“Estamos condenados a reinventar os paradigmas da sociedade, que estão falidos”. A frase proferida pelo economista Ignacy Sachs resumiu os três dias de discussões do Encontro Latino Americano de Comunicação e Sustentabilidade realizado pelo Instituto Envolverde. As presenças da senadora e ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, ao lado dos professores Sachs, da École de Hautes Études en Sciences Sociales de Paris; Ladislau Dowbor, da PUC-SP; Paulo Artaxo do Instituto de Física/ USP e Pedro Jacobi, do PROCAM/USP apenas demonstraram a qualidade dos debates que contaram com jornalistas, comunicadores, pesquisadores e representantes de programas de sustentabilidade de empresas e organizações do terceiro setor.
Na última mesa-redonda, sobre o tema do uso sustentado da biomassa, Sachs trouxe luz à relação do homem e da economia com o meio ambiente. A mesa foi composta ainda por Luis Fernando Laranja, coordenador do Programa de Agricultura e Meio Ambiente do WWF e José Carlos Pedreira de Freitas, diretor da HECTA Desenvolvimento Empresarial nos Agronegócios, e moderada pelo jornalista Alex Branco.
Com um breve histórico que levou os presentes da idade da pedra à idade da informática, o economista Ignacy Sachs trouxe à reflexão o cenário da Terceira Era Energética, ou a era das alternativas sustentáveis. A terceira grande revolução se impõe como transição que nos levará da era petrolífera para a biocivilização. “Depois de termos passado muitos milhares de anos da coleta e caça para a agricultura e criação de animais, vivemos a era dos abundantes e baratos combustíveis de origem fóssil (carvão, petróleo e gás), começada há poucos séculos. Esta Era será revista historicamente como um “interlúdio que provocou um grande aumento da população mundial (hoje somos 6,7 bilhões de habitantes, seremos cerca de 9 bilhões em meados deste século, com a maioria da humanidade vivendo em áreas urbanas)”, ensina o economista polonês radicado na
França.
Este cenário deverá ser pautado, segundo ele, em primeiro lugar pela economia dos recursos energéticos naturais (e fósseis!); em segundo, por maior eficiência nos serviços de energia já prestados; e em terceiro, pela substituição do que temos pela bioenergia (caso do etanol, diesel e biomassa para fazer eletricidade). A chamada “biocivilização” deve se apoiar no uso múltiplo da biomassa (que é captada pela energia solar por biossíntese). Nesta sociedade, teremos biorefinarias para os produtos que usaremos para a construção civil, em plásticos, fibras, fármacos e cosméticos.
Os dois grandes e iminentes desafios são as mudanças climáticas e o dilema da abismal desigualdade social (e o crônico e severo déficit de oportunidades e trabalho decente). Segundo relatório da FAO, consumimos 7 vezes mais biomassa do que qualquer outra sociedade já o fez. Estudos avaliam que no final dos anos 80 teríamos já consumido, destruído e dilapidado 50% da biomassa disponível no mundo…
“Até onde poderemos caminhar utilizando a biomassa?” ou “Qual Estado para que paradigmas?” são algumas das perguntas a serem respondidas, indica Sachs.
O Brasil, com 80% da Amazônia intocada e a maior biodiversidade do mundo, prefere ser altamente performático na produção mecanizada de biocombustíveis, com aumento significativo de pessoas nas favelas; ou aproveitar das oportunidades geradas pelo novo ciclo de desenvolvimento rural incluindo os produtores familiares e associando a produção agrícola à silvícola em florestas biodiversas? Em 30 anos podemos dobrar a eficiência e a produtividade mundial nas áreas biologicamente ativas, tendo meios de transporte 50% mais leves que absorvam as novas tecnologias. Mas para quem virá esta revolução?
A questão da urbanização (50% da população do mundo) como sinônimo de desenvolvimento e a da demanda crescente por alimentos foram questionadas por Luis Laranja, do WWF, em estudo que faz o balanço da capacidade dos recursos da Terra para suprir as necessidades atuais, e até 2030, no modelo não sustentado. “O desafio é produzir mais e melhor, porém conservando o solo, a água, a biodiversidade e diminuindo as emissões de gases que superaquecem o planeta. O mundo produz, desde 1975, mais trigo, arroz, milho e soja (exceção para a pecuária, onde são raros os casos em que a produção é alta por hectare e o aproveitamento da cabeça bovina ultrapassa 50%). E o Brasil tem grande potencial para os biocombustíveis com a biomassa extraída da cana de açúcar”, afirma Laranja, para quem a toada só irá continuar se respeitarmos os limites do planeta, preservando a biodiversidade e a água, sem exaurir o solo e concentrar a terra, e abastecendo localmente com alimento as populações. “Só neste caso a exploração para biocombustíveis não será incompatível com a preservação de florestas”, completa.
Para José Carlos Pedreira, o problema da sustentabilidade hoje é de valor, vontade política e liderança, preceitos tirados de Fritoj Capra. “As empresas hoje passaram a ter 80% de seu valor calcado em valores intangíveis, a despeito dos 90% de valor tangível que tinham até a década dos 1970″, lembra. Para Sachs, o caminho está no uso social de florestas, e no pagamento pelos serviços ambientais (incluindo as florestas secundárias), com financiamentos dos paises ricos em fundos de ação global (e não pontual como o pagamento no varejo via créditos de carbono, que são as indulgências deste século…). Luis Laranja defende que a solução está centrada mais no reposicionamento do consumo do que na problemática da produção.
Pelo que foi dito e ouvido durante o Encontro Latino Americano de Comunicação e Sustentabilidade, a solução é múltipla, e a ser reinventada. A boa informação é peça capital da equação.
(Por Isabel Gnaccarini,
Envolverde, 20/10/2008)
*A cobertura do Encontro Latino-Americano de Comunicação e Sustentabilidade está sendo feita por uma equipe de jornalistas. A coordenação é de Naná Prado e o material será publicado no site da Envolverde (http://www.envolverde.com.br) e do Mercado Ético (http://www.mercadoetico.com.br).