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recuperação ambiental desmatamento nascentes
2008-10-14
Canarana, cidade matogrossense, sedia esta semana o II Encontro Nascentes do Xingu e a I Feira de Iniciativas Socioambientais, entre 16 e 18 de outubro, nos quais serão exibidos projetos, atividades e as ações da Campanha Y Ikatu Xingu nos últimos quatro anos. Questões como energia, infra-estrutura e mercado de carbono na região do Xingu estarão em debate e experiências inéditas com restauração florestal realizadas por proprietários rurais, agricultores familiares e índios estarão em 35 estandes.

Agricultores familiares, grandes produtores rurais e índios da região do Xingu no Mato Grosso irão expor suas iniciativas de conservação e recuperação dos recursos naturais no II Encontro Nascentes do Xingu e I Feira de Iniciativas Socioambientais, a partir desta quinta-feira 16 de outubro, no Parque de Exposições Cidade Jardim, em Canarana, a 800 quilômetros de Cuiabá. Os eventos se encerram no dia 18, sábado.

A idéia é mostrar projetos e iniciativas empreendidos pela Campanha Y Ikatu Xingu nos últimos quatro anos, que aliem conservação dos recursos naturais da Bacia do Xingu – em especial das matas ciliares - e alternativas econômicas sustentáveis. Trinta e cinco estandes exibirão iniciativas divididas nas categorias: Recuperação Florestal, Adequação Socioambiental, Educação Socioambiental, Alternativas Econômicas Sustentáveis e Iniciativas Socioambientais dos Povos Indígenas.

Para se ter uma idéia, na Bacia do Xingu existem 22.525 nascentes. Porém, dados recentes sobre desmatamento no Mato Grosso apontam para a necessidade de ações urgentes voltadas à conservação da água na região: até o ano passado, foram desmatados cerca de 300 mil hectares somente na beira dos rios. Daí a necessidade de incentivar e implementar iniciativas realizadas de forma compartilhada com produtores e trabalhadores rurais, movimentos sociais, pesquisadores, professores, estudantes, governos, organizações da sociedade civil e comunidades indígenas.

Mesas redondas, palestras, mini-cursos, oficinas e estandes levarão ao público amostras do que a campanha tem realizado na região, além de promover a discussão sobre temas relevantes para a população que vive na Bacia do Xingu como mercado de carbono, questão energética e de infra-estrutura, diferentes usos econômicos do Cerrado e da Floresta. Também se pretende desenhar novas estratégias voltadas ao desenvolvimento territorial sustentável, e iniciar as discussões para a criação do Comitê da Bacia Hidrográfica do Xingu. Os interessados em participar dos mini-cursos e das oficinas poderão fazer suas inscrições durante os eventos.

Confira aqui a programação.

Coleta de sementes, artesanato e alimentação tradicional

Os índios Kaiapó, Ikpeng, Xavante, Panará, Kisêdjê, Yudjá, Kaiabi e Kamayurá vão mostrar algumas das iniciativas socioambientais que eles têm realizado. Os estandes vão exibir enriquecimento de quintais e pomares, coleta, beneficiamento e venda de sementes de espécies de árvores nativas, apicultura, artesanato e o resgate da alimentação tradicional.

Já os Xavante levarão para a feira o Projeto UHÖ de manejo sustentável de caça às queixadas em seu território. Eles dependem da carne dos animais silvestres para sua sobrevivência física, espiritual e cultural, e a queixada (UHÖ) é uma das espécies preferidas. Um estudo sobre esses animais revelou a grande pressão que os índios exerciam nas proximidades das aldeias e daí surgiu o projeto de manejo sustentável. Por meio dele, os Xavante estão promovendo a conservação do Cerrado e da cultura tradicional de seu povo, os jovens estão sendo estimulados a caçar, atividade que começou a ser esquecida desde o início do contato com o homem branco. Medidas de fiscalização do território e o acesso a novas áreas de coleta enriqueceram seus conhecimento e sua dieta tradicional.

Da produção orgânica à recuperação de mata ciliar

Muitas das iniciativas destinadas à recuperação das matas ciliares e das Áreas de Preservação Permanente (APPs) são realizadas nos Projetos de Assentamentos (PAs) existentes na região pelos agricultores familiares do PA Brasil Novo, no município de Querência, e PA Jaraguá, em Água Boa. Em seus lotes os agricultores praticam da produção orgânica de gêneros alimentícios até a recuperação de áreas degradadas por meio de técnicas agroecológicas, como os Sistemas Agroflorestais (SAFs).

No PA Jaraguá, por exemplo, criado em 1998 e onde vivem 400 famílias, na região da Bacia Hidrográfica do Rio Sete de Setembro, a agropecuária causou forte impacto nas últimas décadas. Em 2006, a Campanha Y Ikatu Xingu iniciou o projeto "Agricultura e Matas Ciliares no PA Jaraguá" com a intenção de proporcionar a 30 agricultores condições para que desenvolvessem alternativas de produção sustentáveis aliadas a técnicas de restauração florestal e conservação de matas ciliares.

