Na sexta-feira (17/10), a Frente Parlamentar por Reparações, Direitos Humanos e Cidadania Quilombola da Assembléia Legislativa gaúcha (AL-RS), coordenada pelo deputado Raul Carrion (PCdoB), realizou um debate sobre a Instrução Normativa 49/2008, do Incra, editada em outubro deste ano, que dispõe sobre a legitimação das terras quilombolas no país. Participaram da reunião o senador Paulo Paim (PT/RS), o secretário-adjunto da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Alexandro Reis, a representante do Incra, Lidiane Amorim, além de lideranças de comunidades remanescentes de quilombos do Estado.
Para o deputado Carrion, a discussão sobre a IN 49/2008 está ligada a uma questão histórica no Brasil: a concentração fundiária. Segundo ele, a nova norma não traz avanços para a luta do movimento negro. " Tenho a impressão de que ficou mais difícil haver a titulação da terra, um processo que já era vagaroso. Eu tenho também a sensação de que o governo federal fez a Instrução Normativa para aplacar o furor da direita", disse. E acrescentou: "acredito que o governo Lula está preocupado em enfrentar o problema das comunidade quilombolas. Mas há a constatação de que a vontade pode ser grande, mas os avanços são mínimos", afirmou.
O senador Paulo Paim sugeriu e encaminhou que, através da Comissão de Direitos Humanos do Senado, a qual preside, seja realizada no Congresso Nacional uma audiência pública conjunta para discutir o tema de forma mais ampla. "Vamos convocar o Incra, a Seppir, a Fundação Palmares, a Advocacia-Geral da União, todos os órgãos envolvido, para aporfundarmos o debate e encontrar caminhos. Nós queremos a titularidade da terra dos quilombolas, não tenho dúvida quanto a esse direito", afirmou.
Discussão
Entidades como o Movimento Negro Unificado (MNU) e a Federação de Associações Quilombolas do Rio Grande do Sul mostraram-se insatisfeitas com as alterações trazidas pela nova norma. Segundo o representante do MNU, Onir Araújo, a IN fere o Decreto 4887/2003, norma que dá às comunidades negras o direito de se autodeclararem como remanescentes de quilombos para fins de processo de titularidade da terra. Segundo ele, pela IN, a Fundação Palmares passa a ter incumbência de definir quais são ou não comunidades quilombolas.
Além disso, conforme Araújo, a IN dá a Advocacia-Geral da União o direito de atuar nos processos de titularidade de terras de quilombo que envolvem áreas federais "Isso ocorre em Morro Alto, onde há conflito pela duplicação da BR-101, ocorre em quilombos que estão em área de Marinha, por exemplo. Nessas áreas com subreposição de interesses, entra a AGC, de forma extemporânea para mediar o conflito", diz. E acrescenta: "a IN fere o princípio da autodeclaração, retarda os processos já lentos, cria intervenção de órgãos sem a devida competência e fere a Constituição Federa. Eu pergunto: a serviço de que interesse?". Para o representante do MNU, a IN está adequada a interesses de latifundiários, de empresas de pinus e de empreiteiras ligadas a obras de construção de hidrelétricas, entre outras.
Conforme o secretário-adjunto da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Alexandro Reis, o governo federal tem atuado frente a um sobreposição de interesses, inclusive quando publicou a IN. "Há a pressão da bancada ruralista, dos latifundiários. O governo tem que atender a todos os lados", diz. Segundo ele, também está em julgamento no Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pelos Democratas questionando o direito de titularidade da terra por parte das comunidades quilombolas. "Há uma luta política nesse sentido". Reis procurou dar destaque à importância do Decreto 4887/2003, também ameaçada por interesses contrários ao movimento negro. "Concordo que há um processo lento e atrasado de concessão de titularidade, mas tambem convivemos com uma faca no pescoço sempre nos dizendo que o Decreto 4887/2003 tem que cair", diz.
Para a representante do Incra, a discussão acerca da IN não deveria ter encarada como principal para o movimento quilombola. "Temos que ampliar o debate e ver que a IN não é o problema. É preciso falar sobre os procedimentos de regularização fundiária como um todo, para que os processos tenham celeridade e qualidade’, disse.
Por sua vez, o representante da a Federação de Associações Quilombolas do Rio Grande do Sul também demonstrou insatisfação quanto à IN. "Ela não dá conta dos problemas colocados e cria outros entraves, como a derrubada da autodeclaração, algo que o movimento já havia conquistado", disse. Para ele, a Seppir deveria defender os interesses da comunidade negra, ao invés de acompanhar os desejos de conciliação do governo federal.
(Por Vanessa Canciam, Agência de Notícias AL-RS, 17/10/2008)