Empresas de celulose que mantêm projetos florestais no Rio Grande do Sul anunciaram ontem, ao apresentarem prejuízos em seus balanços trimestrais, um corte no ritmo dos investimentos. Diante da crise econômica, de perdas com malsucedidas operações cambiais e de escassez de crédito, a Aracruz suspendeu temporariamente as obras de expansão da fábrica em Guaíba.
A VCP, que já havia adiado seu projeto, informou que não realizará plantio próprio de mudas no próximo ano. O plano era semear de 10 mil a 12 mil hectares. A Stora Enso informou que seus planos dependem das condições de mercado. As três empresas somam investimentos que chegam a R$ 9,8 bilhões no Rio Grande do Sul.
As decisões causarão demissões, especialmente no campo. Além do freio nas atividades no Estado, a Aracruz, com perda de R$ 1,6 bilhão no terceiro trimestre, segurou a compra de terras e a formação de florestas na Bahia e em Minas Gerais. Com essas medidas, a empresa prevê reduzir em cerca de US$ 900 milhões o desembolso em investimentos até 2009. Em comunicado ao mercado, a papeleira ainda informa que “mantém sua intenção de retomar os investimentos no projeto (gaúcho) assim que as condições de mercado os justificarem”.
No caso da VCP, que teve prejuízo trimestral de R$ 586 milhões, no próximo ano serão plantadas só áreas do programa Poupança Florestal, nos quais produtores cultivam o eucalipto e fazem parceria com a empresa, que se compromete a comprar a madeira cortada após sete anos. A perspectiva é de que 10 mil hectares sejam plantados por meio dessa modalidade. O diretor florestal da VCP, José Arruda Mendes Filho, garante que não há mudanças para quem já participa do programa. Mas admite impacto negativo nos empregos no campo.
Atualmente 850 trabalhadores trabalham no plantio e na manutenção de florestas da VCP, que neste ano concluirá de 4 mil a 5 mil hectares de cultivo próprio e de 9 mil a 10 mil em parceria com produtores no Estado. Arruda prevê que até o fim do ano haverá trabalho garantido para esse contingente. A partir de então, deve haver redução.
As empresas terceirizadas Nativa, Carpelo, GPR e Wachholz informam que as contratações já estão suspensas e projetam um momento das demissões. O diretor de uma das empresas, que preferiu não se identificar, calcula que, por conta da suspensão do plantio próprio da VCP, a mão-de-obra usada pela papeleira no campo demandará entre 600 e 700 pessoas a menos do que o plano original – o cálculo inclui apenas quem faz o plantio.
O analista do setor de celulose da corretora Geração Futuro, Felipe Ruppenthal, afirma que o recuo das empresas é justificado pela incerteza em relação à demanda internacional de celulose, que já provocou uma redução nos preços da commodity. Na América do Norte, a cotação caiu 7% apenas neste mês, de acordo com o Ruppenthal. Além disso, os estoques do produto na Europa estão em elevação desde o início do ano e as companhias precisam se resguardar devido às restrições ao crédito no mercado internacional.
– Há um cenário incerto sobre a demanda de celulose e sobre os custos para a captação de recursos – resume o analista.
Ruppental avalia que os projetos não serão cancelados, principalmente devido às vantagens competitivas da produção no país, onde as florestas têm rentabilidade superior a outros locais. No entanto, não arrisca um prazo para sua retomada. Isso deve ocorrer, explica, somente quando a turbulência financeira se estabilizar.
A governadora Yeda Crusius foi comunicada ontem pela Aracruz que a construção da fábrica tinha sido posta em banho-maria. De acordo com o secretário de Governo, Erik Camarano, a empresa garantiu a manutenção do projeto, incluindo o desenvolvimento da base florestal no campo, o plano do porto para exportação em São José do Norte e a exploração da hidrovia no Rio Jacuí. Apesar da paralisação de obras em Guaíba, a companhia também teria se comprometido a manter a parceria com a prefeitura para melhorar a estrutura viária da cidade. O presidente da Associação Gaúcha de Florestamento, Roque Justen, também está confiante:
– É uma questão de ajuste. Os projetos podem demorar um pouco mais, dependendo da readequação de cada empresa, mas há uma necessidade crescente de produtos provenientes de florestas. E a restrição às florestas nativas é cada vez maior no país. Então, teremos de tirar a matéria-prima das florestas plantadas.
A outra indústria de celulose que planeja se instalar no Estado é a Stora Enso. Com projeto inicial de R$ 950 milhões na área florestal e dificuldades para plantar áreas de eucalipto devido à legislação que restringe a atuação de empresas estrangeiras na fronteira, a companhia ainda não modificou a programação para 2009, mas informou que o cronograma de instalação da unidade industrial dependerá das condições de mercado.
Projetos desacelerados
Confira os investimentos bilionários previstos no Estado que, em razão da crise internacional, estão sendo revistos:
ARACRUZ
O que é: investimento de R$ 4,9 bilhões
O que está previsto: compra de 250 mil hectares, sendo 160 mil hectares para o plantio de florestas de eucalipto. O restante é reservado para área de preservação em 36 municípios nas regiões Centro Sul e Carbonífera, e a construção de unidade industrial em Guaíba, onde já funciona uma fábrica de celulose da empresa.
O impacto da crise: a unidade, que triplicaria a capacidade de produção de celulose, está suspensa. Prevista para julho de 2010, a conclusão deixa de ter estimativa.
VCP
O que é: investimento de R$ 4 bilhões
O que está previsto: formação de base florestal de 140 mil hectares até 2011 no RS e construção de fábrica na Zona Sul. Foram comprados 110,39 mil hectares, sendo 53,09 mil de plantio efetivo e 56,27 mil de áreas preservadas com vegetação nativa.
O impacto da crise: a companhia admitiu que está em análise a possibilidade de retardar por tempo ainda não determinado a implantação do projeto industrial. Originalmente, a unidade entraria em operação no segundo semestre de 2011.
STORA ENSO
O que é: investimento de R$ 950 milhões
O que está previsto: implantação de base florestal de 100 mil hectares, até 2014, em 11 municípios na Fronteira Oeste. A segunda etapa prevê a construção de uma fábrica no Rio Grande do Sul, em local ainda não especificado.
O impacto da crise: a instalação da fábrica dependerá das condições de mercado, que atualmente deterioraram, e de projetos internos. A meta de plantar 20 mil hectares até o fim do ano foi revista para 10 mil em razão de dificuldades legais.
(Por João Guedes, Patrícia Meira e Sebastião Ribeiro, ZH, 18/10/2008)