Os SAFs buscam unir o plantio de espécies de crescimento rápido – feijão-guandú, feijão-de-porco, milho, abóbora - com o de espécies de crescimento lento – pequi, baru, jatobá, caju. As espécies de crescimento rápido sombreiam aquelas de crescimento mais lento, além de servirem de adubo verde, enriquecendo o solo com matéria orgânica e nutrientes. Assim, espécies nativas do Cerrado são plantadas em consórcio com culturas temporárias. Primeiro colhem-se milho, feijões e abóbora. Após três ou quatro anos, algumas árvores começam a frutificar e tornam-se fonte de renda alternativa para o agricultor. Algumas famílias do PA Jaraguá também estão conciliando a prática do reflorestamento e da conservação das matas ciliares com a exploração de novas fontes de renda sustentáveis.

Outro exemplo é o PA Brasil Novo, em Querência, município vizinho a Canarana. Os agricultores criaram a Associação Comunitária Agroecológica Estrela da Paz, que reúne 30 famílias. Criada em 2003 pelos próprios agricultores, o objetivo da Estrela da Paz era buscar alternativas de renda para cerca de 40 parceleiros. Foi assim que se dividiram em grupos para trabalhar com produções específicas, como farinha, seringa, cachaça, pupunha e ovelha. Cada família se envolve nas atividades comunitárias de acordo com seus interesses e conhecimentos.

A partir de 2006, os Sistemas Agroflorestais (SAFs) começaram a ser introduzidos no Brasil Novo por meio da Campanha Y Ikatu Xingu. O uso de agrotóxicos foi eliminado e os agricultores passaram a trabalhar com adubo verde e projetos agroflorestais. Por exemplo, a beira do Córrego da Serraria foi cercada e suas matas ciliares recuperadas com os SAFs

Reflorestamento mecanizado, plantio direto e SAFs

A Fazenda Simone, em Canarana, deu início à recuperação de uma área de três hectares de mata ciliar ao redor da represa do Garapu. Com uma máquina plantadeira de soja, começou um experimento de reflorestamento mecanizado com base nos Sistemas Agroflorestais (SAFs). Além disso, mais duas técnicas de plantio estão sendo experimentadas na beira da represa: o plantio manual de mudas e o plantio de sementes a lanço.

Já na Fazenda Bang Bang, no município de São José do Xingu, está outro exemploda economia que o produtor pode conseguir com o reflorestamento feito com plantio direto. Em 2006, a fazenda começou a participar do projeto Recuperação de Nascentes e Matas Ciliares do Xingu - Um Exemplo de Concertação Intersetorial, promovido pela Campanha Y Ikatu Xingu, com financiamento do Fundo Nacional do Meio Ambiente, e passou a receber assistência técnica do ISA. Iniciou, então, o plantio de sementes de 46 espécies nativas em Sistema Agroflorestal (SAF), associando espécies nativas ao feijão-guandú e ao feijão-de-porco. Foram plantadasaté o momento mais de 70 mil mudas de espécies nativas e 1,5 tonelada de sementes em quase 104 hectares à beira de nascentes e cursos d’água na propriedade. A área tornou-se um campo experimental de reflorestamento em larga escala e diversas técnicas foram ali testadas, incluindo o plantio direto a lanço, com lançadeira mecânica (Vincon) de sementes.

Gado com pequi

No Sítio Recanto Água limpa, de 90 hectares, além de criar gado, o proprietário, Sr. Édemo, plantou arroz e milho por mais de dez anos. Em 1995, iniciou o cultivo do pequi – árvore que é símbolo do Cerrado – em consórcio com o gado e hoje possui 5 mil pés de 20 variedades diferentes. No consórcio com o pasto reside o diferencial da experiência: à sombra dos pés de pequi, Édemo cria cem bezerros. “Se você tem uma árvore que lhe dá lucro, você não a derruba. Tem árvore que dá mais de dois mil frutos por ano, o que pode significar uma bezerra por ano de renda. E dá pra você consorciar o gado com o pequi, e deixar aquela floresta no lugar”, avalia o agricultor.

Em 2006, ele participou do processo de formação de agentes socioambientais, realizado pela Campanha Y Ikatu Xingu e seus parceiros, e se comprometeu a implementar uma série de ações em sua propriedade. Cercou as matas ciliares e passou a enriquecê-las através dos Sistemas Agroflorestais (SAFs). Junto dos pés de pequi, ele planta mangaba, cagaita, baru, murici, araticum e jatobá. “Meu sonho é ver os campos do cerrado cobertos de pés de pequi”. Para difundir seu conhecimento e suas experiências, Édemo realiza palestras e seminários sobre cultivo de frutos do Cerrado na Universidade de Brasília (UnB), na Embrapa e nos municípios de São Félix do Araguaia e Confresa. Em Confresa, onde há mais de 36 mil assentados, ele dissemina a idéia de combinar pasto com pequi nos assentamentos para aumentar a produtividade e criar uma nova fonte de renda para as famílias.

Esta e outras experiências podem ser conferidas nos estandes da feira, no Parque Cidade Jardim, em Canarana.

Os eventos desta semana serão realizados pelo ISA e pela Prefeitura de Canarana, em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lucas do Rio Verde, Instituto Centro de Vida (ICV), Fórum Matogrossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad) e Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), com apoio da Fundação Rainforest da Noruega, União Européia, Usaid/The Nature Conservancy e Fundação Doen.

(ISA, Instituto Socioambiental, 14/10/2008)

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