O mundo descobriu o físico José Goldemberg. Quatro décadas após iniciar seus estudos sobre biocombustíveis, ambientalistas, governos e ONGs tiram o chapéu ao seu pioneirismo. Ex-reitor da USP, Goldemberg ocupou vários postos de destaque na esfera pública. Foi secretário de Meio Ambiente, secretário de Ciência e Tecnologia do governo Collor e de Meio Ambiente do Estado de São Paulo.
Eleito um dos “heróis do meio ambiente” pela revista Time em 2007, segue em novembro para Tóquio, onde receberá o Prêmio Blue Planet, o de maior prestígio em questões ambientais. Após ser entrevistado por uma equipe japonesa de tevê, para falar sobre o etanol, Goldemberg recebeu CartaCapital em seu escritório, no campus da USP. No dia anterior, havia sido homenageado pela universidade, ao lado do crítico Antonio Candido, pelo “conjunto da obra”. Aos 80 anos, esse gaúcho de Santo Ângelo é forte candidato ao Nobel.
CartaCapital - Como o senhor vê o cenário energético mundial?
José Goldemberg - Durante os últimos vinte anos, houve uma progressiva internacionalização da economia, o movimento não era na direção do nacionalismo energético. Havia um encorajamento para essas integrações entre os países. Agora o pêndulo está voltando para as posturas nacionalistas. O caso brasileiro é exemplar.
Essa tendência é positiva?
Goldemberg - Não vejo como algo positivo. Apesar de que, é claro, descobrir grandes campos de petróleo no Brasil é um presente de Deus. Não fosse a descoberta dos poços de petróleo do pré-sal, a volta do nacionalismo em si não seria uma coisa boa. Os recursos naturais, não só energéticos, dependem da geografia. E, lamentavelmente, 70% das reservas de petróleo estão no Oriente Médio. Na maioria dos países da Europa Ocidental, já começou o declínio da produção de petróleo. Mas, em tese, o mundo mais pacífico, com trocas internacionais, seria uma coisa boa. Agora começam os problemas políticos, como na Bolívia. O gás da Bolívia é uma espécie de espada de Dâmocles sobre a cabeça dos brasileiros. A tendência atual é a de reforçar o nacionalismo. Cada país cuidará de si. O Brasil tem biocombustíveis, é um dos únicos países do mundo em que a produção do biocombustível pode ser feita de modo sustentável, sem concorrer com os alimentos.
Em 2007, por conta do relatório da ONU e do documentário de Al Gore, ficou a impressão de que, enfim, o mundo tomou consciência do aquecimento global. Tem havido avanços de fato?
Goldemberg - Toda essa conversa do Protocolo de Kyoto, de que os países em desenvolvimento devem adotar medidas voluntárias, precisa ser mais bem avaliada. Como diz Maquiavel, você faz as coisas por virtude ou necessidade. A China, por exemplo, se escuda por trás do Brasil, que é um ator importante na discussão da mudança climática por causa da Conferência de 92. A posição brasileira é de que não podemos aceitar reduções obrigatórias, mas, para nós, dá na mesma se as reduções serão impostas ou voluntárias. É só reduzir um pouco o desmatamento na Amazônia, além de usar o álcool. O problema é que a China usa o Brasil como escudo, e diz: “Nós somos um país em desenvolvimento como o Brasil”. É discutível. Hoje a China emite tanto quanto os Estados Unidos.
Em termos políticos, a resistência da China pesa mais do que a norte-americana?
Goldemberg - Pesa, porque ela usa o Brasil como parceiro, conquistando um grupo de 127 países. Domina as assembléias gerais da Convenção das Partes, com um efeito perverso, porque os EUA usam o argumento de que a China não está fazendo muito e por isso também não farão. Acho que isso vai mudar agora com as eleições. O governo americano, atualmente, é imediatista.
Com a saída de Marina Silva, o ministro Mangabeira Unger tomou conta do plano para a Amazônia. Houve uma mudança de orientação do governo?
Goldemberg - A retórica está pior. A única idéia útil que captei das declarações do ministro, e do próprio Carlos Minc, é a da regularização fundiária. Acho absolutamente essencial, porque na medida em que a terra tiver dono poderá haver fiscalização. É preciso criar imediatamente 200 cartórios nas regiões mais conturbadas, constituir uma polícia ambiental. Sob esse ponto de vista, minha experiência em São Paulo foi muito útil. A cobertura florestal original do estado de São Paulo aumentou recentemente. O remanescente da Mata Atlântica no estado passou de 13%, em 2000, para 14%. É pouco, mas o fato é que houve uma reversão de tendência. Em São Paulo, para derrubar qualquer coisa, é preciso uma licença da Secretaria do Meio Ambiente. Sem licença, a polícia ambiental pega você. Há 2 mil homens na polícia ambiental paulista, 700 viaturas. Com isso, praticamente não há desmatamento ilegal.
*Confira a íntegra desta entrevista na edição impressa
(Por Luiz Antonio Cintra, Carta Capital, 17/10/2008)