A Tribuna Popular da Câmara Municipal de Porto Alegre foi ocupada na tarde desta segunda-feira (20/10) pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). O objetivo foi questionar a responsabilidade e o compromisso dos vereadores quanto à possível alteração da Lei Orgânica Municipal, referente à Orla do Guaíba. Após a leitura do Manifesto, feita pelo ambientalista Celso Marques, manifestaram-se, em nome de suas bancadas, os vereadores João Antonio Dib (PP), Margarete Moraes (PT) e Haroldo de Souza (PMDB).
A votação do projeto Pontal do Estaleiro, prevista para a última quarta-feira (15/10), foi adiada ainda na terça-feira (14/10) pela Mesa Diretora da Câmara e lideranças partidárias para o dia 29 de outubro, após o segundo turno das eleições municipais, mas foi suspensa a partir de sentença liminar, expedida pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça do Estado, Eugênio Couto Terra. No mandado de segurança com pedido de liminar, o vereador Beto Moesch (PP) destaca, entre as ilegalidades, que projeto desse caráter deveria ser prerrogativa do Executivo.
Na quinta-feira passada (16/10), durante sessão ordinária, o presidente da Câmara, vereador Sebastião Melo (PMDB), ocupou a tribuna para se pronunciar sobre a concessão de medida liminar que suspendeu a votação do projeto até o julgamento de seu mérito. "A regra vigente é a de achatar os Legislativos, que são tolidos de legislar pela interveniência dos Executivos. Se esta Casa não puder legislar sobre matéria urbanística, então tem de fechar", afirmou. "Estou convencido de que a Casa tem, sim, essa competência. Não devemos abrir mão de nossas prerrogativas." Ele citou, como exemplo, a aprovação, há três meses, de alteração do regime urbanístico que permitiu a construção de um prédio de 23 andares para extensão do Fórum.
O projeto de lei que trata do Pontal do Estaleiro é subscrito por 17 vereadores e propõe a revitalização urbana da orla do Guaíba, em trecho localizado na Unidade de Estruturação Urbana (UEU) 4036. Conforme o texto, o projeto para o Pontal do Estaleiro - também conhecido como Ponta do Melo - é classificado como empreendimento de impacto de segundo nível, por sua proposta de valorização dos visuais urbanos e da atração turística pelas atividades previstas.
Para a Agapan e diversos outros movimento sociais, a Orla deve ser preservada e vitalizada, fortalecendo sua vocação de área destinada à cultura, esportes e lazer, de forma pública.
Manifesto ambiental
O texto lido por Marques durante a tarde de hoje (20/10) é o seguinte:
"A Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, Agapan, ocupa esta Tribuna Popular na Câmara de Vereadores de Porto Alegre em seu próprio nome e também por delegação do Fórum Municipal de Entidades. O que nos faz comparecer a esta Tribuna Popular é a nossa preocupação com a preservação da Orla do Guaíba como parte inalienável do patrimônio publico da coletividade porto-alegrense e gaúcha. Enfatizamos que a preservação da Orla do Guaíba é uma posição também defendida pelo IAB/RS (Instituto dos Arquitetos do Brasil) e pelo Senge-RS (Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul), entre outras entidades.
A Orla do Guaíba é uma das mais valiosas e mais importantes áreas em termos paisagísticos e da ecologia urbana do Município de Porto Alegre. Trata-se de uma área de valor incomensurável cuja progressiva privatização representa uma perda irreversível de potencialidades para a manutenção e a melhoria da qualidade de vida. Nos útimos anos Porto Alegre tem perdido pontuação na classificação mundial das cidades com a melhor qualidade de vida. A continuação das tendências atuais de ocupação crescente dos espaços públicos urbanos e paisagisticos atualmente nos colocam na contra-mão da história. Nós, ecologistas, não somos passadistas mas olhamos para o futuro com os olhos no presente. E o que vemos no presente é paradoxal. Constatamos que, do ponto de vista ecológico, nosso aparente "atrazo" hoje nos coloca mais perto dos ideais que os países ditos "desenvolvidos" estão buscando. Portanto devemos ser lúcidos e aproveitarmos o que ainda nos resta de natureza.
