Todo mundo sabe que produtos da pecuária e do extrativismo na Amazônia abastecem os grandes mercados consumidores do país. O nome de quem está por trás desta cadeia - muitas vezes alimentada por práticas ilegais - é que, não raro, corre à sombra do conhecimento da população. Entre os estados beneficiados pela devastação, São Paulo figura no topo da lista.
Segundo o Ibama, os paulistas consomem 23% da carne que sai da floresta, por exemplo, o que representa mais do que o dobro do volume adquirido pelos dois estados que ocupam o segundo lugar, Paraná e Minas Gerais, ambos com 11%. Para entender o quanto São Paulo é responsável pela perda da floresta, o Fórum Amazônia Sustentável e o Movimento Nossa São Paulo lançaram esta semana um estudo que aponta as principais conexões deste comércio.
O trabalho, realizado pela ONG Repórter Brasil e Papel Comunicação Social, centrou-se na bacia do Rio Xingu, como representativa de toda a floresta. Mais da metade de seus 51 milhões de hectares, divididos entre os estados do Mato Grosso e Pará, está dentro de Terras Indígenas e Áreas de Conservação. Mas nem por isso deixa de sofrer grande pressão das ações humanas. Por lá é possível encontrar de tudo: grilagem de terras; desmatamento ilegal; trabalho escravo; êxodo e poluição.
Durante quatro meses, dez pesquisadores acompanharam a rota das várias matérias-primas responsáveis por este quadro. Concluíram que a situação favorece grandes empresas intermediárias, que compram produtos irregulares, os beneficiam e os vendem até com selo de certificação e sob a figura da sustentabilidade. Nas prateleiras paulistas não aparece o lastro da destruição que ficou para trás.
Grandes responsáveis
No relatório, os pesquisadores não se ativeram à conexão Amazônia – São Paulo de forma genérica. Pelo contrário, o documento aponta, sem dó nem piedade, os grandes responsáveis pela manutenção deste fluxo de comércio. Isto é, boi, soja, madeira e carvão manejados irregularmente. “Mas não é uma acusação, senão teríamos de acusar a todos nós, que consumimos os produtos”, justifica Leonardo Sakamoto, um dos coordenadores do projeto.
A madeira, segundo ele, é emblemática na relação de exploração com São Paulo. Dados do Ministério do Meio Ambiente apontam que cerca de 12,7 milhões de metros cúbicos de madeira da Amazônia abastecem os mercados paulistas. Mas estes são apenas os números oficiais. Os outros cerca de 90% do produto extraído ilegalmente não são contabilizados.
Na lista de empresas beneficiárias de atividades ilegais ligadas à derrubada das florestas estão Tramontina, IndusParquet, Sincol e Metalsider. Para se ter uma idéia do tamanho do mercado abrangido por elas, vale alguns exemplos: o faturamento total da Tramontina em 2007 chegou a 2 bilhões de reais; já a IndusParquet, produtora de pisos de madeira, abastece shoppings como D&D e Lar Center, lojas Louis Vutton e Empório Armani e até o palácio Presidencial da Romênia.
Entre os crimes dos quais elas seriam coniventes estão a compra de material proveniente de áreas embargadas pelo Ibama e comércio com empresas multadas por beneficiamento de madeira ilegal, envolvimento em grilagens de terras e prática do trabalho escravo. Todas as empresas negam as acusações e garantem que seus produtos são certificados.
Quando o assunto é soja, o problema não é menos grave. Segundo o relatório, duas das maiores exportadoras do setor estão envolvidas em casos de ilicitude. Tanto a Bünge Alimentos, responsável por 23% das vendas do Mato Grosso no exterior, como a ADM Brasil, responsável por 11,38% do produto exportado, adquiriram soja este ano de propriedades embargadas pelo Ibama.
Em sua defesa, a ADM afirmou que o produtor com o qual fez negócio não constava na lista do Ibama à época da negociação. O site do órgão mostra o contrário. Já a Bünge afirmou que consulta as relações de embargo a cada negociação e que a área a que o estudo faz referência não é de produção de soja. Ela só não se lembrou que, ao comprar de um produtor que possui área embargada, mesmo que o produto não seja proveniente de lá, a empresa está financiando a continuidade dos trabalhos deste infrator.
O relatório ainda cita a São João Alimentos e a Caramuru, maior empresa do setor graneleiro do país. Ambas teriam comprado arroz e girassol, respectivamente, de produtores autuados por desmatamento ilegal. Procurada pelos pesquisadores, a São João não quis se manifestar sobre o assunto. A empresa Caramuru negou as irregularidades.
O crescimento do rebanho brasileiro também é um dos problemas apontados no relatório do Fórum Amazônia Sustentável. De 2000 para cá, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de cabeças de gado foi de 170 milhões para aproximadamente 206 milhões – incremento de 21%. O Mato Grosso detém o maior rebanho do país, com 26,1 milhões de cabeças, muitas delas sobre o que restou da floresta.
Entre as empresas listadas como beneficiárias de práticas ilegais na pecuária estariam grandes grupos, como Quatro Marcos, Friboi e Marfrig. Segundo o levantamento, elas teriam adquirido bois de áreas embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal e de pecuaristas envolvidos com trabalho escravo. A Quatro Marcos alegou que passa por um “momento de reestruturação e reorganização de processos de sua atividade”. Friboi não se manifestou até a conclusão do documento e Marfrig negou as acusações.
Na prateleira do supermercado
Diante do quadro de devastação, os jornalistas Leonardo Sakamoto e Marques Casara, responsáveis pelo documento, defendem que governo precisa criar mecanismos mais duros de interrupção do fluxo do comércio predatório entre Amazônia e estados brasileiros.
Eles lembram que o poder público não concede financiamentos para quem está na “lista suja” do trabalho escravo, por exemplo. No entanto, mesmo tendo criado a lei que veta crédito aos desmatadores, a fiscalização é muito mais “fluida” para crimes ambientais, que passam despercebidos pela população. “O consumidor precisa urgentemente ser educado e se educar para não comprar, sob nenhuma condição, produtos que tenham crimes ambientais e trabalhistas em sua cadeia de produção”, dizem, ao final do documento.
Na manhã desta quarta-feira (15/10), o ministro Carlos Minc garantiu que parte do Fundo Amazônia será destinado aos trabalhos de “rastreamento, mapeamento e monitoramento” da cadeia produtiva dos produtos e sub-produtos provenientes da Amazônia. Ele também afirmou que não medirá esforços para que, em cada produto das prateiras dos supermercados, esteja indicada a área da floresta da qual é proveniente.
(Por Cristiane Prizibisczki, OEco, 15/10/2008)