Um novo estudo realizado pelo acordo “Iniciativa Conjunta sobre Empregos Verdes” sobre o impacto da emergente “economia verde” no mundo do trabalho, afirma que os esforços para combater as mudanças climáticas poderiam conduzir à criação de milhões de “empregos verdes” nas próximas décadas. O Relatório, intitulado “Empregos Verdes: Trabalho Decente em um Mundo Sustentável e com Baixas Emissões de Carbono” (Green Jobs: Towards Decent Work in a Sustainable, Low-Carbon World) afirma que a transformação de modelos de empregos e investimentos como conseqüência dos esforços por reduzir as mudanças climáticas e seus efeitos geram novos empregos em muitos setores e economias e poderiam criar milhões de novos postos de trabalho tanto nos países industrializados quanto nos países em desenvolvimento.
O Relatório foi encomendado e financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) no âmbito da “Iniciativa Conjunta sobre Empregos Verdes” do PNUMA, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da Organização Internacional de Empregadores (OIE) e da Confederação Sindical Internacional (CSI) que, juntas, representam milhões de empregadores e trabalhadores em todo o mundo(1). Foi elaborado pelo Instituto da Vigilância Mundial (Worldwatch Institute) com assistência técnica do Cornell University Global Labour Institute.
O Brasil é citado no Relatório: “Na atualidade, a reciclagem e a gestão de dejetos emprega cerca de 10 milhões de pessoas na China e 500 mil no Brasil. Espera-se que este setor cresça com rapidez em muitos países frente ao aumento dos preços das matérias-primas”. Mas o documento também alerta que o processo das mudanças climáticas em curso continuará gerando efeitos negativos sobre os trabalhadores e suas famílias, em especial sobre aqueles cujo modo de vida depende da agricultura e do turismo. É urgente que as ações para combater as mudanças climáticas, além de enfrentar seus efeitos, sejam formuladas para gerar trabalho decente, acrescenta.
Apesar do Relatório ser otimista sobre a criação de novos empregos para enfrentar as mudanças climáticas, também alerta que muitos destes postos podem ser “sujos, perigosos e difíceis”. As áreas que despertam preocupação – em especial, ainda que não exclusivamente nas economias em desenvolvimento – incluem a agricultura e a reciclagem, onde é necessário modificar com rapidez situações de baixos salários, insegurança nos contratos de trabalho e exposição a materiais perigosos.
O Relatório diz ainda que são criados muito poucos empregos verdes para os mais vulneráveis, ou seja os cerca de 1,3 bilhão de trabalhadores pobres (43% da força de trabalho mundial) do mundo com rendimentos tão baixos que não lhes permitem a eles e tampouco a seus familiares superar o umbral da pobreza de 2 dólares por dia, ou os cerca de 500 milhões de jovens que procurarão trabalho nos próximos dez anos.
Os empregos verdes reduzem o impacto ambiental das empresas e atividades econômicas a níveis sustentáveis. O relatório se concentra em “empregos verdes” na agricultura, indústria, serviços e administração que ajudem a preservar ou restabelecer a qualidade do ambiente. Além disso, faz um apelo para que sejam adotadas medidas capazes de garantir trabalho decente com o objetivo de reduzir a pobreza ao mesmo tempo em que se protege o meio ambiente.
O Relatório afirma, também, que as mudanças climáticas, o processo de adaptação e os esforços para freá-las com a redução de emissões, têm repercussões de longo alcance no desenvolvimento econômico e social, nos modelos de produção e, portanto, no emprego, renda e redução da pobreza. Estas repercussões implicam tanto maiores riscos como oportunidades de emprego para os trabalhadores em todos os países, mas em particular para os mais vulneráveis, nos países menos desenvolvidos.
O documento do PNUMA e da OIT faz um apelo no sentido de serem criadas condições para que se produza uma “transição justa” em relação aos que forem afetados pela mudança em direção a uma economia verde e para aqueles que devem se adaptar às mudanças climáticas, facilitando o acesso a oportunidades de emprego e de atividades econômicas alternativas para empresas e trabalhadores.
De acordo com o relatório, é essencial um diálogo social entre governos, trabalhadores e empregadores, não somente para aliviar as tensões e propiciar a formulação de políticas ambientais, econômicas e sociais melhor informadas e mais coerentes, mas também para envolver os interlocutores sociais no desenvolvimento destas políticas.
Conclusões importantes do Relatório
• O mercado global de produtos e serviços ambientais deveria aumentar dos atuais 1.370 bilhão de dólares por ano para 2.740 bilhões de dólares em 2020, de acordo com um estudo citado no relatório.
• A metade deste mercado se refere a eficiência energética e o resto a transporte sustentável, fornecimento de água, gestão de serviços sanitários e de dejetos. Na Alemanha, por exemplo, a tecnologia ambiental será quadruplicada até alcançar 16 por cento da produção industrial em 2030; a previsão é de que o emprego neste setor superará o da grande indústria automobilística e de máquinas e ferramentas desse país.
• Os setores que terão especial importância em termos de impacto ambiental, econômico e no emprego são o fornecimento de energia, em particular a energia renovável, edifícios e construção, transporte, indústrias básicas, agrícola e florestal.
• Nos Estados Unidos, as tecnologias limpas constituem o terceiro setor que capta mais capital de risco depois do setor de informação e de biotecnologia. Na China, o capital de risco verde duplicou até alcançar 19 por cento do total dos investimentos realizados nos últimos anos.
