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passivos da silvicultura desmatamento da amazônia
2008-10-16

No último artigo comentei sobre a decisão de comprar as áreas preservadas para garantir a preservação, considerando que se trata das últimas áreas extensas de Mata Atlântica bem preservadas, uma situação muito rara de ser encontrada.

Sentimos também que nada será capaz de deter a intensa devastação que ocorre na região. É muito forte a demanda por áreas para reflorestamentos de pinus e estas áreas preservadas são muito cobiçadas por serem as mais baratas. Nitidamente, o desmatamento está fora de controle nesta região. São terrenos pouco valorizados porque são muito acidentados e não servem para agricultura. Se servissem, aquelas matas já teriam sido detonadas há muito tempo.

A maior parte destes terrenos é de pequenos proprietários que moram em grandes cidades e sequer conhecem a propriedade. Geralmente, são herdeiros de agricultores que abandonaram a atividade e foram para as cidades em busca de melhores condições de vida (êxodo rural). Então, estes proprietários vendem estes terrenos para investidores em reflorestamento de pinus ou fazem parcerias com empresas do setor florestal. Neste caso, obviamente arcam sozinhos com todos os riscos de serem multados e processados pelo crime ambiental de desmatamento.

Além de abrigar uma riquíssima biodiversidade, sobretudo de fauna, com várias espécies raras e ameaçadas extinção, estas áreas que lutamos para salvar prestam um serviço ambiental de extrema relevância para cidades importantes, como Blumenau (SC). A degradação que ocorre neste local, onde ficam as cabeceiras do rio Itajaí, agrava, e muito, o problema das enchentes naquela cidade e afeta a qualidade da água captada que abastece a população.

A primeira área preservada que compramos foi em Guaramirim (SC), em 1994, que transformamos em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), recendo a denominação RPPN Santuário Rã-bugio, local que já atendeu 21 mil estudantes em trilhas interpretativas e que faz parte da história da criação da ONG Instituto Rã-bugio para Conservação da Biodiversidade.

Uma das maiores dores de cabeça que tivemos nesta área em Guaramirim (SC) foi o constante furto de palmito (jussara). Eu ficava arrasado com isso e muito revoltado porque apesar do esforço não estava conseguindo garantir a comida para a fauna faminta de sabiás, tucanos, dentre outras espécies da Mata Atlântica, cuja sobrevivência depende dos frutos do palmito. Apenas na propriedade do vizinho da frente havia ainda exemplares desta palmeira tão perseguida pelo homem, mas na nossa propriedade os palmitos não chegavam a frutificar, eram furtados à medida que cresciam.

O motivo de tanto ataque aos palmitos da nossa propriedade, inclusive a poucos metros da residência, é que demos azar de ter entre nossos vizinhos ladrões de palmito tradicionais da região. Mas nunca conseguimos pegá-los em flagrante, já que eles tinham uma vantagem muito de grande de conhecer bem nossos hábitos e monitorar nossa rotina. Para o nosso alívio - e da fauna -, o problema praticamente desapareceu quando dois destes moradores se mudaram.

Para quem defende a natureza e sabe das conseqüências trágicas para a fauna da Mata Atlântica a falta de alimento proveniente dos frutos dos palmiteiros foi muito duro suportar tudo isso. Porém, com as áreas preservadas que compramos em Itaiópolis (SC) estávamos muito tranqüilos. Para nossa felicidade, naquele ecossistema não ocorre o palmito jussara. Cheguei a comentar com a Elza: “Podemos ficar sossegados que nunca seremos surpreendidos com aquele cenário devastador de centenas de palmiteiros abatidos.” Naquele momento nem passava pelas nossas cabeças o problema novo que iríamos encontrar em Itaiópolis.

Estávamos muito satisfeito com o estado de preservação da primeira área que compramos em Itaiópolis, ás margens do rio Itajaí. No entanto, ao conhecer outro extremo do terreno, ficamos em estado de choque ao depararmos com um cenário que na hora apagou da minha cabeça o problema do furto de palmito: abate de árvores centenárias.

Uma das árvores, com 70 cm de diâmetro, foi abatida com uma motosserra apenas para saquear uma colméia de abelhas silvestres. O tronco que estava oco foi seccionado para ser levado apenas a parte onde estava a colméia. Não consegui identificar a árvore, e obviamente, muito menos a espécie de abelha silvestre, para saber se é ou não espécie ameaçada de extinção.

Na Mata Atlântica ocorre uma interação muito forte entre plantas e animais. A dispersão das sementes e polinização da maioria das plantas são serviços realizados por animais (aves, mamíferos e insetos). Algumas espécies de abelhas silvestres são polinizadores específicos de certas árvores e o declínio ou extinção destes insetos representa a fim para estas árvores e consequentemente pode causar um colapso em todo o ecossistema.

Encontrei os cepos de mais três árvores abatidas no barranco do rio Itajaí. Mas o estrago maior foi provocado para arrastar um gigantesco tronco de uma canela-preta, espécie ameaçada de extinção, com cerca de 1 metro de diâmetro. Foi aberta uma clareira enorme da mata e por meio de um guincho com cabos de aço o tronco (em toras provavelmente) foi arrastado até a margem oposta do rio Itajaí.

