No lançamento oficial do novo World Register of Marine Especies (Registro Mundial de Espécies Marinhas), 55 pesquisadores de 17 países se reuniram na Bélgica para discutir a conclusão do projeto - prevista para 2010. Pesquisadores e especialistas independentes da World Register estimam que hoje apenas 230.000 espécies marinhas tenham sido registradas pela comunidade científica. Acredita-se, no entanto, que o número de espécies não catalogadas é três vezes maior do que a que temos conhecimento, indicando que, se contabilizados, os números de espécies conhecidas poderiam ultrapassar a barreira do milhão.
O novo registro contém aproximadamente 122.500 nomes válidos de espécies (contudo os especialistas calculam que, do total analisado, aproximadamente 56.400 nomes reaparecem no registro com outra nomenclatura – o que corresponde a 32% do material revisado).
“Avisos sobre o declínio populacional dos peixes e outras espécies marinhas precisam ser baseados em informações válidas pelos censos para que sejam convincentes.” Afirma Mark Costello, da Universidade de Auckland, co-fundador do World Register e oficial sênior do Census of Marine Life (Censo da Vida Marinha - CoML). “Este projeto proporcionará informações vitais a pesquisadores e educadores que investigam a pesca marinha, as espécies ameaçadas, as espécies deslocadas e o funcionamento de ecossistemas marinhos, eliminando a possibilidade de controvérsias e discrepâncias a respeito das nomenclaturas derivadas do latim, redundâncias de certos termos e uma série de problemas que geram confusão e atrasam o progresso científico”, acrescentou. Algumas das espécies, reclassificadas de acordo com as novas bases de informações adquiridas nos últimos anos, revelaram possuir denominações distintas.
Nos casos onde há diferentes nomes para mesmos seres, os nomes que apresentarem os registros mais antigos serão os validados, apesar de todas outras nomenclaturas também serem citadas para facilitar futuras pesquisas e preservar um conhecimento adquirido ao longo dos séculos passados.
Popularmente conhecida como esponja “migalha de pão”, ou “breadcrumb sponge”, a espécie marinha Halichondria panicea, descrita pela primeira vez em 1766, aparece com 56 sinônimos diferentes na literatura taxonômica, sendo declarada campeã quando o assunto é diversidade denominativa. Sem residência fixa, esta espécie é conhecida por flutuar pelos oceanos – se amontoando freqüentemente nas laterais de rochas – e por possuir um forte odor de pólvora. Ela pode também aparecer de diferentes formas (como ilustram as fotos acima). A Halichondria panicea também é conhecida como: Alcyonium manusdiaboli (1794), Spongia compacta (1806), Halichondria albescens (1818), Seriatula seriata (1826), Hymeniacidon brettii (1866), Pellina bibula (1870), Amorphina appendiculata (1875), Isodictya crassa (1882), Microciona tumulosa (1882), Menanetia minchini (1896), Trachyopsilla glaberrima (1931) e outros 44 nomes diferentes.
Nenhum material de pesquisa foi descartado pelos pesquisadores do World Register – nem mesmo o de Carl Lineu, que em 1750 conseguiu superar a Torre de Babel erguida pela comunidade científica a respeito das nomenclaturas das espécies, e estabeleceu um simples sistema de nomenclaturas binomiais que utiliza nomes compostos derivados do latim – onde a primeira palavra, genus (em maiúsculo), é acompanhada por um epíteto específico (em minúsculo). Graças a este sistema, um peixe que é conhecido como bulot nos mercados de Paris, como whelk na Nova Inglaterra ou como buccin no Canadá, (e como Wellhornschnecke do Mar Nórdico), será também conhecido universalmente como Buccinum undatum pela comunidade científica.
No entanto, apesar do esforço em criar um sistema preciso de denominação, o método se provou falho já que, anos mais tarde, foram descobertas quatro baleias cachalotes da mesma espécie equivocadamente assinaladas com nomes diferentes, erro este encontrado ainda hoje em diversas literaturas e bases de dados da biologia.