• 2.3 milhões de pessoas obtiveram novos empregos no setor da energia renovável nos últimos anos e o potencial de crescimento do emprego neste setor é enorme. O emprego em energias alternativas poderia crescer até 2,1 milhões em energia eólica e 6,3 milhões na solar.
• A energia renovável gera mais trabalhos que os combustíveis fósseis. Estão previstos investimentos de 630 bilhões de dólares até 2030, que se traduziriam em pelo menos 20 milhões de novos empregos neste setor.
• Na agricultura, 12 milhões de pessoas poderiam trabalhar em biomassa para a produção de energia e outras indústrias relacionadas. Em um país como a Venezuela, uma mistura de etanol de 10 por cento nos combustíveis poderá gerar um milhão de empregos na indústria da cana-de-açúcar até 2012.
• Uma transição em direção à eficiência energética nas residências em nível mundial poderia gerar milhões de postos de trabalho, ao mesmo tempo em que tornaria mais limpo os empregos existentes para muitos dos cerca de 111 milhões de trabalhadores que atuam no setor da construção.
• Investimentos no aumento da eficiência energética dos edifícios poderiam gerar entre 2 a 3,5 milhões de empregos verdes na Europa e nos Estados Unidos, com um potencial muito mais alto para os países em desenvolvimento.
O relatório oferece exemplos da criação massiva de empregos verdes em todo o mundo: na China, 600 mil pessoas estão empregadas na produção de energia térmica e na instalação de produtos como aquecedores solares de água.
Na Nigéria, a indústria de biocombustíveis baseada no cultivo da mandioca e da cana-de-açúcar poderia sustentar e empregar 200 mil pessoas; na Índia, até 2015 poderiam ser criados 900 mil empregos na gaseificação de biomassa, dos quais 300 mil na fabricação de fornos e 600 mil em áreas como a fabricação de briquetes e grãos na cadeia de fornecimento de combustível; na África do Sul, 25 mil pessoas desempregadas trabalham agora na conservação como parte da iniciativa “Working for Water”. “Uma economia sustentável não pode continuar mantendo os custos ambientais e sociais. O preço que a sociedade paga pelas conseqüências da contaminação ou de doenças deve refletir-se nos preços do mercado. Portanto, os empregos verdes devem ser trabalho decente”, diz o Relatório.
O estudo recomenda uma série de alternativas para que se avance até um futuro mais sustentável investindo em medidas de baixo custo que deveriam ser tomadas imediatamente e que incluem: a avaliação do potencial para empregos verdes e acompanhamento dos progressos para constituir um marco de políticas e investimentos; abordar o atual gargalo das qualificações profissionais e satisfazer as exigências de capacitação porque a disponibilidade de tecnologia e recursos para investimentos somente pode se desenvolver de maneira eficaz com empresários qualificados e trabalhadores capacitados.
Também recomenda garantir a contribuição das empresas e do setor econômico na redução das emissões de Gases de Efeito Estufa e com iniciativas para gerar emprego em locais de trabalho verdes. O relatório mostra que os mercados prosperam e a transformação avança, sobretudo nos países onde houve um apoio político forte e consistente nos mais altos níveis, incluindo objetivos, sanções e incentivos, como leis e normas de eficiência para edifícios e eletrodomésticos, bem como para pesquisa ativa e desenvolvimento.
O Relatório recomenda, além disso, a redistribuição de subsídios, benefícios das ecotaxas e da venda pública dos créditos de carbono que geram enormes fluxos de recursos traduzidos em centenas de bilhões de dólares. Os recursos que são gerados na Europa e nos Estados Unidos seriam suficientes para apoiar economias mais verdes e para a criação de empregos verdes tanto no Sul quando no Norte industrializado. A cooperação Sul-Sul pode desempenhar um papel mais importante ao transferir tecnologias provadas e conhecimentos práticos.
Também afirma que, para acelerar o crescimento dos empregos verdes, é vital obter um novo acordo sobre o clima, mais decisivo e de maior alcance, quando os países se reunirem na Cúpula das Nações Unidas sobre o clima que se realizará em Copenhague em final de 2009.
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(1) A “Iniciativa Conjunta sobre Empregos Verdes” é um acordo estabelecido em 2007 entre o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Confederação Sindical Internacional (CSI). A Organização Internacional de Empregadores (OIE) aderiu em 2008. A Iniciativa foi lançada com o objetivo de promover oportunidades, equidade e transições justas; mobilizar governos, empregadores e trabalhadores a participar do diálogo sobre políticas coerentes e programas eficazes orientados para uma economia verde com empregos verdes e os trabalhadores de seus Estados-membros em uma ação comum para promover trabalho decente no mundo. A OIE é reconhecida como a única organização em nível internacional que representa os interesses das empresas no âmbito das políticas trabalhistas e sociais. Atualmente é formada por 146 organizações de empregadores de 138 países em todo o mundo. CSI é a Confederação Internacional de Trabalhadores. Sua principal missão é a promoção e a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores através da cooperação internacional entre sindicatos, campanhas globais e atividades de conscientização dentro das principais instituições mundiais. A CSI representa 168 milhões de trabalhadores em 155 países e tem 311 afiliados nacionais. PNUMA é o Programa para o Meio Ambiente dentro do sistema das Nações Unidas. É promotor, educador e catalisador ao apoiar o uso inteligente dos recursos naturais do Planeta para alcançar um desenvolvimento sustentável.
(Por Juan Somavia*, Eco21, 15/10/2008)
*Diretor-Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT)