deste ano, técnicos da Sudesa fizeram uma vistoria no local e a nascente estava cheia d’água. Agora, porém, terra, folhas secas, lixo e entulho tomam o lugar da água. “A nascente é intermitente, a vazão diminui mesmo na época da seca. Mas ela está muito aterrada e ameaçada de ser extinta”, explica a engenheira florestal Ester Martins, técnica da Subsecretaria de Defesa do Solo e da Água.

O Ibram contratou empresas de consultoria para mapear todas as nascentes do DF, mas ainda não há prazos para o trabalho ser concluído. Por enquanto, o que se sabe é que as nascentes em área rural estão mais conservadas e são maioria entre as adotadas: 110 delas estão em fazendas ou unidades de conservação ambiental.

Meio rural
“No meio urbano, a nascente é vista como um impedimento para o crescimento da cidade e é simplesmente ignorada. Já no meio rural, os produtores valorizam a presença da água e as nascentes, de uma forma geral, estão protegidas”, observa a coordenadora do Adote uma nascente.

A legislação ambiental brasileira classifica uma área de 50 metros ao redor das nascentes como Área de Preservação Permanente (APP) e proíbe qualquer construção nesse raio. Mas a lei é ignorada no DF. No Condomínio Sol Nascente, por exemplo, as casas estão em cima de olhos d’água, e aqueles que ainda não foram aterrados têm dificuldade para se manter cheios. Em um deles, é até possível ver a água correndo, mas impossível identificar o ponto exato onde ela brota porque a nascente está completamente tampada por mato e lixo. Até um sofá foi jogado no local.

Os moradores que construíram na cabeceira nem sequer sabem que ameaçam o meio ambiente. “Tem pouca água assim o ano inteiro. É uma captação que a Caesb tem lá em cima”, diz um senhor que não quis se identificar. Além de desconhecer que ocupa uma APP, o morador ignora os riscos. A casa dele foi erguida nas margens da nascente, onde uma enorme erosão se formou, e fica à beira de um barranco. O muro está torto e ameaça desabar a qualquer momento. Além disso, as casas estão sujeitas a inundações porque o solo tem pouca capacidade de absorver a água da chuva por já ser bastante irrigado.

À espera de dinheiro
O programa Adote uma nascente existe desde 2001, mas apenas em agosto foi institucionalizado por um decreto assinado pelo governador José Roberto Arruda. As 162 nascentes adotadas são monitoradas a cada dois anos pelos técnicos do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), mas a equipe tem apenas quatro pessoas, além de carência de carros, motoristas e verbas. Agora, o instituto espera receber um recurso de R$ 43 mil, vindo da Fundação de Apoio à Pesquisa do DF (FAP-DF), para colocar em prática um projeto de vazão da água das nascentes. “Durante as vistorias que fazemos, medimos a qualidade da água e do solo e observamos a cobertura vegetal. Mas queremos ver se a quantidade de água aumentou para saber se as ações estão dando resultado”, afirma Vandete Inês Maldaner, coordenadora do programa.

Adotar o ponto onde brota um curso d’água requer mais que boa vontade. Qualquer pessoa, empresa, associação ou entidade civil pode se candidatar (www.ibram.df.gov.br). Mas os escolhidos precisam arcar com os custos da preservação, como colocar placas e cercas, comprar mudas para reflorestar o local e impedir a invasão dos 50 metros destinados à Área de Preservação Permanente (APP). “A partir do momento em que a pessoa adota, deve estar ciente de que o ônus é dela. Queremos aumentar as adoções, mas, para isso, precisamos ter voluntários comprometidos”, afirma Vandete. O programa é cadastrado pelo Ministério Público do DF e dos Territórios (MPDFT) para receber dinheiro das medidas alternativas aplicadas a condenados por crimes ambientais.

Manter um curso d’água vivo também não é tarefa fácil. A ONG Vertente Verde adotou uma nascente no Condomínio Privê do Lago Norte, que corre diretamente para o Lago Paranoá. A área, porém, é visada por grileiros ainda hoje, que pressionam a entidade para ocupar o terreno de APP. “As pessoas compraram os lotes na área de preservação e, agora, querem construir neles”, explica o presidente da ONG, Edson Bernardes.

No ano passado, a organização plantou 470 mudas de espécies nativas doadas para reflorestar a área em volta da nascente. Mas, em agosto, um incêndio matou todas as plantas. Para Bernardes, o fogo foi criminoso. A placa que sinaliza a cabeceira já foi roubada e tem marca de tiros. “Nós ficamos no meio da linha de fogo, sem poder de polícia nem de Estado”, diz o presidente da Vertente Verde, que, há 11 meses, conta com a ajuda do síndico do Privê, Francisco Braga, para manter o local cheio de água pura e transparente durante todo o ano. “Identificamos 49 lotes vendidos em APP que foram desconstituídos. Não recebemos mais taxa de condomínio dos donos desses terrenos e estamos estudando o que fazer com eles”, conta Braga.

Ministério Público

As quatro promotorias de Defesa do Meio Ambiente do MPDFT também acompanham a situação dos córregos e nascentes do DF. Cada uma delas é responsável por uma bacia hidrográfica. De acordo com a promotora Marta Eliana de Oliveira, o ocupação irregular é a maior vilã dos recursos hídricos no DF e somente a educação ambiental dos cidadãos seria capaz de reverter o quadro de devastação. “Lei não falta para preservar o meio ambiente, o DF está todo inserido em unidades de preservação. Mesmo que a fiscalização fosse eficiente, o ideal seria que os cidadãos se conscientizassem para eles mesmos serem fiscais dos recursos que lhes pertencem”, ensina.(GR)

(Por Gizella Rodrigues, Correio Braziliense, 21/10/2008)

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