Tratava-se do furto do tronco de uma árvore morta por decaimento natural. A remoção provocou um grande dano na mata ciliar do rio Itajaí, que é mata primária. Mas este não é o único problema e tampouco o mais grave. Estas árvores que morrem jamais podem ser aproveitadas como muitos imaginam. A vida numa floresta começa quando uma árvore morre. A sobrevivência dos pica-paus e de muitas outras espécies de aves dependem das árvores que morrem, seja para construir seus ninhos, abrigo ou prospectar comida. Muitas larvas de besouros (conhecidas popularmente como gorós) e de outros insetos se desenvolvem na madeira em decomposição e se constitui numa das fontes de proteína para as aves e mamíferos. E o material resultante da decomposição serve de adubo para fortalecer as árvores que permanecem.

Tudo isso ocorreu em frente da residência de um agricultor, na margem oposta do rio Itajaí, onde fui buscar esclarecimentos sobre estes danos causados a nossa propriedade, já que ficava a poucos metros do local do crime. Obtive uma resposta surpreendente: “Por que você está preocupado com uma ou duas árvores com tanto desmatamento por aí? Veja aquele desmatamento do fulano de tal, perto da ponte do Ruthes. Quantas árvores não foram derrubadas ali e você está enchendo o saco por causa de uma ou duas arvorezinhas?”. A surpresa foi o fato de terem ignorado o direito a propriedade, já que eu estava me apresentando como vítima de um furto.

Nessas alturas aquela famosa expressão “eu era feliz e não sabia” me cabia perfeitamente. O problema do furto de palmito que tanto nos incomodou em Guaramirim não era nada perto do que estávamos vivenciando em Itaiópolis. Mas problemas de verdade quem tem são os animais, que lutam para sobreviver em áreas cada vez mais reduzidas, e não vou desistir tão fácil de tentar salvá-los.

Então, não hesitamos em comprar de um comerciante de carros usados a segunda área preservada, com 24,2 hectares, muito próxima da primeira que adquirimos. A área foi parar nas mãos deste comerciante como parte do pagamento de um carro oferecida por um herdeiro de um agricultor, que mora em Curitiba. Curiosamente, a maioria das áreas tem esta medida de 24,2 hectares, ou múltiplos desta, pois se trata de um antigo assentamento para imigrantes poloneses, que se deram muito melhor abandonando estes lotes e indo para cidades como Curitiba. E a natureza acabou sendo beneficiada. São áreas de florestas secundárias, mas bem preservadas.

Assim como da primeira vez, compramos sem conhecer a área, pois nem o vendedor sabia direito onde ficava. O que importava para nós é que na escritura e também num mapa muito antigo dos lotes constava claramente que ficava às margens do rio Itajaí. Na primeira oportunidade, fomos ansiosos conhecer nossa nova aquisição. Chegamos no local com informação dos moradores e tivemos outra decepção.

Um terreno adjacente, com mata bem preservada e às margens do rio Itajaí, também havia sido comprado recentemente por um investidor em reflorestamento de pinus. Sem pedir autorização, ele reabriu com um trator-de-esteira uma estrada (particular) abandonada há mais de 50 anos que faz um zig-zag para vencer a forte declividade, exatamente em cima do nosso terreno (a mata já estava completamente regenerada sobre a estrada). E fez um prolongamento desta estrada, rasgando mais um bom trecho de mata preservada até atingir as margens do rio Itajaí. Sendo que o terreno dele tem acesso a partir da estrada principal (do antigo assentamento).

Sua intenção era desmatar totalmente a área e certamente iria invadir e destruir uma parte da nossa também, ou melhor, o que sobrou dela, pois a abertura da estrada já destruiu um bom pedaço. Lembrando que estes terrenos estão quase inteiramente em área de preservação permanente (APP).

Diante desta tremenda falta de respeito, da invasão de propriedade, e da iminência da área ser totalmente desmatada para o plantio de pinus, deixei de lado este negócio de política de boa vizinhança e fiz o que tinha que ser feito. Denunciei o caso ao IBAMA-SC que prontamente atendeu, enviando ao local dois jovens fiscais (um rapaz e uma moça, pelo que fui informado), muito corajosos e eficientes. Um morador da localidade os ajudou na perigosa travessia do rio Itajaí, conduzindo-os diretamente ao local do crime. O infrator foi multado e processado por crime ambiental e a área foi embargada.

Na residência do infrator, os fiscais se depararam ainda com outros crimes ambientais: uma criação clandestina de javalis (filhotes estavam sendo criados soltos e juntos com porcos); animais silvestres em cativeiro; e muita lenha de mata nativa resultante de desmatamento para ser utilizada em estufa de secagem de fumo.

Se não fosse a ação rápida destes fiscais e a nossa presença na região, o rio Itajaí teria perdido mais um bom trecho de mata ciliar preservadíssima. É uma pena que não seja possível intensificar e dar escala estas ações. Daria tempo para salvar muita coisa ainda.

Os leitores do O Eco que leram meu último artigo já devem estar começando a encontrar o sentido de minha pergunta: “Comprar para preservar resolve?”

(Por Germano Woehl Jr., OEco, 15/10/2008)


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