Em abril deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) apresentou um estudo alarmante, no qual detectou, entre outros dados, que de cada dez pés de alface à venda em supermercados, quatro estavam contaminados por resíduos de agrotóxicos. Além disso, cerca de 40% do tomate e do morango consumidos pelos brasileiros continham vestígios irregulares destes produtos venenosos, que a Indústria do setor prefere chamar de “defensivos agrícolas”.
Na ocasião, foi divulgado que, das 1.198 amostras analisadas pela Agência em 2007, 207 apresentaram resultados insatisfatórios, ou seja, mais de 17% do total de alimentos continha resíduos de agrotóxicos não autorizados ou acima do limite máximo permitido.
O estudo revelou que, além desses alimentos – alface, morango e tomate -, outros seis que “estão regularmente na mesa do consumidor brasileiro” também foram analisados em 2007 e registraram resíduos irregulares de agrotóxicos: banana (4,3%), batata (1,36%), cenoura (9,9%), laranja (6%), maçã (2,9%) e mamão (17,2%). Foram usadas na análise amostras de 16 estados de todas as regiões do país, incluindo grandes centros como Belo Horizonte, Curitiba e São Paulo.
Sem meias palavras, o que se pode depreender de tal análise é que tornou-se rotina para o consumidor brasileiro, literalmente, ingerir veneno. Critérios para a aplicação de agrotóxicos são normatizados por lei, mas, como outras no país, tais legislações são letras mortas, eficazes em teoria, descartadas solenemente na prática.
Diante desse cenário, soa como fundamental um Projeto de Lei tramitando hoje na Câmara Federal, que tipifica como crime o uso excessivo de agrotóxicos em produtos agrícolas ou a aplicação do agrotóxico fora das recomendações do fabricante.
O PL, de autoria do deputado Edson Duarte (PV-BA), estabelece pena de detenção de seis meses a um ano, além de multa, no caso de não haver danos para o consumidor.
No caso de morte do consumidor do produto agrícola com excesso de agrotóxicos, o responsável será enquadrado no Código Penal (Decreto-Lei 2.848/40) como autor de homicídio simples, cuja pena de reclusão vai de 6 a 20 anos.
O problema reside no alvo da punição: os agricultores. Soterrados por instruções de cunho estritamente comercial, a maioria deles é levada a acreditar que o uso de tais produtos é condição básica para a lucratividade de suas lavouras. E, muitas vezes, os abusos voltam-se inclusive contra eles mesmos, como AmbienteBrasil mostrou na matéria "Ceará contabilizou mais de mil casos de internamentos devidos a intoxicação por agrotóxicos em 2005", publicada em junho de 2006.
O deputado Edson Duarte reconhece que a deficiente assistência técnica prestada pelos organismos do poder público abre a brecha para que os agricultores acabem a mercê de orientações prestadas pelos comércios de agrotóxicos – em geral mais interessados em vender do que movidos por qualquer ideologia, ambiental ou focada em saúde pública.
“Mas, seja o uso excessivo de agrotóxicos motivado por A ou por B, a população não pode continuar exposta a uma contaminação gravíssima”, colocou ele a AmbienteBrasil.
O projeto foi recentemente rejeitado pela Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara Federal, o que não chegou a surpreendê-lo. “A bancada ruralista faz da Comissão seu quartel general”, diz o deputado.
Ele coloca, porém, que os representantes de um setor produtivo não podem se associar à impunidade, quando de episódios em que, comprovadamente, a perspectiva de lucros resulta em danos à saúde de milhões de pessoas que, no frigir dos ovos, comem e dão a seus filhos hortaliças banhadas em níveis de veneno totalmente fora dos parâmetros estabelecidos pela legislação vigente no país.
“Meu projeto não pune quem trabalha corretamente”, resume Edson Duarte. Para ele, já vem sendo válido ao menos o debate que a proposta alimentou. Hoje, poucos laboratórios no país têm estrutura para analisar os níveis de agrotóxicos presentes em produtos nas gôndolas dos supermercados.
Quando, eventualmente, tais análises são feitas, o máximo que acontece é a retirada das amostras condenadas. Muito pouco, quando se sabe que a irresponsabilidade nesse campo tem efeitos dramáticos sobre a saúde da população, que literalmente come veneno.
O projeto do deputado passará agora pelo crivo da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara. Já vislumbrando uma estratégia alternativa, ele antecipou a AmbienteBrasil que vai buscar reforços no Ministério da Saúde, aventando a possibilidade de o Governo Federal abraçar a causa e, a partir disso, propor instrumentos que punam os abusos.
Ele também pretende levar o assunto ao Ministério Público Federal, de modo a tentar encontrar, na legislação hoje vigente, brechas que imputem responsabilidades aos agricultores que, comprovadamente, levem ao mercado hortaliças com níveis de agrotóxicos fora dos legalmente estabelecidos no país.
Num país como o Brasil, onde o poder econômico usualmente se sobrepõe a interesses sociais, a luta de Edson Duarte é árdua. Basta lembrar que não há sequer um acompanhamento sistemático em relação aos alimentos vendidos aos brasileiros. “A nossa idéia é que o Governo mantenha uma rotina de análise desses produtos, para evitar que a população seja contaminada”, diz ele.
É um caso cristalino de necessidade de apoio da sociedade civil organizada. Até hoje, a população brasileira - fato atestado por esses estudos esporádicos - vem consumindo veneno, contraditoriamente impregnado em alimentos cuja ingestão é recomendada pela Medicina de forma unânime: legumes, verduras e frutas.
Até quando se vai – literalmente – engolir isso é uma decisão que depende muito mais de uma consciência cidadã, única chance efetiva de concretizar vontade política.
(Por Mônica Pinto, AmbienteBrasil, 19/10/2008)