A crise financeira, que já levou grandes bancos norte-americanos e europeus à falência, começa a preocupar e gerar análises de seus impactos para o futuro do combate às mudanças climáticas, ao financiamento de novas fontes de energia e esforços para a sustentabilidade.
Na última terça-feira (14/10), por exemplo, o ministro do Meio Ambiente Carlos Minc procurou tranqüilizar ao afirmar que a crise não deve prejudicar doações ao Fundo da Amazônia. Na semana anterior, Minc já tinha dito disse que a crise pode diminuir o desmatamento da Amazônia.
"Minc tem razão, existe uma relação clara do preço das commodities com o desmatamento", diz o cientista político e editor do site "O Eco" Sérgio Abranches. Segundo ele, a safra do boom de produção dos grãos irá coincidir com a recessão do mercado e uma parte da safra não será vendida, diminuindo a pressão por novas terras e expansão da fronteira agrícola.
Abranches alerta, no entanto, que existe uma parte do desmatamento que não está relacionada ao mercado de commodities, como o desmatamento que avança nas Unidades de Conservação e Assentamentos da Reforma Agrária. Além disso, essa queda de desmatamento não irá resolver o problema. "Apenas sairemos de um patamar intolerável para um menos, mas ainda ruim".
Já o economista Hugo Penteado, autor do livro "Ecoeconomia – Uma nova Abordagem", não acredita que exista essa relação entre a crise econômica e a climática. "A crise não tem relevância alguma para resolver a péssima relação existente entre o nosso sistema econômico e a natureza do qual tudo depende. Isso é um equívoco tremendo, quando os cientistas dizem que o desaquecimento econômico pode dar uma trégua para o aquecimento global, apenas reconhecem o conflito existente entre o sistema econômico-humano".
O economista também rebate a teoria de que a crise pode implicar em um retrocesso nas políticas ambientais, por acreditar que esse argumento tem duas falhas. "A primeira é achar que as políticas ambientais passaram por algum progresso. Justamente o contrário, estamos cada vez mais vorazes em relação à extração de combustíveis fósseis, no pré-sal, nas estepes russas, no fundo dos oceanos e agora, graças ao degelo mais freqüente, do Ártico".
A segunda falha, segundo ele, é pensar que a crise é uma razão para justificar retrocessos na política ambiental. "Esse argumento assume que para resolvermos o problema ambiental, precisamos estar com a economia em dia, como se economia e meio ambiente estivessem separados", explica.
Penteado acredita que estamos vivendo uma crise mais profunda do que imaginamos e que ela é resultado de um sistema econômico e financeiro que "virou um fim em si mesmo, quando na verdade deveria estar voltado para atender as pessoas, manter sociedades em equilíbrio entre si e de todos com o planeta".
Combate ao aquecimento global
"Os esforços econômicos, em qualquer tempo ou circunstância, sempre ofuscaram o combate ao dano ambiental, seja no caso particular do aquecimento global ou em qualquer outra área", diz Penteado. As críticas a ausência de recursos para resolver o passivo ambiental veio à tona quando países de todo o mundo injetaram bilhões de dólares para tentar reverter a crise econômica. Na última terça-feira, em evento em São Paulo , o presidente do Instituto Ethos, Oded Grajew, exemplificou essa questão, lamentando que enquanto as metas do milênio prevêem, para a sustentabilidade, 160 bilhões de dólares, já foram gastos dois trilhões no sistema financeiro.
Sérgio Abranches argumenta que, a curto prazo, o combate ao aquecimento global ficará comprometido, mas se diz otimista com o futuro. O cientista político explica que existe hoje uma "bolha verde", isto é, um excesso em investimentos em tecnologias e projetos que se dizem verdes e sustentáveis, sem grandes critérios que indiquem que o projeto em questão é de fato bom. "Devem acontecer mudanças importantes no desenho econômico após a recessão. No futuro, vai predominar a escolha por energia renovável. Os investimentos se tornarão mais seletivos".
Investimentos
Abranches acredita que hoje existe muito investimento em projetos de má qualidade, principalmente no setor de álcool nos Estados Unidos, e espera que essa seletividade melhore a perspectiva para os biocombustíveis de segunda geração. "É preocupante o fato de o Brasil não estar levando muito a sério os biocombustíveis de segunda geração, achando que as vantagens da cana-de-açúcar vão persistir".
"O tipo de emprego gerado no bicombustível de segunda geração é de muito melhor qualidade que no canavial", diz Abranches, explicando que uma das vantagens da tecnologia verde é a geração de empregos de boa qualidade para o trabalhador.
Hugo Penteado critica a visão de que os investimentos em desenvolvimento sustentável e energia limpa podem ser prejudicados com a crise. O economista considera essa opinião como mais uma derivação no mito da separação da economia e meio ambiente, e levanta alguns pontos para debate, como a métrica que utilizamos para medir o crescimento econômico.
"Nossa métrica estimula a devastação, destruição e contaminação do meio ambiente e da vida das pessoas, com impacto nulo no fluxo das riquezas produzidas ou no PIB [Produto Interno Bruto] e, para consertar o estrago, isso produz uma atividade e um impacto positivo no PIB. Ou seja, temos uma métrica que se adapta bem ao modelo mental ou conjunto de interesses que regem a nossa sociedade: a economia que é um fim em si mesma, cria problemas que são resolvidos depois, ao invés de termos uma tecnologia que evite problemas, usamos para consertar problemas criados", analisa. Penteado explica que, na métrica dominante hoje, uma árvore só tem valor quando derrubada ao chão, e conclui: “todos nós estamos no mesmo prédio. Ou a gente reconstrói os pilares – sociedade e meio ambiente - ou vamos desabar todos juntos. É o fim do poder ou o início de um novo paradigma".
(Amazonia.org.br, 16/10/2008)