O trabalho realizado pelo World Register busca estabelecer, de uma vez por todas, um registro amplo e universal das espécies marinhas para auxiliar futuros pesquisadores, especialistas, cientistas e educadores da área. Segundo Philippe Bouchet, um dos cientistas do World Register: “Descrever espécies sem um registro universal é como organizar uma biblioteca sem catálogo”.
Alto índice de descobertas foge a capacidade de descrição
Pesquisadores do Census of Marine Life (CoML) e de outras organizações vêm se deparando com um curioso problema na área da pesquisa marinha: devido a falta de profissionais, o número de espécies descobertas supera a capacidade de catalogá-las adequadamente. Segundo Bouchet, se calcula que, anualmente, aproximadamente 3.800 taxonomistas acrescentam cerca de 1.400 novas espécies marinhas aos registros literários da biologia. Isto significa que para catalogar, descrever e verificar precisamente todas espécies restantes da fauna oceânica, seriam necessários cinco séculos de pesquisa.
Como resultado, a cooperação em escala global dirigida pela CoML e o World Register tornou-se uma medida necessária para que novas informações a respeito das criaturas marítimas sejam analisadas e validadas de forma rápida, barata e eficiente. Para isso, a organização fez investimentos nas áreas de coleta de exemplares, captura de imagem, armazenamento de dados, análise genética (código de DNA), criou programas de treinamento para a formação de taxonomistas e apoiou iniciativas online como as do ZooBank, que distribui oficialmente registros permanentes de identificação para novas espécies.
Abrigada na Bélgica pelo Flanders Marine Institute, o World Register já recebeu apoio em recursos de diversas fontes. Nesta lista estão incluídos a plataforma de pesquisa da União Européia, Marine Biodiversity and Ecosystem Functioning (Funcionamento do Ecossistema e Biodiversidade Marinha - MarBEF), o projeto Pan-European Species-Directories Infrastructures (Infraestrutura Pan-européia de Diretório de Espécies - PESI), o European Register of Marine Species (Registro Europeu de Espécies Marinhas), o Espécies 2000 Europa, o projeto International Census of Marine Microbes (Censo Internacional de Micróbios Marinhos) do CoML, a Fundação Richard Lounsbery e o Global Biodiversity Information Facility (Centro de Informações de Biodiversidade Global).
O banco de dados reunido pelo World Register também servirá como espinha dorsal para outro investidor, o Ocean Biogeographic Information System (Sistema Biogeográfico de Informação - OBIS), que já contribuiu com um vasto leque de informações sobre milhares de diferentes espécies, incluindo relatórios sobre a distribuição global de certas espécies e diversos outros dados, afirma Mark Costello, fundador da OBIS.
O World Register também contribuirá com suas pesquisas como referência a diversas empresas interessadas na biodiversidade global, que conta com a Encyclopedia of Life (Enciclopédia da Vida) criando uma página na Internet para cada espécie, e com o Species 2000, organizando uma lista válida para o 1,8 milhões de animais, plantas e fungos vivos no mundo, terrestres e aquáticos.
“Os meios tecnológicos atuais nos permitem, através de uma colaboração global sem precedentes, consolidar, validar e avançar de forma impressionante na tarefa de registrar as espécies que vivem sob as ondas do mar”. Diz Edward Vanden Berghe, chefe do OBIS na Universidade Rutgers, em Nova Jersey, e responsável pelas primeiras pesquisas do World Register enquanto ainda trabalhava no Flander Marine Institute. “O World Register of Marine Especies e o Ocean Biogeographic Information System serão os legados mais importantes do Census of Marine Life.”
Quantas espécies existem no mar?
