O governo da Espanha anunciou em julho de 2005 que iria regulamentar a coexistência de transgênicos e plantações convencionais para a criação de um Plano Nacional de Supervisão. Mas, três anos depois, ainda não tem sequer um rascunho definitivo sobre a mesa. E começam-se a vislumbrar problemas por causa dessa passividade.
A plantação de milho ecológico corre sério risco de desaparecer. Alguns agricultores estão atirando a toalha, por causa, segundo eles, da impossível coexistência com as plantações de milho transgênico Bt, o único autorizado na Espanha. A proximidade excessiva de ambos os tipos de plantações faz que o cultivo ecológico seja facilmente contaminado pela polinização do transgênico.
Em 2004, Aragão contava com cerca de 200 hectares de milho ecológico, cifra que diminuiu 75% até o ano passado, segundo cálculos de Rosa Binimelis, pesquisadora do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambientais da Universidade Autônoma de Barcelona.
Dez países da UE regulamentaram, diferentemente da Espanha, as medidas de coexistência que estabelecem as distâncias mínimas de isolamento que devem separar uma plantação transgênica de outra convencional, para reduzir as possibilidades de contaminação genética e conseguir o cumprimento das normas de rotulagem da UE. O anúncio do governo em 2005, pelos secretários gerais de Agricultura e Alimentação, Fernando Moraleda, e de Prevenção da Contaminação e Mudança Climática, Arturo González Aizpiri, chegava a especificar inclusive a separação mínima entre as duas plantações (50 metros) que os agricultores deveriam observar.
A história da regulamentação da coexistência vem de longe. O governo de José María Aznar já apresentou uma proposta de regulamentação, que foi rejeitada por mais de 60 associações ecológicas. Na primeira legislatura socialista, a então ministra da Agricultura, Elena Espinosa, lançou um novo projeto, que também não prosperou. A última reunião remonta a outubro de 2007, quando o então Ministério da Agricultura tentou aprovar pela última vez um documento em uma reunião entre comunidades autônomas, agricultores e coletivos ecológicos.
Segundo o diretor-geral da Indústria e Mercados Alimentares, Francisco Mombiela, a última proposta sobre a mesa chegava a defender uma faixa sem cultivo de até 200 metros entre plantações transgênicas e convencionais, "inclusive muito mais do que defendem os estudos científicos", informou a este jornal por telefone. Mas não houve acordo. "Essa distância", acrescentou Mombiela, "representa problemas especialmente nas áreas de cultivo pequenas", para as quais a faixa representa o maior sacrifício. Sem dúvida, para o responsável de transgênicos do Greenpeace, presente na comissão, Juan Felipe Carrasco, o motivo do desacordo não foi a questão de estabelecer uma separação determinada: "Ser a favor da coexistência é o mesmo que ser a favor dos transgênicos, exceto sob condições muito especiais. Por isso nos opusemos".
Na Europa, as distâncias entre milho transgênico e convencional em vigor nos países membros variam dos 70 metros na Holanda até 400 em Luxemburgo e Hungria (onde pode aumentar até 800 metros em alguns casos). Mas os 200 metros do último rascunho espanhol são a proposta mais freqüente, segundo fontes da Direção Geral de Agricultura da Comissão Européia. Para o diretor-geral da Indústria e Mercados Alimentares, "conforme nos aprofundamos nesse assunto fica patente a dificuldade de uma norma de caráter básico". Na opinião dele, a questão da coexistência hoje "não é prioritária, temos de discutir parâmetros como a segurança alimentar e a garantia da biodiversidade e, em último lugar, a vantagem econômica". Francisco Mombiela afirma ter observado, a respeito da coexistência de cultivos, "uma perda de interesse pelo benefício de uma norma de caráter nacional".
(El País, UOL, 21/10/2008)