Não temos a necessidade de imitar os países ditos desenvolvidos em tudo o que fazem e fizeram. Assim não precisaremos, no futuro próximo, criar uma praia artificial à margem do Guaíba, tal como ocorre hoje em Paris. A prefeitura da "Cidade Luz", há cinco anos, no verão, coloca areia, vegetação, arbustos, piscinas e equipamentos de lazer, na margem do Rio Sena, para que sua população possa fazer de conta que está vivendo em contato com a natureza.
Outros exemplos deletérios de ocupação de orlas, mais próximos de nós, podem ser mencionados: Camburiú, Recife, Copacabana. Entretanto, atualmente ainda vemos entre nós os últimos remanescentes de uma concepção de desenvolvimento ultrapassada e insustentável que preconizam a intensificação da ocupação urbana na Orla do Guaíba ignorando completamente as numerosas lições que o mundo nos oferece como exemplos a não serem seguidos.
A escala de tempo da vida de uma cidade tem uma duração incomparavelmente maior do que a vida de indivíduos, de gerações e até de coletividades e países. Por esta razão as leis que disciplinam a utilização dos espaços de uma cidade devem prever os seus efeitos diretos e colaterais por décadas, séculos e até milênios. Os exemplos brasileiros, citados anteriormente, evidenciam a omissão e o imediatismo irresponsável dos legislativos municipais da época. Sobretudo evidenciam perversidade institucional e o fracasso em promover a proteção legal dos interesses da coletividade diante da avidez da especulação imobiliária sobre o patrimônio público. Portanto, quando o que está em pauta é a Lei Orgânica Municipal, a legislação maior do município, referente à Orla do Guaíba, chamamos a atenção para a imensa responsabilidade que recai sobre os ombros dos senhores vereadores de Porto Alegre.
Sobretudo chamamos a atenção para o encaminhamento do legislativo municipal em relação à Ponta do Melo. O projeto do Pontal do Estaleiro, previsto para aquela área, abre um precedente legal que ameaça o que ainda resta da Orla do Guaíba como patrimônio público.
Trata-se da constatação de que a orientação que preside esse projeto e vincula-se a outras iniciativas que estão em andamento, representa o total descumprimento da Lei Orgânica do Município, bem como do Estatuto da Cidade. O que estamos vendo é a tentativa de adaptar a lei aos interesses privados, quando esses é que devem se adaptar à legislação. O que estamos vendo é o nosso Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Porto Alegre sendo constantemente retalhado, adulterado e descaracterizado através das mudanças aprovadas pelo legislativo municipal; estamos presenciando um retrocesso institucional e legal diante da perda das funções normativas do PDDUA em detrimento do interesse público para beneficiar os interesses privados da especulação imobiliária e da construção civil.
Lembramos que há vinte anos, depois de uma das maiores mobilizações populares da história de Porto Alegre, esta Câmara de Vereadores aprovou a desafetação de parte da Orla do Guaíba, condição que possibilitaria a sua privatização. Esta privatização só não aconteceu graças ao processo democratico de participação popular na Constituinte Municipal de 1990, que discutiu e elaborou as novas diretrizes legais que estão contidas na Lei Orgânica Municipal de Porto Alegre. Portanto a Orla do Guaíba ainda é um patrimônio público da nossa cidade devido a incansável vigilância da sociadade civil organizada.
Diante destes fatos, perguntamos: qual é o compromisso que a Câmara Vereadores tem com Porto Alegre e com a qualidade de vida da presente e das futuras gerações?"
(Por Adriane Bertoglio Rodrigues, Ecoagência, 20/10/2008)
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