Iniciativa contra o desmate reúne setor privado, prefeitura e sociedade civilPesquisa de ONG diz que muitas empresas compram de donos de terras que estão com problemas ambientais
Um grupo de empresas que revendem em São Paulo carne de boi amazônico ou produtos feitos com madeira da floresta devem assinar hoje um pacto pela preservação. Pelo menos no papel, elas prometem ter mais cuidado com seus fornecedores e evitar comprar de donos de terras que alimentam o desmatamento da Amazônia.
O pacto será firmado entre várias empresas privadas, de um lado, e pelas ONGs Movimento Nossa São Paulo e Fórum Amazônia Sustentável, de outro. As duas instituições apresentaram a iniciativa ontem à tarde no seminário "Conexões Sustentáveis, São Paulo e Amazônia".
"Nós temos aproximadamente 30 assinaturas pioneiras entre redes de supermercados, como o Wal-Mart e o Pão de Açúcar, e de ONGs, como o ISA [Instituto Socioambiental], o Akatu e o Greenpeace", afirma Caio Magri, do Instituto Ethos, outro grupo que vai ratificar o pacto pela Amazônia.
Das áreas que mais impactam a floresta atualmente -madeira e pecuária - empresas como a Leo Madeira e os frigoríficos Marfrig e Friboi afirmaram que vão assinar os seus respectivos pactos setoriais pela floresta hoje em São Paulo.
Segundo Magri, as empresas signatárias do acordo se comprometem a não "financiar, produzir ou utilizar carne, soja e produtos madeireiros de propriedades que tenham áreas embargadas por infrações ambientais ou que estejam na lista suja do Ibama [documento que relaciona donos de terra com pendências ambientais]."
O mesmo critério, diz ele, deve ser usado em relação à lista do Ministério do Trabalho, que identifica as propriedades que violam leis trabalhistas e humanitárias, como a proibição ao trabalho escravo.
Representantes dos dois candidatos à prefeitura de São Paulo -que também compra produtos amazônicos-, prometem assinar o documento.
Mesmo com a chamada certificação ambiental de várias madeireiras, todo o cuidado é pouco, disse à Folha o membro do Movimento Nossa São Paulo, Oded Grajew. "Hoje, às vezes, a empresa é certificada, Mas isso não significa que todos os seus produtos são de origem legal", disse. É por isso que pactos como os que serão assinados hoje, afirma Grajew, são importantes tanto para os consumidores quanto para o próprio setor privado.
Conexão Norte-SudestePara ilustrar o impacto do mercado consumidor paulistano sobre o desmatamento, um trabalho da ONG Repórter Brasil apresentado no seminário mostrou algumas conexões entre empresas da cidade e fornecedores na floresta amazônica.
"Nós não estamos acusando ninguém. Até acho que as empresas realmente não sabiam de todas essas conexões, mas é importantes mostrar isso, até para fazer um alerta", afirma Leonardo Sakamoto, um dos responsáveis pelo trabalho.
Dois dos levantamentos feitos pela ONG mostram os casos do frigoríficos Friboi e Marfrig. O documento diz que uma unidade do Friboi em Mato Grosso adquiriu gado de um pecuarista que teve parte de sua fazenda embargada pelo Ibama por desmatamento ilegal. A empresa disse à Folha que de fato comprou 125 bois do fazendeiro Marco Aurélio Morales Branco, mas de outra propriedade sua, em Barra do Garça. A fazenda com problemas, segundo a empresa, fica em Querência.
O problema da Marfrig seria com pecuaristas envolvidos com o trabalho escravo, diz a Repórter Brasil. À Folha, a empresa disse que desde março está comprometida com o pacto pelo fim do trabalho escravo.
(Por EDUARDO GERAQUE,
Folha de S. Paulo, 15/10/2008)