Duas semanas depois do Ministério do Meio Ambiente suspender o processo de licenciamento da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, o Greenpeace sobrevoou a região para conferir as condições da rodovia, prestes a ser asfaltada. Construída na década de 70, durante a ditadura militar, e posteriormente abandonada, a BR-319 corta uma imensa região de floresta primária no Amazonas, estado que tem a maior área de floresta intacta na Amazônia.
Apesar dos impactos causados pela expansão do arco do desmatamento ao sul e pela ocupação das margens da rodovia no entorno de Manaus, a paisagem predominante ao longo da BR-319 ainda é bastante preservada: um mosaico de florestas, campinaranas, campos e afloramentos rochosos. Nas proximidades de Manaus, em uma faixa de 200 a 300 quilômetros a partir das margens da estrada, o desmatamento já é bastante intenso embora sem sinais aparentes de ocupação (pecuária, agricultura etc).
Entre os municípios de Borba e Novo Aripuanã, no sudeste do Amazonas, vários desmatamentos pequenos e recentes expõem a dinâmica de ocupação da estrada, incentivada pelo simples anúncio da pavimentação. Na porção mais central da BR-319, grandes áreas desmatadas por conta da abertura da estrada e posteriormente abandonadas se mostram complementamente regeneradas. Já nas proximidades de Humaitá, o cenário é bem diferente, com madeireiras operando ao longo da estrada e áreas sendo abertas e preparadas para agricultura e pecuária.
“Os impactos do asfaltamento da BR-319 já são visíveis e incluem grilagem, desmatamento e aumento dos casos de malária. O fato dos solos da região serem pobres e muito pouco apropriados à agricultura também é preocupante, pois contribuirá para acelerar a conversão de florestas em áreas degradadas, precocemente abandonadas pela agricultura e pecuária”, completa Raquel Carvalho, ecóloga da campanha da Amazônia do Greenpeace, que participou do sobrevôo.
A destruição avança até mesmo no interior das Unidades de Conservação, criadas como parte da estratégia para conter o desmatamento. Além disso, a pavimentação da BR-319, a exemplo de todas as estradas na Amazônia, acarretará o surgimento da 'espinha de peixe' – ou seja, a abertura de várias vicinais a partir da rodovia principal, potencializando o avanço da devastação florestal. Ao todo, seis estradas vicinais ligando sedes de municípios à rodovia já estão projetadas, porém apenas a estrada que liga Manicoré à BR-319 foi aberta, mas está intrafegável por falta de manutenção.
Aberta entre os anos de 1972 (680 quilômetros) e 1973 (197 quilômetros), durante o governo militar, a BR-319 foi pavimentada às pressas. Sem fluxo e sem manutenção, foi se degradando pouco a pouco ao longo dos anos até tornar-se intransitável. Em 1988, a linha de ônibus Manaus-Porto Velho foi desativada, restando o trecho entre Porto Velho e Humaitá, e cerca de mais 200 quilômetros após este município, ainda trafegáveis. A reconstrução da BR-319 vem sendo agendada e adiada desde 1996, quando foi incluída como uma das metas do Plano Brasil em Ação, do governo FHC.
A ressurreição da BR-319 veio pelas mãos de Alfredo Nascimento após assumir o Ministério dos Transportes mas, em 2005, após anunciar publicamente o início das obras, uma ordem judicial adiou novamente os planos do ministro. O processo de licenciamento está, nesse momento, suspenso por 60 dias para que o Ministério do Meio Ambiente analise as alternativas e proponha as medidas necessárias para conter os altos níveis de desmatamento projetados para a área e todos os outros problemas sócioeconômicos gerados pela pavimentação da estrada.
Para o Greenpeace, o asfaltamento da BR-319, no momento em que o mundo discute a absoluta necessidade de parar o desmatamento como contribuição para reverter os efeitos das mudanças climáticas, seria um contra-senso ambiental e econômico.
(Greenpeace, 16/10/2008)