Durante alguns minutos, o único som que se ouve é o das pás entrando na terra. Quatro pesquisadores estão cavando. Trabalham dentro do buraco, que tem profundidade de bater na cintura, mas é grande demais para ser parecido com uma cova. Parece mais uma escavação arqueológica. Liam Colgan, um dos estudiosos, diz: "Mas que calor está fazendo aqui". Seu colega, Dan McGrath, que é de White Plains (Nova York), dá uma olhada por cima do ombro e responde: "Parece que eu estou na praia". Colgan replica: "Se estivesse, seria agradável". Na verdade, a temperatura é de poucos graus acima de zero. Mas, levando em conta que estamos no meio da camada de gelo que cobre a Groenlândia, a norte do Círculo Ártico, portanto, sim: está fazendo calor - de um jeito nada natural.
A tarde toda, o sol está incidindo diretamente nas nossas costas e refletindo no nosso rosto. O brilho do branco infinito da geleira faz do uso de óculos espelhados e de quantidades generosas de bloqueador solar uma necessidade.
Colgan, o piadista do grupo, espalhou zinco sobre o rosto, ficando com marcas brancas e espessas que o deixam como um palhaço que não tirou a maquiagem direito. Candidato de primeiro ano de Ph.D. de Toronto (Canadá), ele reclama, animado: "A gente estuda para ser glaciologista e vem para cá fazer o serviço de um camponês do interior da China. Ontem, fiquei carregando baldes de neve".
Konrad Steffen, professor de geografia na Universidade do Colorado, fica na beirada do buraco, fumando, com as pernas abertas e firmes como se fossem dois terços de um tripé. Ele viaja para a Groenlândia toda primavera desde 1990. Uma grande porção de seu trabalho em campo envolve manter as 22 torres de medição climática que ele instalou em diversos pontos do manto de gelo.
Steffen nasceu em Zurique (Suíça). É alto e desengonçado e tem aquele tipo de barba desgrenhada que os sem-teto e os capitães de navios parecem apreciar. Steffen foi criado perto dos Alpes, sempre adorou esquiar e escalar. Sua intenção original na Groenlândia era medir a interação do clima com o gelo. "Não vim à Groenlândia por achar que havia derretimento rápido", explica. Mas, desde a década de 1990, Steffen vem registrando um aumento de temperatura preocupante. "Até então, 2005 tinha sido o ano com o maior derretimento", conta. "Antes disso, 2002 tinha sido o maior das últimas três décadas. Agora quebramos um recorde a cada dois ou três anos. As torres caem por causa do derretimento. Normalmente, dava para saber quanto cavar para elas ficarem firmes, mas isso mudou."
Historicamente, a groenlândia nunca atraiu muitos forasteiros. A ampla região central da ilha é formada por gelo inabitável. No inverno, fica escuro por meses a fio e não há estradas para conectar os principais centros populacionais - a maneira mais prática de se deslocar pelo território continua sendo por ar. Ilulissat, a linda cidade costeira que se transformou no principal destino turístico da Groenlândia, tem mais cães do que pessoas.
Apesar de tudo isso, nos últimos anos a ilha atraiu mais visitantes e atenção internacional do que nunca - graças quase só ao aquecimento global. Como os efeitos do fenômeno ficam mais aparentes no Ártico, a Groenlândia se tornou sinônimo de mudança climática. Isso, naturalmente, trouxe um número cada vez maior de pesquisadores tentando estudar e (espera-se) sugerir medidas para desacelerar ou deter a desintegração da camada de gelo, junto com repórteres em busca de maneiras dramáticas de ilustrar reportagens, políticos em missões fotogênicas em busca de dados e ecoturistas esperançosos em dar uma olhadinha em uma espécie ameaçada de extinção (neste caso, a espécie metafórica é o gelo).
Também há muita gente ali atrás de lucro - principalmente prospectores de petróleo e de minério. Ninguém sabe exatamente o que existe embaixo dos 81% do território da Groenlândia que é coberto de gelo. Mas o derretimento está fazendo com que seja exponencialmente mais fácil descobrir.
(Por Mark Binelli, Rolling Stone, 19/10/2008)