A débâcle financeira global é uma prova de que o capitalismo “está mais vivo do que nunca”, e que só seria freado com políticas que extingam toda forma de lucro ou com o fim da vida sobre a Terra, sentencia o chileno Marcel Claude, professor e ativista. A iminente recessão mundial pode reduzir a pressão sobre os recursos naturais, devido a uma produção menor, mas também pode relaxar as práticas de proteção ambiental, alerta Claude, cujo informe sobre o desaparecimento dentro de duas décadas das florestas autóctones de seu país causou considerável alvoroço em 1995, quando era um qualificado técnico do Banco Central. A bolha especulativa do setor hipotecário dos Estados Unidos foi apenas o detonador. Uma explicação mais profunda é a queda da “economia real”, porque os Estados permitiram a concentração da propriedade e o aumento da desigualdade e da pobreza em favor da progressão da “economia financeira", afirma Claude neste diálogo com o Terramérica. Mestre em Economia pela Universidade do Chile e candidato a doutor na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, Claude é professor em três altas casas de estudo de seu país e tem uma ampla trajetória como ativista ecológico. Em 2006, ganhou um litígio contra o Estado chileno no Tribunal Internacional de Direitos Humanos por acesso a informação pública e enfrentou com êxito uma querela judicial por denunciar conflitos de interesses na discussão da Lei de Pesca.
Atualmente, todo mundo teoriza sobre o capitalismo a propósito da crise financeira global. O que o senhor entende por capitalismo?
MARCEL CLAUDE - Menos mal que as pessoas estejam voltando a falar do capitalismo. Apenas se falava da globalização, do neoliberalismo. Mas o capitalismo existe, está mais vivo do que nunca e continuará vivo por muito tempo. A atual crise é uma mostra disso. O capitalismo construiu uma tremenda capacidade de desenvolver sua razão de ser: o lucro. A essência do capitalismo não é a propriedade privada, embora às vezes esta funcione como instrumento legal para materializar o lucro, nem são os governos de direita. O capitalismo é a busca do lucro, da taxa de ganhos. O que move o capitalismo são dois pecados capitais: a avareza e a cobiça. Não são virtudes humanas como a solidariedade, a justiça, a verdade e o amor. Todas as instituições capitalistas tendem a favorecer isto. Se a propriedade privada promove o lucro, tudo bem; se não promove, se passa por cima dela. O mesmo ocorre com a constituição política do Estado ou com o sistema de regulamentação financeira. O problema é que o lucro sempre é obtido com base na exploração. Sempre se trata de obter uma riqueza que está do outro lado. E as fontes dessa riqueza são duas: o trabalho da humanidade e a produtividade dos ecossistemas naturais. O capitalista sustenta que a atividade produtiva “cria” riqueza, mas simplesmente há uma “conversão”, uma “transformação” de riqueza, que vem fundamentalmente da natureza. A riqueza é a produtividade biológica dos ecossistemas naturais. O capitalismo é uma intervenção brutal, diabólica, nos sistemas vitais, que se convertem em produtos econômicos pela necessidade de sustentar a vida humana. Mas, como os capitalistas controlam todo o processo produtivo, acabam se apropriando desses direitos de vida.
Quais efeitos podem ter as atuais turbulências na reprodução do capitalismo? Passaremos para outra fase ou estamos perto do fim?
CLAUDE - Enquanto houver finalidade de lucro haverá capitalismo. Como a avareza e a ambição sempre existirão, a maneira de o lucro não ser determinante é regulamentá-lo, fazer com que na definição das políticas de Estado outros valores tenham maior preponderância. O outro fator possível de destruição do capitalismo é o desaparecimento de toda vida sobre o planeta. No melhor dos casos, poderíamos avançar para uma fase mais responsável. Isso se não a impedirem as grandes corporações multinacionais e os influentes homens de negócios. Quarenta por cento do produto interno bruto mundial está nas mãos de 200 multinacionais. Passarmos para outra fase dependerá da magnitude da crise e de os Estados conseguirem ordená-la e recuperá-la, coisa que me parece difícil.
Quem serão os principais prejudicados?
CLAUDE - Sempre são os pobres. Os Estados privilegiam sustentar o sistema financeiro com recursos provenientes dos contribuintes, uma atitude que enfraquece sua capacidade de gerar emprego, expandir a economia e enfrentar os problemas sociais. Estão preferindo deixar de gastar em educação, saúde, infra-estrutura e pesquisa. Isto significará menor atividade econômica, aumento do desemprego e queda da demanda. Pode ser que diminua a pressão sobre os recursos naturais, devido a uma produção menor, mas também pode haver um relaxamento nas práticas de proteção ambiental, para tornar factíveis outros projetos.
Se o capitalismo não é sustentável, qual é a alternativa?
CLAUDE - Até agora ninguém construiu outra alternativa e não sei se será preciso. Não se pode mudar um sistema de um dia para outro, mas pode-se intervir de forma politicamente decidida. As políticas estatais deveriam orientar-se praticamente para extinguir toda forma de lucro. Porque entendo o lucro como aquele ganho que não provêm de seu trabalho. As políticas de Estado deveriam se voltar para uma sociedade baseada no trabalho. Hoje, não há correspondência entre a riqueza de alguns e seu trabalho. Os Estados deveriam construir uma ordem econômica, política e social sustentada no trabalho. O lucro é o inimigo número um da sociedade e do meio ambiente, é veneno, e o ópio dos povos. A lógica do capital é o acúmulo e a lógica do trabalho é a subsistência, a manutenção da vida, que é mais funcional com a natureza.
(Por Daniela Estrada*, Envolverde/Terramérica, 13/10/2008)
* A autora é correspondente da IPS.