Até agosto, ao menos 800 bichos encalharam nas praias paulistas, contra só 11 resgatados durante todo o ano passado
Desinformada, população chega a colocar as aves na geladeira ou em tonéis de gelo; Ibama faz campanha para ensinar como proceder
O mar não está para peixe para os pingüins-de-magalhães, aqueles que vivem na Patagônia, extremo sul da Argentina. Nunca tantas aves chegaram à costa brasileira nem avançaram tanto pelo litoral do país, sobretudo nessa época do ano, depois do inverno.
Só nas praias de São Paulo, cerca de 800 pingüins foram resgatados entre março e agosto, a época regular da migração, por biólogos do Aquário de Ubatuba e pelo Gremar (Grupo de Resgate e Reabilitação de Animais Marinhos). No ano passado, foram apenas 11.
Tão desorientados quanto os bichos, os biólogos marinhos não sabem ao certo o que tem causado o erro migratório das aves, aparentemente atribuído à mudança dos cardumes ou das correntes marinhas.
E, pela primeira vez, os pingüins foram soltos na costa paulista, numa expedição do Ibama que a Folha acompanhou nesta semana. Foram dia e noite inteiros (outros dois para voltar) na direção do alto-mar até atingir a Corrente do Brasil, onde 58 pingüins foram soltos na esperança de serem levados naturalmente pela força das águas à Terra do Fogo.
E não é que um danado de um pingüim, rapidamente apelidado de Michael Phelps, o nadador recordista olímpico, conseguiu chegar à costa antes mesmo de a embarcação que o levou ao alto-mar voltar?
Geladeira
Os pingüins exercem um fascínio nos brasileiros talvez só comparado àquele que os papagaios falantes.
No imaginário popular a desinformação é tanta, mas tanta, que o Ibama fez um panfleto, distribuído à população praieira, orientando o que fazer no caso de encontrar pingüins encalhados na areia.
É que tem gente que, ao achar os bichos, coloca-os na geladeira -não em cima, mas dentro- ou em tonéis cheios de gelo, por acreditar que as aves só gostem de frio.
"Esses pingüins são diferentes daqueles que vivem em regiões geladas. Não devemos colocá-los no gelo: eles podem morrer!", didatiza o Ibama.
Na viagem ao mar aberto, acompanhada por atobás, albatrozes e outras aves oceânicas, os pingüins teimosos, que nadaram toda essa distância desde o sul da Argentina, marearam com o balanço das ondas (biólogos e repórter também).
Do fundo do barco pó-pó-pó que levava a missão, um cheiro forte de peixe contaminava o ar com mais enjôo. E um líquido branco não parava de escorrer dos pingüins. Parecia uma tintura que se descoloria da plumagem, mas eram fezes. É que os bichos não paravam de defecar. Quando estão em terra firme, nem eles próprios, que não são bobos nem nada, agüentam o mal-estar e mudam constantemente de território, explica o biólogo João da Cunha.
Depois de 16 horas de viagem, quando foram lançados ao mar (com fome, para atiçar o instinto de pesca), a 108 milhas náuticas (ou 200 km da costa de Santos), bem nas forças da corrente marinha, dois pingüins ficaram desnorteados e não conseguiram acompanhar o ritmo do grupo, que começou a "tomar banho", no dizer da bióloga Maria Cláudia Mendes.
Ou "lubrificando-se" antes de seguir a rota até as colônias de reprodução. E a marcha dos pingüins volta ao mar aberto sabendo que navegar é preciso, viver não é preciso.
(Por VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO, Folha de S.Paulo, 20/10/2008)