A imprensa, em seu papel protagonista de agendar políticas públicas, veicular informação contextualizada de qualidade, fiscalizar e controlar os desvios dos vários setores sociais foi chamada na sexta-feira (17) para ajudar a construir uma sociedade mais justa e um planeta sustentável “Versão 3.0”. O chamado veio do cientista do Instituto de Física da USP, Paulo Artaxo, durante o debate “Imprensa e Mudanças Climáticas”, em presença de Guilherme Canelas, Coordenador de Relações Acadêmicas da Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) e de René Caprilles, editor da Revista Eco 21.
Artaxo, especialista em mudanças climáticas, tendo participado do último relatório IPCC, criticou a visão infantil da mídia brasileira ao procurar os vilões na cobertura do aquecimento, esquecendo que “em ciência não há certezas, e as palavras discordantes são o fundamento para o diálogo”. Se isso é verdade para a política, a economia ou as ciências, o jornalismo não pode abster-se em reconhecer opiniões, defendeu o cientista.
O tema das mudanças climáticas na mídia deveria ganhar vozes e pontos de vista para se espraiar pelas editorias de educação, saúde e chegar ao questionamento dos impactos sobre as futuras gerações. A argumentação de Guilherme Canelas visa especificamente à infância e juventude, principais atingidos pelas perversidades do modelo atual. A transversalidade na cobertura da mídia é necessidade balizada por pesquisa sobre Imprensa Brasileira e Mudanças Climáticas, nos anos de 2005 e 2007 em 50 jornais, culminando com um portal e um livro, onde os resultados e repercussões estão presentes.
Entre alguns números reveladores, está o fato de que 87% dos textos recolhidos não há sequer a menção da palavra “desenvolvimento”, apenas 0,2%, ressalta o IDH e 6% chama a atenção para padrões de consumo atuais. Outro detalhe foi a constatação de que os temas são tratados de acordo com as efemérides, como os relatórios do IPCC ou o evento do furacão Katrina, sem a continuidade que o assunto pede. Além da periodicidade, a quantidade também foi percebida - a mídia nacional foi a que menos falou sobre aquecimento do planeta em suas páginas ou canais. As matérias também ficaram restritas a 3 subtemas: efeito estufa, energia e conseqüências do aquecimento (eventos climáticos extremos e reveses na indústria), com 29% do foco sobre as mudanças climáticas como um fenômeno maior. As mitigações, a legislação ou o desenvolvimento sustentado foram tratados de maneira restrita e, até, sem explicar o conceito de mudanças climáticas (apenas 1% das matérias), e sem apresentar opiniões divergentes (9,5% dos textos), como se todos conhecessem suas dimensões e implicações.
O jornalista ambiental René Caprilles, lembra que a pesquisa da Andi deveria esmiuçar a influência da estrutura do jornalismo, baseado em dar eco a uma dezena de agências que trazem uma visão hegemônica nas notícias replicadas pelos jornais em todo o país. Mas também entender que a responsabilidade do leitor em cobrar coberturas de qualidade em meio ambiente fica determinada por seu pouco interesse. Segundo pesquisa consolidada pelo Ibase e Voz Populi, ainda são apenas 80 mil pessoas que se interessam pelas páginas de meio ambiente, apresenta Caprilles.
O jornalista pondera ainda que aumenta exponencialmente o número e a especialização dos jornalistas que vêm cobrindo os grandes eventos, isso desde a Conferência de Estocolmo, em 1972, onde estavam 50 jornalistas, até a próxima Conferência da Água, em março do próximo ano, que será reportada por cerca de 3.500 colegas.
O problema maior de nossa ainda pequena e pouco contextualizada cobertura sustentável que junte as peças do todo (economia, meio ambiente e social) reside no triste fato de que o legislativo, em suas diversas instâncias de poder, se informa pela mídia de grandes jornais para tomar as decisões que nos afetam a todos! Canelas lembra que nos textos pesquisados, pouco se cobra dos governos, e nada se cobra em termos de políticas públicas destes mesmos responsáveis. São elas que deverão afrontar o terrível problema que temos pela frente.
Canelas e Artaxo afirmam que é preciso rever nossos padrões de consumo em termos dos alicerces do sistema econômico. Não apenas jogar a responsabilidade sobre os ombros das ações individuais, a despeito de sua importância. A análise da atual crise financeira e da crise climática é premente. “A notícia da crise do planeta de maneira catastrófica é uma chance de ouro para que a humanidade possa reagir de maneira inteligente, respeitando os valores da natureza”, completa o cientista Paulo Artaxo, que afirma que ainda falta muito para que a imprensa transmita de maneira adequada o problema ambiental – “há de se noticiar os aspectos positivos, como lembrar que mesmo com níveis de queimadas alarmantes na Amazônia, 80% dela ainda está em pé, como Cabral a encontrou 500 anos atrás”.
As fontes de informação também têm seu papel, abrindo horizontes para novas pautas e novos pontos de vista. Noticiar a agenda positiva e questionar os paradigmas de desenvolvimento são incontestavelmente a bola da vez que a imprensa ambiental tomou para si. A se balizar pelo montante ofertado pelos governos dos Estados Unidos e da Europa para estabilizar mercados financeiros e empresas capitalistas, ainda há muito o que se observar, fiscalizar e cobrar para o modelo sustentável da Terra 3.0.
(Por Isabel Gnaccarini, Agência Envolverde, 18/10/2008)