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cana-de-açúcar etanol diesel
2008-10-15
Tecnologia, criada por empresa americana, será usada pela primeira vez em usina paulista

O mesmo caldo de cana que serve como matéria-prima para a produção de açúcar e álcool servirá em breve, também, para a produção de diesel. A nova tecnologia, desenvolvida pela empresa Amyris, da Califórnia, vai ser colocada em prática no interior paulista em 2010, em sociedade com a Votorantim Novos Negócios e a Usina Santa Elisa, de Sertãozinho. A meta é produzir 400 milhões de litros no primeiro ano e 1 bilhão de litros, em 2012.

O processo é muito parecido com o da produção de álcool combustível, que utiliza leveduras - um tipo de fungo microscópico - para fermentar os açúcares presentes na cana e secretar etanol. A diferença crucial - que foi a grande inovação produzida pela Amyris - está no DNA da levedura, que foi geneticamente modificada para secretar diesel no lugar de álcool.

"Não é biodiesel. É diesel mesmo", diz o biólogo Fernando Reinach, diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios (VNN), fundo de investimento de risco do Grupo Votorantim, que financiou parte da pesquisa. O resultado da fermentação é uma molécula chamada farneceno, com 12 átomos de carbono, que tem todas as propriedades essenciais do diesel de petróleo, mas nenhuma da indesejadas, como a mistura de enxofre - um poluente altamente prejudicial à saúde.

Enquanto o diesel de petróleo - e mesmo o biodiesel de óleos vegetais - contém uma mistura de várias moléculas combustíveis, o diesel de cana tem apenas o farneceno, que pode ser usado diretamente no motor. "É um combustível super puro", disse o diretor-executivo da Amyris, o português John Melo, que esteve em São Paulo ontem para anunciar o projeto.

O diesel de cana-de-açúcar - além de ser livre de enxofre, o que reduz o impacto sobre a poluição urbana - é renovável em relação ao carbono que emite para a atmosfera, o que reduz o impacto sobre o aquecimento global. A exemplo do que já ocorre com o etanol, o CO2 que sai do escapamento é reabsorvido, via fotossíntese, pela nova cana que está brotando no campo. Quando a cana é colhida, o carbono é convertido novamente em combustível, reemitido, reabsorvido e assim por diante.

A cana não tem óleo, ela apenas fornece o açúcar necessário para alimentar as leveduras que vão produzir o combustível. É um processo completamente diferente do usado para produção de biodiesel, que é um combustível refinado de óleos vegetais, como de soja e mamona.

Segundo Reinach, foram necessários mais de 15 genes para transformar a levedura em uma "fábrica biológica" de diesel. A espécie usada no processo é a mesma da fermentação do álcool (Saccharomyces cerevisiae), mas a origem dos novos genes é mantida em segredo até que as patentes sejam publicadas.

A idéia, a princípio, é que o diesel de cana entre no mercado como um adicional ao diesel de petróleo, e não como um concorrente, já que a produção inicial será muito pequena. O Brasil consome cerca de 45 bilhões de litros de diesel, dos quais 5 bilhões precisam ser importados. "Se acabarmos com a importação já será um enorme sucesso", avalia Melo, que antes de assumir a Amyris foi presidente nos Estados Unidos da BP Fuels.

A tecnologia foi desenvolvida nos laboratórios da Amyris na Califórnia. Mas o desenvolvimento do produto final será feito no Brasil, com a participação de cientistas brasileiros contratados pela empresa. A Amyris já tem um laboratório em Campinas - acoplado a uma usina-piloto - e planeja construir uma planta industrial junto à usina Santa Elisa, onde será feita a produção de diesel em larga escala.

O interesse da empresa em trazer a tecnologia para o Brasil é simples: "Nossa matéria-prima é o carbono, e o carbono mais barato do mundo é o carbono de cana do Brasil", explica Melo. "É igual à cadeia do petróleo. As empresas vão onde está o óleo. Nesse caso, elas virão para onde está o carbono vegetal", completa Reinach. A idéia é que a produção aumente e ganhe mercado gradativamente, com um custo igual ou inferior ao do diesel de petróleo. O custo inicial previsto é de US$ 60 o barril, já bastante competitivo.

As adaptações necessárias nas usinas para produzir diesel em vez de etanol são mínimas. De certo modo, basta trocar a levedura no fermentador. Dentro de alguns anos, prevê Reinach, os usineiros poderão optar por produzir o que for mais vantajoso - álcool, diesel ou açúcar -, com grande flexibilidade.

O diesel de cana surge como mais uma opção no menu de energias renováveis que o mundo procura para substituir os combustíveis fósseis (derivados de petróleo, carvão e gás), que são os principais responsáveis pelo aquecimento global. A cana já oferece duas dessas opções: o álcool combustível e o bagaço, que é queimado para produção de energia elétrica. Agora serão três (etanol, diesel e biomassa), com potencial para chegar a quatro, cinco, ou até seis. Segundo Reinach, com as mesmas técnicas de engenharia molecular, é possível "ensinar" a levedura a produzir quase qualquer tipo de molécula.

A Amyris já está desenvolvendo combustível de aviação para a Força Aérea Americana e, depois do diesel, tem planos de produzir gasolina - tudo a partir da fermentação de açúcar da cana. Para o projeto do diesel, a empresa recebeu US$ 100 milhões de vários fundos de capital de risco nos últimos 12 meses. A Votorantim Novos Negócios não revela de quanto é sua participação.

ENXOFRE
Após intensas discussões com a área ambiental do governo, a Petrobrás decidiu iniciar as importações em 2009 de diesel com 50 partes por milhão (ppm) de enxofre. A empresa, no entanto, alega que o produto chegará ao País com um preço maior do que o nacional.

(Por Herton Escobar, NICOLA PAMPLONA, O Estado de S. Paulo, 15/10/2008)

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