Representante americano na agência atômica da ONU, Gregory Schulte veio ao Brasil pedir apoio para conter Damasco
Suposto reator no país árabe foi alvo de ataque de Israel, mas inspeção internacional foi inconclusiva; diplomata se diz "frustrado" com Irã
Os Estados Unidos colocaram a Síria no topo de sua lista de preocupações nucleares, logo abaixo do vilão de sempre, o Irã. E tentarão enquadrar o governo de Damasco, numa escalada muito semelhante à ocorrida com o regime de Teerã.
Em entrevista à Folha, o responsável pela diplomacia nuclear americana, Gregory Schulte, afirmou que a Síria "infelizmente está seguindo o exemplo do Irã".
Embaixador junto aos órgãos da ONU em Viena, incluindo a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Schulte esteve no Brasil na semana passada para, entre outras coisas, pedir um improvável apoio do Itamaraty contra Damasco na próxima reunião da agência, em 27 de novembro.
O imbróglio com a Síria começou em abril, quando os EUA acusaram o país de montar um reator nuclear secreto no deserto. O local fora bombardeado pela aviação israelense em setembro de 2007, e Washington afirmou ter reunido evidências de inteligência de que o local usava tecnologia norte-coreana e paquistanesa para enriquecimento de urânio ou plutônio -capazes de alimentar bombas atômicas.
A Síria negou e, depois de alguma pressão, permitiu que inspetores da AIEA visitassem o local. O trabalho foi inconclusivo. "O que sobrou do reator foi coberto por dez metros de concreto e um prédio. Mas os inspetores fizeram várias perguntas difíceis, e os sírios não responderam", afirma Schulte.
Na reunião de novembro, serão apresentados relatórios sobre a situação, e os EUA querem que sejam adotadas medidas como a sugestão de resoluções do Conselho de Segurança contra a Síria para pressionar o regime de Bashar Assad.
Caso iraniano
Sobre o Irã, Schulte afirma que as negociações continuam emperradas. "Trabalhar com o Irã é frustrante. A comunidade internacional deu ao Irã uma grande oportunidade de vir para a mesa de negociação como um igual, mas eles preferiram desafiar o Conselho de Segurança", diz. A preocupação hoje, sustenta, é a percepção de que os iranianos aprimoraram seu conhecimento sobre o enriquecimento de urânio. Teerã diz que seus fins são pacíficos.
Mas, argumenta Schulte, o país tem uma das maiores reservas de petróleo do mundo e não tem necessidade de ter 4.000 centrífugas de enriquecimento funcionando quando seu único reator nuclear em construção usará combustível comprado da Rússia. Além disso, nada impede que estejam sendo feitos estudos para capacitar seus mísseis balísticos a carregar uma ogiva nuclear.
"É muito importante que outros países, como o Brasil, digam que estão preocupados com a atitude dos iranianos. Os iranianos transformaram isso numa disputa EUA-Irã", afirmou. O discurso brasileiro, sem ser incisivo, condena violações de resoluções da ONU.
E se Teerã estiver se comportando como a Coréia do Norte, que conseguiu explodir uma bomba rudimentar mas com isso ganhou o poder de barganha que levou os EUA a retirar o país do "eixo do mal"? "Quem olharia para a Coréia do Norte e a usaria como um modelo? As pessoas lá moram num gulag", diz Schulte, que se diz partidário de soluções que combinem negociações com sanções econômicas para esses casos.
Mas essa defesa não inclui soluções isonômicas. Tome-se o caso do Paquistão, país que tem a bomba e de onde vazou o principal esquema conhecido de proliferação clandestina de tecnologia nuclear. O país é aliado dos EUA, mas Schulte é categórico ao dizer que Islamabad não terá direito a um acordo de cooperação nuclear civil como o que sua rival Índia assinou com Washington.
"O acordo é único, não o teremos com mais ninguém", dispara o diplomata. O mesmo pragmatismo vale para o aliado Israel, possuidor não-declarado de armas atômicas e principal rival do Irã. "Os Estados do golfo publicamente falam de Israel, mas em privado estão muito preocupados é com o Irã. Gostaríamos de ver um Oriente Médio sem armas nucleares, mas temos que ser realistas."
Sobre a Venezuela, que assinou um pacto nuclear com a Rússia cujos detalhes são obscuros, Schulte afirma que o acordo terá de ser "olhado cuidadosamente". Ele pondera que não seria do interesse de Moscou que Chávez tivesse a bomba. "Nossas diferenças com a Rússia não são segredo, mas em Viena eu continuo trabalhando muito proximamente do meu colega russo."