No encontro realizado este ano na Bélgica, o World Register se comprometeu em anunciar, ao final de 2008, cerca de 200.000 nomes válidos de espécies marinhas, e acrescentou que a lista completa, estimada em 230.000 espécies conhecidas, será divulgada em Outubro de 2010, quando for concluído o First Census of Marine Life (Primeiro Censo da Vida Marinha).
“A análise final de milhares de espécies que ainda não foram avaliadas será trabalhosa já que, em certos casos, as descrições são inadequadas e em outros faltam exemplares”, comenta Ron O’Dor, cientista chefe da CoML. “Se por um acaso esses registros forem baseados em provas superficiais ou controvérsias, os peritos terão o direito de duvidar da validade das informações”, conclui.
Estimativas preliminares da CoML indicam que, em oito anos de exploração, milhares de novas espécies foram encontradas, mas apenas 110 delas concluíram o processo de avaliação descritiva. Apesar do esforço de colaboradores da CoML, fica claro que a base de dados do World Register ainda está longe de comportar com a eficiência desejada o alto índice de descobertas que ainda estão sendo feitas.
O processo de análise e descrição de novas espécies, que envolve um exaustivo trabalho de comparação, documentação, revisão, publicação e exposição de material, tende a durar anos devido à complexidade de avaliação das espécies. O projeto liderado pelo CoML – maior projeto de pesquisa global da biodiversidade marinha, que conta com pesquisadores de 80 países diferentes –, visa facilitar o acesso a estas descobertas e elucidar as questões da biodiversidade oceânica do passado, presente e futuro.
No ano 2000, 17 projetos que examinavam todos os aspectos da vida marinha – 14 dos quais ainda conduziam pesquisas de campo – interromperam sua fase de coleta de dados e passaram para a fase de análise. O objetivo dos pesquisadores é garantir a conclusão do primeiro relatório do Census of Marine Life, previsto para 2010. Este relatório trará luz às informações imprecisas sobre a biodiversidade marinha e as constantes mudanças do meio ambiente.
Em partes isoladas do mundo como as profundezas do mar, os trópicos e os mares que circulam a Antártica, o número de descobertas de novas espécies pode superar em até 80% o número de espécies capturadas, especialmente quando se trata de animais de pequeno porte como crustáceos, vermes e moluscos.
Segundo Ann Bucklin, Diretora do CoML Plankton Project, se o ritmo de documentação se mantiver estável, prevê-se a duplicação das espécies conhecidas de plânctons no Planeta, um número que consistia em 7.000 espécies no início de 2008.
“Um dos maiores prazeres de um pesquisador é descobrir uma espécie desconhecida pela ciência.” Aponta Ian Poiner, representante-chefe do braço australiano do Scientific Steering Committee (Comitê Científico de Desenvolvimento) do CoML. “A realização de uma descoberta dá ao pesquisador o direito único de nomear uma espécie. Com o passar dos anos, novas espécies serão avaliadas e registradas na literatura da biologia, o que significa que um pesquisador poderá herdar inúmeras vezes esse direito– contribuição que esperamos que ocorra com freqüência para que possamos enriquecer o Censo e alimentar a base de dados do World Register.
“O que em primeira instância aparenta ser uma tarefa simples, é de fato apenas um dos desdobramentos do projeto. O processo de validar e registrar nomes de espécies já analisadas precisa agir simultaneamente com o processo de descoberta de novas espécies”, afirma Ward Appletans, diretor de dados do World Register e colaborador do Flanders Marine Institute (VLIZ), acrescentando que, para cada grupo de pesquisadores da área de taxonomia, há um representante perito que controla a qualidade de informação inserida no banco de dados.
“O fato de que, a cada ano, encontramos mais de 100 espécimes novos da fauna marinha, é impressionante. Enquanto buscamos traços de vida em Marte, ignoramos os mistérios ainda não revelados bem embaixo dos nossos narizes”, conclui ele.
(Por Terry Collins*, Census of Marine Life**, Eco21, 15/10/2008)
*Cientista
**Tradução: João Philippe Inada